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TANIA BRUGUERA

Se você trabalha com Arte Útil, o que pode ser mais gratifican­te do que ver sua ideia incorporad­a na vida cotidiana das pessoas? Ou no programa social de uma cidade?

- TANIA BRUGUERA

Artista propõe criação de obras que possam ser aplicadas na esfera do real e funcional

O IMPULSO NATURAL DE UM ARTISTA É TENTAR ENTENDER AS COISAS QUE O RODEIAM E COMPARTILH­AR COM OS DEMAIS AS QUESTÕES QUE FORMULAR E AS RESPOSTAS QUE

ENCONTRAR. O sentido da Arte Útil é imaginar, criar, desenvolve­r e implementa­r algo que, produzido na prática artística, oferece às pessoas um resultado claramente benéfico. Isso é arte porque é a elaboração de uma proposta que ainda não existe no mundo real e porque é feito com a esperança e a crença de que algo pode ser feito melhor, mesmo quando as condições para que isso aconteça ainda não estejam lá. A arte é o espaço em que você se comporta como se existissem as condições necessária­s para que ocorram as coisas que você quer que ocorram e como se todos estivessem de acordo com o que propomos, mesmo que ainda não seja assim: arte é viver o futuro no presente. Arte é também fazer crer, apesar de sabermos que nós talvez não tenhamos muito mais do que a crença em si. Arte é começar a praticar o futuro. Arte Útil tem a ver com o entendimen­to de que a arte, somente como proposição, já não é suficiente. Arte Útil vai do estado da proposição ao da aplicação na realidade. Tem a ver com entender que propostas vindas da arte devem dar o próximo passo e ser aplicadas, devem deixar a esfera daquilo que é inalcanwçá­agvnerl,scdhawarit­mz dlaesbeêjt­eadnao , tornar parte do que existe, da esfera do real e funcional: para ser uma utopia exequível. Enquanto a Arte Útil pode ser como um programa piloto ou beta, no qual participan­tes podem experienci­ar como é viver no mundo que está sendo proposto, ela deve ser apresentad­a como algo real. Deve ser mostrada/ compartilh­ada com aqueles que podem fazê-la funcionar em um formato de longo prazo, quer dizer, as pessoas que se beneficiam da proposta e que podem levá-la a um estado de existência mais permanente. A arte feita como Arte Útil não tem uma obsolescên­cia programada; ao contrário, é uma proposta que outros podem tomar e continuar sem a subsequent­e intervençã­o do artista. Artistas sugerem seu potencial de vida: alguns projetos são imaginados como curtos e específico­s; em outros existe o desejo de uma repercussã­o mais longa na vida das pessoas, que a sociedade como um todo se aproprie. Arte Útil não tem nada a ver com consumo, mas com fazer algo acontecer.

Arte Útil está transforma­ndo afeto em eficácia. Para a Arte Útil, fracasso não é uma possibilid­ade. Se o projeto falha, ele não é Arte Útil. Artistas têm o desafio de encontrar formas para que suas propostas possam realmente funcionar; isso não é impossível de ser atingido. Então, os meios pelos quais arte

aenm ependem de um ideal caprichoso

do artista, mas dos limites impostos pelo que pode ser deveras atingido e até onde se pode ultrapassa­r a realidade do que está sendo sonhado. Portanto, os limites de um projeto de Arte Útil são determinad­os pelo relacionam­ento com as pessoas para as quais ele é feito e as transforma­ções das condições em que cada trabalho é realizado. O momento perfeito aparece quando o projeto já está em movimento, quando as pessoas para as quais ele foi feito o entendem, quando eles o desapropri­am do artista e o tomam para si. Arte Útil intervém na vida das pessoas e é esperado que se torne parte dela.

Arte Útil não tem relação com a perspectiv­a que falsamente vê o bem em tudo; é mais sobre acreditar na possibilid­ade de cresciment­o das pessoas. Artistas fazendo arte social não são xamãs, mágicos, curandeiro­s, santos ou mamães. Eles estão mais próximos de professore­s, negociador­es, do construtor de comportame­nto e estruturas sociais. Arte Útil funciona diretament­e com/na realidade. Arte Útil tem uma sociedade diferente em mente. Arte Útil é uma forma de praticar arte social. É um material (artístico) socialment­e consistent­e que funciona como um ponto de entrada para o público. Com excessiva frequência ouvimos falar sobre as barreiras que existem entre o trabalho de arte e o público desinforma­do para quem o acesso ao trabalho é impossível. A utilidade da obra para o público é, do meu ponto de vista, a chave para resolver essa barreira de comunicaçã­o e interesse dos públicos não informados/não iniciados na arte contemporâ­nea. É um deslocamen­to do uso de recursos como metáforas, alegorias etc. como entrada para entender a ideia do trabalho ao usar a utilidade como um sistema de interpreta­ção da obra.

Se você trabalha com Arte Útil, o que pode ser mais gratifican­te do que ver sua ideia incorporad­a na vida cotidiana das pessoas? Ou no programa social de uma cidade? Ou em nuances do vocabulári­o desses indivíduos? Eu acredito que esse é o espaço natural para trabalhos de Arte Útil que alcançam um nível mais alto de popularida­de e efetividad­e. Assim como imagens baseadas em artes visuais muitas vezes vivem como parte de cortinas de chuveiro, xícaras de chá ou camisetas, para arte compromiss­ada socialment­e sua distribuiç­ão popular deveria ser a própria sociedade, as instituiçõ­es civis, o comportame­nto cívico, a vida diária das pessoas. Arte Útil deve ser parte do cotidiano; deve ser um exercício diário de criativida­de cotidiana.

Tradução de Luana Fortes do texto original publicado no livro Arte Actual: Lecturas Para Un Espectador Inquieto, de novembro de 2012.

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New World Summit, do artista Jonas Staal, consta no arquivo do site da Arte Útil e já teve oito edições. Iniciado em 2012, na 7a Bienal de Berlim, a obra consiste na organizaçã­o de um parlamento extraofici­al para discussões entre aqueles que foram excluídos do jogo democrátic­o
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