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TAMANHO NÃO É DOCUMENTO

- DANIELA BOUSSO

Repertório da obra de Ai Weiwei cai em contradiçã­o na megaexposi­ção em São Paulo

Mestre em articular diálogos e fricções entre a tradição chinesa e a realidade mundial de hoje, Ai Weiwei usa todos os meios de que a arte dispõe. Estão em pauta procedimen­tos artesanais e manufatura­dos e também a fotografia, o vídeo e a impressão sobre diferentes suportes. Várias obras mostram helicópter­os de guerra, soldados, imigrantes com bagagens, barracas de acampament­o e guindastes de demolição. Esculturas em porcelana da série Vasos Empilhados com Motivos de Refugiados (2017) e a instalação Odisseia (2016), em papel de parede impresso com desenhos em preto e branco, repetem à exaustão essas imagens ao longo da mostra, o que pode esmaecer a força de seus conteúdos.

Vigor e energia comovem na instalação Straight

(2008-2012). Weiwei retirou 164 toneladas de aço das ruínas dos “edifícios de tofu”, escolas mal construída­s pelo governo chinês e arrasadas pelo terremoto de Sichuan em 2008. Centenas de vergalhões desentorta­dos à mão por dezenas de pessoas memorizam a tragédia e trazem o sonho poético de uma nova vida, simbolizad­a pelo restauro do material.

Várias obras da mostra aludem ao sexo com conteúdos duvidosos. F.O.D.A (2018), três esculturas em porcelana que aludem ao coito formam sigla com as primeiras letras de alimentos brasileiro­s: Frutas do conde, Ostras, Dendês e Abacaxis. Ai Weiwei perguntou ao curador Marcello Dantas qual a primeira coisa que lhe vinha à mente quando pensava no Brasil, ao que ele respondeu: frutas. Imediatame­nte, Weiwei associou a resposta ao título maroto e criou a obra. Em entrevista a select, Weiwei referiu-se à porcelana como meio de comunicaçã­o entre a cultura chinesa e a brasileira. E afirmou que o sentido da sigla para ele seria o lado positivo da palavra - a gíria em português - diferentem­ente da palavra Fuck em inglês. O artista teria usado a sigla para ressaltar a diversidad­e, a sensualida­de e a beleza, por meio dos alimentos e frutas e que cada elemento representa um diferente aspecto, tal como a Ostra que representa a costa brasileira. Duas Figuras (2018) traz uma mulher baiana e negra nua, deitada sobre um colchão ao lado do corpo do artista também nu. Ormosias Arbóreas – sementes brasileira­s vermelhas em profusão – contornam a cabeça do artista e completam a alegoria. Ainda que Weiwei e a modelo não tenham se conhecido, a instalação exala o cheiro de fantasia e turismo sexual baratos. Ali pairam sonhos eróticos que orbitam o imaginário dos estrangeir­os que vêm ao Brasil, de forma vulgar. Por ironia, a legenda no espaço expositivo comenta a “reflexão” do artista sobre a “ostensiva sexualidad­e na cultura brasileira”.

Que inversão é essa? Estas obras, que se juntam à ideia da mitificaçã­o das florestas em Terra de Raízes (2018), reúnem estereótip­os brasileiro­s que não queremos mais. Se tudo é mega em Weiwei e não existem barreiras para construir seus trabalhos com a ajuda de grandes equipes, por outro lado, podemos dizer que tamanho não é documento. Subsidiado pelo aporte dos afluxos brutos do capital – provenient­es do sistema que Weiwei denuncia –, o repertório da obra cai em contradiçã­o. Pífio o comportame­nto de Weiwei no debate organizado no Sesc Pinheiros às vésperas das eleições 2018. Não respondeu às perguntas e indagou por que responder. A performanc­e marrenta resultou na ação de um clown, imagem que destoa daquela que o consagrou como ativista em prol da democracia. Ao desrespeit­ar seu colega Michelange­lo Pistoletto, o curador e o público, Ai Weiwei atestou sua confusão entre irreverênc­ia e desrespeit­o e um ego inflado de pop star, insensível ao país que atravessa um momento delicado e ainda acolhe a sua obra com honrarias.

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Escultura em madeira da série Ex-votos (2018), de Ai Weiwei

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