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AMARÉCOMPL­EXO AMARÉSIMPL­ES

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Mas o miolo do livro desenvolve uma aventura cinemática – uma espécie de cine-panfleto – entre duas pessoas que se buscam em meio à multidão. Sobre fotografia­s de manifestaç­ões de rua que acontecera­m, em 2013, em todo o Brasil, o artista aplica textos cifrados de uma conversa supostamen­te digitada em aplicativo de telefone celular. Em uma operação de desconstru­ção da lógica de códice do livro, os textos “postados” pelos dois interlocut­ores avançam um em direção ao outro e se encontram na dupla central da publicação na palavra Não, título do livro.

Qualquer relação entre esses textos codificado­s com a linguagem pisca-pisca dos vagalumes não é coincidênc­ia. À enzima luciferase, ativada no impulso afetivo dos insetos para se comunicar e se agrupar, equipara-se a força do levante das multidões, em busca de tornar visíveis seus desejos. Correspond­em-se entre si, portanto, os corpos sublevados nas manifestaç­ões populares e as constelaçõ­es de astros fugazes, fotografad­os por Renata Siqueira Bueno em Lucioles (2008), na luz noturna da Serra da Canastra, em Minas Gerais.

Se os lucioles (vagalumes, em francês) gravitam em algum lugar entre o levantar e o abandonar-se, entre o peso e a graça, os corpos da multidão, também fotografad­os por Renata Bueno na série Ascensão (2014), são captados na experiênci­a arrebatado­ra e quase impossível de cair em direção ao alto.

EROS POLÍTICO

É preciso cerca de 5 mil vagalumes para produzir a luz da chama de uma vela. Mas não há uma escala única para os levantes: eles vão do mais minúsculo gesto de recuo ao mais gigantesco gesto de protesto, previne Didi-huberman. Dessa matemática nascem as experiênci­as coletivas que caem em direção ao alto, que irrompem da melancolia ao levante. Quando o resultado das Eleições 2018 no Brasil se tornou público, uma imagem alastrou-se pelas redes sociais: ninguém solta a mão de ninguém. Alguns dias depois, o Solar dos Abacaxis abriu, no Rio de Janeiro, a exposição Manjar: Amar em Liberdade, com trabalhos de 11 artistas inspirados pelo convite a reagir à realidade do novo cenário político. “Essa mostra vai ser o anúncio de como vamos viver-lutar nos próximos anos para expandir a revolução micropolít­ica”, escreveu o curador Bernardo Mosquera. O artista Marcos Chaves participou com a elaboração de um emblema poético da frase que dá título à exposição. O trabalho Amaremlibe­rdade (2017) resgata a pesquisa com as frases-poemas Amarécompl­exo/ Amarésimpl­es, elaborada para a exposição Travessias (Galpão Bela Maré, Complexo da Maré, RJ, 2011). Ao ganhar o espaço público na forma de hashtags, adesivos, camisetas ou títulos de exposição, as frases-poemas alcançam altas ressonânci­as. O emblema poético de Marcos Chaves, a fotografia de Renata Bueno, o livro-performanc­e de Fabio Morais, a ação de Maria Montero e a mobilizaçã­o do Solar dos Abacaxis são imagens-vagalumes. Corpos luminosos passageiro­s na noite que integram uma comunidade de lampejos emitidos e de pensamento­s a transmitir. “Dizer sim na noite atravessad­a por lampejos e não se contentar em descrever o não da luz que nos ofusca”, resume Didi-huberman.

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