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SEM MEDO DE SER VULGAR

SARAH LUCAS

- VITORIA HADBA

Com o feminismo radical como influência formativa, artista britânica inunda sua obra de clichês de masculinid­ade e exalta o pênis como forma totêmica

HÁ UM NÚMERO SURPREENDE­NTE DE ESTUDOS NO CAMPO DA PSICOLOGIA QUE ABORDAM A RELAÇÃO ENTRE HUMOR E SEXO. Sigmund Freud, por exemplo, acreditava que indivíduos que possuíam impulsos sexuais reprimidos usavam o humor de cunho erótico como válvula de escape. Pesquisas mais recentes, entretanto, indicam o contrário. Assim como, nesses estudos, humor e sexo são pilares de sustentaçã­o no trabalho da artista britânica Sarah Lucas (1961), que em sua obra fala de sexo sem repressão, antecipand­o a discussão de gênero, sem medo de ser ambígua ou vulgar. Por muito tempo Lucas foi considerad­a uma artista menor dentre os outros membros do grupo Young British Artists ou YBA. Seus dias de coadjuvant­e, porém, ficaram no passado, como demonstra sua primeira retrospect­iva nos Estados Unidos, Sarah Lucas Au Naturel, no New Museum, em Nova York, em cartaz até 20/1/2019. Esse desinteres­se inicial permitiu que Lucas desenvolve­sse voz própria, sem medo de tabu ou censura, criando uma casca grossa em torno de si e de seu trabalho. Igualmente durona é a feminista radical americana Andrea Dworkin (1946-2005), citada pela artista em diversas ocasiões como uma influência formativa. Dworkin era agressivam­ente contra a pornografi­a, batendo de frente com feministas ligadas ao movimento sexo-positivo, como a artista, educadora e ex-prostituta Annie Sprinkle (1954). Esse impasse de ânimos exaltados repercute no trabalho de Lucas através das formas divergente­s, porém inegavelme­nte cômicas, em que a artista trata o sexo. Por exemplo, enquanto trabalhos como Seven Up (1990) ou Fat, Forty and Fabulous (1990) replicam imagens engraçadas de anúncios

pornô com certa neutralida­de, deixando para o espectador tirar suas conclusões sobre o embate entre a objetifiçã­o da mulher e a potência da afirmação sexual feminina; na obra Great Dates (1992), esses anúncios aparecem junto a notícias de estupros extraídas de jornais populares e a uma imagem da artista comendo uma banana enquanto encara a audiência, numa visão claramente sarcástica e trágica sobre o tema. Esse humor agudo, provocador, costumeira­mente tido como imaturo, de mau gosto e masculino, permeia toda a criação de Lucas. Ela fala de sexo através da língua vulgar das ruas. Talvez esse linguajar possa ser explicado pelo ambiente em que a artista foi criada. Nasceu em uma família proletária e disfuncion­al em Londres, o que a levou a sair de casa aos 16 anos e se juntar aos squatters – jovens, por vezes associados ao movimento punk, que vivem em comunas ocupando prédios abandonado­s. Em uma de suas obras mais conhecidas, Au Naturel (1994), um pepino é usado para representa­r o pênis, enquanto dois melões funcionam como peitos. Já em Sausage Film (1997), a artista come uma linguiça lentamente, enquanto controla o riso de maneira infantil e sádica. Seu repertório de trocadilho­s instiga uma visão revisionis­ta a respeito do corpo e do sexo e uma análise mais aprofundad­a sobre questões de gênero na vida e na arte.

O humor agudo, provocador, costumeira­mente tido como imaturo, de mau gosto e masculino, permeia toda a criação de Sarah Lucas

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 ??  ?? Au Naturel (1994), escultura que dá título à retrospect­iva de Sarah Lucas no New Museum de Nova York
Au Naturel (1994), escultura que dá título à retrospect­iva de Sarah Lucas no New Museum de Nova York
 ??  ?? No alto, o papel de parede Chicken Knickers (2014); abaixo, a escultura em borracha Get Hold of This (1994); e, à direita, Great Dates (1992), colagem de anúncios pornô, notícias de estupros extraídas de jornais sensaciona­listas e o autorretra­to da artista Eating a Banana (1990)
No alto, o papel de parede Chicken Knickers (2014); abaixo, a escultura em borracha Get Hold of This (1994); e, à direita, Great Dates (1992), colagem de anúncios pornô, notícias de estupros extraídas de jornais sensaciona­listas e o autorretra­to da artista Eating a Banana (1990)
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