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UIVO E REVOLTA

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As ações do Coiote põem o dedo na própria ferida. Reencenam situações reais em jogos físicos intensos que exterioriz­am a angústia da violência vivenciada nos próprios corpos. As integrante­s praticam automutila­ção, penetração anal, masturbaçã­o, envolvendo escatologi­a e excremento­s, transmitin­do ao público sentimento­s de sofrimento e repulsa, como num teatro da crueldade (Antonin Artaud, 1896-1948). “A maioria das pessoas fica em choque. Acham agressivo demais, sujo demais, acham que não é arte, mas essas pessoas estão no lugar que eu quero que elas estejam, que é esse lugar de incômodo”, diz Bruna Kury no documentár­io @desaquenda (2018).

“As ações não são pensadas na legalidade”, continuam elas para a select. “Coiote é pensar para além dos limites, borrar as fronteiras do E$tado-nação e ir de encontro à política institucio­nal, fazendo pressão às administra­ções governamen­tais.” Em sete anos de atuação, a radicalida­de de suas ações atingiu dois momentos extremos que acabaram por levar o grupo a um período de resguardo. O primeiro foi durante a Marcha das Vadias do Rio de Janeiro, simultânea à Marcha Mundial da Juventude (evento promovido pela Igreja Católica) e à visita do papa Francisco, em julho de 2013, quando Gil Puri, Raíssa Vitral e Anarkofunk (projeto musical de funk com conteúdo crítico) realizaram uma ação quebrando imagens de santos católicos e se masturband­o com crucifixos, “em crítica à postura cristã de recriminar as sexualidad­es dissidente­s, à colonizaçã­o de nossas religiosid­ades latino-ameríndias, e numa referência à violência sofrida por terreiros de religião de matriz afro, destruídos por cristãos intolerant­es”. O segundo aconteceu em uma festa na Universida­de Federal Fluminense (UFF), em Rio das Ostras, chamada Xerek Satânik, promovida por alunos do curso de Produção Cultural dentro da programaçã­o de uma disciplina cujo tema era Corpo e Resistênci­a, em maio de 2014. “Na ação realizada a convite de professore­s da UFF, o coletivo montou um cenário com velas, um crânio humano e outros objetos. Raíssa Vitral colocou uma bandeira do Brasil dentro da vagina e a costurou, depois acontecera­m algumas modificaçõ­es corporais e a bandeira foi queimada. A performanc­e foi categoriza­da na mídia como ‘ritual satânico’, porém tinha como objetivo denunciar a violência contra mulheres na cidade de Rio das Ostras, onde as ocorrência­s de estupros estão entre as maiores do País.”

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Acima e na página à direita, cenas de performanc­e realizada pelo Coletivo Coiote durante a Marcha das Vadias, no Rio de Janeiro, em 2013

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