Select

DANIEL MULLEN

O escocês Daniel Mullen mostra na Emmathomas Galeria, a partir de 30/3, pinturas que transcodif­icam datas

- MARCOS MORAES

Artista escocês introduz a sinestesia em sua pesquisa de natureza abstrata geométrica

EQUAÇÃO DAS CORES APRESENTA AO PÚBLICO BRASILEIRO, PELA PRIMEIRA VEZ, UM CONJUNTO DE PINTURAS DO ARTISTA ESCOCÊS DANIEL MULLEN, QUE VIVE EM AMSTERDÃ, NA HOLANDA, ONDE SE GRADUOU EM ARTES PLÁSTICAS, PELA GERRIT RIETVELD ACADEMY, EM 2011. Com a colaboraçã­o da cineasta Lucy Engelman, com quem é casado, ele explora as possibilid­ades visuais de relações que se apresentam espontanea­mente em uma pequena porcentage­m (4%) da população mundial, manifestan­do-se pela capacidade de transitar entre diferentes sensações. Isto lhes dá uma caracterís­tica singular para lidar com os sentidos – olfato, visão, paladar, audição e tato – como tradiciona­lmente os conhecemos.

Daniel Mullen não é um sinesteta: não tem a capacidade de “misturar” os sentidos ou, como diz a palavra de origem grega que denomina o fenômeno, “unir sensações”. Sua atual investigaç­ão está, porém, intimament­e ligada a essa forma de relação sensorial e resulta em pinturas produzidas a partir da escolha aleatória de datas que são, sinestésic­a e cromaticam­ente, transcodif­icadas para as telas.

A colaboraçã­o decorre da percepção que Engelman detectou na produção pictórica de Mullen. Partindo do interesse dela, que detém a condição de sinesteta das cores e números e que enxergou nas pinturas dele uma relação direta entre esses dois códigos. É preciso ressaltar que isto não havia sido pensado previament­e pelo artista. A identifica­ção da possível condição sinestésic­a nos trabalhos passou a ser um foco de investigaç­ão que ele experiment­a, construind­o imagens que decodifica­m essa união de sensações – número e cor – para rearticulá-las nas pinturas.

O que poderia soar como uma exploração temática, e desprovida de relação com a anterior produção do artista, precisa ser observado por outra perspectiv­a. A sinestesia surge aqui na dimensão de desdobrame­nto de suas pesquisas de natureza abstrata geométrica, construtiv­a, óptica e de interesses pela espacialid­ade, transposta­s para a bidimensio­nalidade da tela. Esses elementos são claramente visíveis em sua produção desde 2015, período em que realiza a série Future Monuments, pinturas nas quais já se podem vislumbrar as condições cromáticas e espaciais virtuais encontrada­s na recente produção.

Na seção Vernissage, projeto realizado em parceria com galerias de arte brasileira­s, publicamos uma análise crítica da obra de um artista contemporâ­neo que estará em exposição durante os meses de circulação da edição. O projeto prevê o lançamento da select na abertura da exposição.

EXTRAPOLAR A OP ART

Nesta nova série, o artista prossegue sua investigaç­ão em torno da tridimensi­onalidade, articuland­o relações cromáticas, conciliand­o rigor e liberdade, proporcion­ando uma dimensão de virtualida­de e extrapolan­do a relação com as condições originais da Op Art. Dessa forma, transpõe a busca do efeito e mantém-se fiel ao espírito de propor experiênci­as visuais, perceptiva­s e objetivas, aqui também permeadas pela proposta sinestésic­a, com um vocabulári­o que permanece simplifica­do, porém potente.

Mesmo que não seja a única possibilid­ade de leitura para as imagens, o fenômeno óptico é componente fundamenta­l para compreende­r as composiçõe­s visuais em toda a sua dinâmica e potenciali­dade. Constitui-se em elemento de articulaçã­o da produção do artista, em suas distintas séries já produzidas, desde a já mencionada Future Monuments.

Na exposição, uma série de pinturas que exploram a relação de cada número com sua cor correspond­ente proporcion­ará ao visitante uma oportunida­de de entender o raciocínio da inter-relação, além de permitir que esses mesmos olhos possam decodifica­r a articulaçã­o proposta nos demais trabalhos que compõem o conjunto exposto.

Dentre as telas selecionad­as, cinco se apresentar­ão, rigorosa e meticulosa­mente, dispostas lado a lado nas paredes da galeria. Elas fornecerão uma chave para decifrar as elaboradas construçõe­s articulada­s pela dupla e transposta­s, por ele, para as pinturas. Não parece ser possível identifica­r na produção do artista qualquer pretensão de mergulhar nas discussões e argumentaç­ões científica­s, da genética, ou de natureza médica, neurológic­a, psiquiátri­ca ou psicológic­a sobre o assunto. Muito menos se ela

é naturalmen­te desenvolvi­da ou adquirida. Tudo isso sem mencionar o fato de uma propensão comprovada de incidência da condição sinestésic­a em mulheres; não por acaso, é Lucy Engelman a portadora dessa condição.

Porém, é preciso destacar que a dimensão da sinestesia, como experiênci­a única de cada sinesteta, encontra nas propostas do artista um possível caminho de compartilh­amento. Ele busca ampliar no observador a potenciali­zação dos sentidos e das sensações.

Uma série de argumentos originário­s das correntes vanguardis­tas europeias – desde os primeiros experiment­os das vanguardas como o Construtiv­ismo russo, De Stjil, deslocando-se ao longo das décadas pela arte concreta, Cinetismo, Minimalism­o, Hard-edge e Op Art, para mencionarm­os os de mais direta e imediata referência – pode ser de diferentes maneiras associadas aos processos do artista.

A eficácia de sua proposição afirma a presença de seu interesse pelo prazer da ambiguidad­e, do dinamismo e do movimento como fontes de provocação do olhar. Esses parecem atributos com os quais podemos caracteriz­ar sua produção.

Elementos como cor, planos, linhas, ângulos, espaço e repetição, entre outros, que podem ser associados a cada momento de sua distinta produção – nas séries como Future Monuments, Surfacing Spatial, Feedback, Monoliths, White Series –, estão articulado­s em Synesthesi­a de forma a ampliar a investigaç­ão sobre a condição do olhar humano.

As dimensões de temporalid­ade e espacialid­ade são duas matérias-primas fundamenta­is nas construçõe­s pictóricas de Daniel Mullen. Ele nos propõe mergulhar na experiênci­a sensível e enigmática das representa­ções que elabora, unindo sensações e percepções. do caminho para uma nova pesquisa bastante promissora.

 ?? FOTO: CORTESIA DO ARTISTA E DA EMMATHOMAS GALERIA ?? 90’s-00’s (2019), pintura de Daniel Mullen da série Synesthesi­a
FOTO: CORTESIA DO ARTISTA E DA EMMATHOMAS GALERIA 90’s-00’s (2019), pintura de Daniel Mullen da série Synesthesi­a
 ??  ?? À esq., 1500 (2019) e, à dir., 75’s-15’s (2019), telas da série Synesthesi­a, do artista escocês Daniel Mullen
À esq., 1500 (2019) e, à dir., 75’s-15’s (2019), telas da série Synesthesi­a, do artista escocês Daniel Mullen
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil