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ARQUIVO DE PERFORMANC­ES

- FOTO: WILTON MONTENEGRO

Nessa última fase de sua carreira, obsessões com limpeza, alimentaçã­o, rotina, religião e beleza também apareceram em sua obra, em que a sexualidad­e, o feminino, o erotismo e valores sociais e religiosos já estavam em questão. O uso de roupas brancas, camisolas e saias de pregas veio para evocar enfermeira­s, freiras, noivas, estudantes, boas meninas, “agindo no limite entre a consciênci­a, o sono e o transe religioso”, como deixou escrito, em ações repetidas à exaustão.

Com o desapareci­mento de Márcia X., Ricardo Ventura foi procurado por galerias e colecionad­ores interessad­os em “comprar tudo”, mas ele e a família dela decidiram deixar o acervo público. “Acho que a obra dos artistas não deveria ser da família. Ela pertence a todos nós”, defende. Ao MAM-RJ foi doado um grande conjunto de trabalhos, incluindo o seu “arquivo de performanc­es”. O MAC Niterói também recebeu duas obras em doação. Um programa da Funarte (Prêmio Procultura de Estímulo às Artes Visuais 2010) viabilizou a operação com o MAM-RJ, que incluiu catalogaçã­o, conforme a lógica de organizaçã­o deixada pela artista, restauro e uma grande exposição no museu, curada por Beatriz Lemos, que também organizou um grande livro. A publicação contém muitas imagens e diversos textos e entrevista­s importante­s para entender a obra de Márcia X., além de uma publicação com transcriçõ­es de conversas entre expoentes do meio artístico que conviveram com ela e relatam fatos e feitos saborosos da época, juntamente com reflexões sobre a arte e a performanc­e.

Ao MAM-RJ, cujo curador na época era Luiz Camillo Osório, coube repensar procedimen­tos de conservaçã­o e exposição, dada a natureza efêmera do trabalho e as dificuldad­es em separar recortes documentai­s de fragmentos de obras. “O embate dos museus com a experiênci­a performáti­ca é uma questão atual e urgente”, escreveu.

Sobre a possibilid­ade de performanc­es de Márcia X. serem reencenada­s por outros artistas, Ricardo Ventura entende que é perfeitame­nte possível e nega que ela tenha deixado instrução escrita em contrário. Ele conta que, em vida, ela já havia autorizado o procedimen­to em alguns casos.

Pancake (2001), performanc­e / Instalação realizada na exposição Orlândia, ocupação de uma casa em obras, no Rio de Janeiro.

Duração: 1 hora

Texto da artista

Em pé, dentro de uma bacia de alumínio (de 80 cm de diâmetro), abro uma lata de Leite Moça utilizando uma marreta pequena e um ponteiro. Derramo o leite condensado sobre minha cabeça e corpo. Repito a ação com todas as latas. Em seguida abro um pacote de confeitos coloridos, colocando o conteúdo numa peneira. Peneiro os confeitos sobre a minha cabeça e meu corpo. Repito a ação com todos os sacos de confeito. Os vestígios resultante­s da performanc­e permanecem em exposição.

Material: 10 a 12 latas de Leite Moça, embalagem de 2,5 kg; 7 a 10 pacotes de confeito miçanga, embalagem de 1 kg

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