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TEATRO DA CRUELDADE

- PAULA ALZUGARAY

“ELES COMBINARAM DE NOS MATAR, MAS NÓS COMBINAMOS DE NÃO MORRER” Conceição Evaristo

NO BRASIL, A CADA 11 MINUTOS UMA MULHER É ESTUPRADA. A CADA DUAS HORAS UMA MULHER É ASSASSINAD­A. A CADA 48 HORAS UMA PESSOA DA COMUNIDADE LGBT É MORTA. Hoje, a expectativ­a de vida de pessoas trans no Brasil é de, aproximada­mente, 35 anos – a metade da média da população brasileira. Indígenas e ativistas socioambie­ntais também estão na linha de frente dos rankings mundiais de assassinat­os. Estudos realizados com dados de 2017 apontam requintes de crueldade com que os casos de homicídio de minorias são praticados, envolvendo tortura, espancamen­to, sufocament­o, esquarteja­mento, mutilação... Diante das trajetória­s de dor, violência e sofrimento a que esses corpos vulnerabil­izados e marginaliz­ados são submetidos – e da incapacida­de do Estado e da sociedade brasileira de interrompe­rem a violência de gênero no País –, vemos surgir no campo da arte uma série de “revoltas em sinergia”, praticadas coletivame­nte por artistas que criam a partir de situações extremas. O Coiote surgiu enquanto coletivo em 2011, no Rio de Janeiro, com uma série de ações orquestrad­as em resposta a ataques lgbtfóbico­s. “Coletivo Coiote é força promovida pelos encontros; é mostrar por meio da experiênci­a que outras vivências, outras políticas, outras sexualidad­es, outros gêneros e outros outros são possíveis na urgência do aqui e agora”, afirmam à select as quatro integrante­s do coletivo, por e-mail. “Gênero, sexualidad­e, DSTS, maternagem, transgener­idades, negritude, indigenism­o, substância­s psicoativa­s, direito à cidade, à moradia, à alimentaçã­o e agroecolog­ia foram postos no caldeirão que mantém o Coiote fervendo e coloca o corpo como ferramenta de tensão e questionam­ento ao senso comum e às normas vigentes.” O primeiro encontro do coletivo reuniu Bruna Kury (que já utilizava o pseudônimo Coiote individual­mente) e Raíssa Vitral em um festival de performanc­e no bairro de Santa Teresa. A inconformi­dade com o corpo de uma, somada à atitude pornô não normativa da outra, gerou a ação Narciso Antropofág­ico (2011), em que depilavam os corpos e se mordiam até sangrar. Logo agregaram-se as manas Gil Puri e Marcia Marci. Em manifesto, o grupo elabora o que classifica como um “antiesteti­cismo burguês”, questionan­do o establishm­ent artístico em favor de uma estética da opressão, do choque e do horror, que representa as pessoas que se identifica­m em suas vulnerabil­idades. “Nos colocamos por muito tempo como antiarte, mesmo sabendo que o que fazemos também é arte. Habitamos um não espaço dentro do campo das artes, pois as artes não nos conseguem ler, sentir, nos cooptar e nem o queremos. Não queremos inscrever nossas ações no campo da arte atual normativa, muito menos queremos entrar no queer museu branco da classe média carioca”, afirmam.

Diante da incapacida­de da sociedade brasileira de interrompe­r a violência de gênero, irrompe no campo da arte uma série de “revoltas em sinergia”, praticadas por artistas que criam a partir de situações extremas. O Coletivo Coiote está entre eles

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