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BRASÍLIA EM TRANSE

- MARIO GIOIA

Curadoria de Ana Avelar investiga com êxito as ambiguidad­es e contradiçõ­es da Capital Federal

Em tempos de política convulsiva, uma exposição coletiva a investigar as ambiguidad­es e contradiçõ­es da Capital Federal, no centro geográfico de um país cindido e ainda em transe, poderia tornar-se uma armadilha para quem se propôs a optar por tal projeto de risco. Felizmente, a curadoria de Ana Avelar fundamento­u a seleção de trabalhos de 29 artistas que lançam mão de variadas linguagens, com obras de múltiplos significad­os, abordagens e disposiçõe­s longe do literal. Ajuda no êxito da difícil empreitada uma das menos conhecidas e mais pulsantes cenas da nossa arte contemporâ­nea, a ressoar as potenciali­da-

des e relações conflitiva­s deste país continenta­l. Somado a isso, artistas jovens, mas já estabeleci­dos aqui e com circulação no exterior, como os paulistano­s Clara Ianni e Ding Musa, fazem leituras intranquil­as desse lócus tão simbólico.

Do Discurso Político Brasileiro, de Ding Musa, exibe a qualidade com a qual o artista desdobra o fotográfic­o, tendo como base os invisíveis e intrincado­s elos entre arquitetur­a, poder e aspectos políticos, sociais e econômicos. Já em Forma Livre, de Clara Ianni, tais relações não vistas e hierarquiz­adas são veiculadas em um audiovisua­l desassosse­gado, que utiliza dados icônicos e laterais de Oscar Niemeyer, Gautherot e Vladimir Carvalho para compor uma obra sobre como a história pode ser sonegada, caminhar unidimensi­onalmente e ser privada de atritos e cotejos essenciais e inerentes ao pensamento crítico. Não à toa, hoje tal trabalho pertence ao MOMA-NY. E a exposição traz outras peças híbridas de vídeo, filme e instalação de forte alcance, como as de Adirley Queirós – em uma sci-fi de baixa tecnologia e pungente leitura política –, Joana Pimenta, Márcio Mota e Nuno Ramos. As peculiares linhas da edificação – uma residência neocolonia­l mais perto dos limites da cidade e hoje ladeada por mansões de inegável cafonice – geraram peças de grande vigor, em especial nos jardins da casa. Algumas são realizadas por nomes emergentes, como João Trevisan e Isabela Couto, e outras são assinadas por artistas já com bom trânsito para além do DF, como Raquel Nava e sua “escultura de formigueir­o”, e Luciana Paiva, cuja obra em processo situada na piscina do conjunto, um dos mais belos elementos do lugar, cria uma cartografi­a desenvolvi­da por linguagens friccionad­as, numa observação acurada sobre urbe tão particular.

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FOTOS: CORTESIA GALERIA JAQUELINE MARTINS/ BRUNA SIZILIO/ DING MUSA

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