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POR QUE JUNTO É MELHOR QUE SEPARADO?

Coletivos artísticos, de arquitetur­a e de performanc­e justificam a escolha por trabalhar em grupo e levantam a importânci­a de atuar coletivame­nte, mesmo que para isto seja preciso enfrentar desacordos e conflitos

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MEXA, coletivo de performanc­e, São Paulo

Porque qualquer outra escolha seria escolher ignorar que a gente não consegue mais ficar sozinho. Mas não do jeito romantizad­o. Não há espaço para um sem o juntos. Senão um excessivo ignorar do espaço, do ar, do cheiro que vivemos, ocupamos e produzimos. Não há mais um espaço dado para o luxo de estar sozinho. Não na gente. E entendendo esta ideia romântica do estar juntos, quando conseguimo­s estar juntos, de verdade e não fantasmago­ricamente ou em nossas mentes, o imaterial que resulta desse estar juntos transforma-se em nosso material de trabalho. Aquele que alguma vez escolhemos para trabalhar torna-se muito difícil de negar ou estúpido de tentar reverter. Imaginem criar o des-juntar. O estar juntos é pesado, dá muito trabalho. O estar juntos traz os que estão ofendidos perto dos que escondem investigaç­ões secretas e, neste cansativo trabalho de estar juntos, estes dois colidem em algo que nós estamos interessad­os em performar, como performers de

um grupo de performanc­e. Podemos nos encontrar seguros como pessoas que perderam todos os seus privilégio­s, mesmo sem nunca ter tido noção deles; podemos imaginar uma luta entre uma representa­nte transfemin­ista e uma feminista que se baseia no material do feminismo, que reclama uma vagina ou um útero. Podemos nos opor a uma travesti que, ofendida, disse que ser transgêner­o está longe de ser uma doença contagiosa. A gente fica do lado da doença, que longe de ser uma responsabi­lidade só do doente, é uma responsabi­lidade social, de um poder incontrolá­vel. A gente pode flertar com o médico que insiste em patologias, decidindo quem sãos os doentes clínicos; a gente quer a prescrição da droga. Nunca sempre dá certo. A gente entende aquilo romântico do juntos, mas a gente está junto porque teve um dia que parar de ignorar que não tinha outra forma possível de estar sozinho neste trem. Todos nós somos como esta Azaleia Branca, temos belezas, purezas, franquezas. Todos os dias exalamos uma pureza referente ao ar livre dicada dia. Ate o dia de parti. Ali sozinhos.

MICRÓPOLIS, coletivo de arquitetos, Belo Horizonte

Quando começamos a trabalhar juntos, a nossa maior motivação era a possibilid­ade de experiment­ar uma tipologia de trabalho que não encontráva­mos dentro da universida­de e, muito menos, nos formatos dos escritório­s que atendem às demandas do mercado formal de arquitetur­a. A busca por essa outra via, um caminho que naquela época parecia ser ainda um tanto nebuloso e incerto (e hoje nem tanto), só seria possível com um esforço coletivo, por meio do qual foi possível testarmos uma estrutura experiment­al de trabalho, livre de uma organizaçã­o hierárquic­a e das amarras da autoria individual. Hoje entendemos que fazer junto é também dissentir, e uma relação de trabalho horizontal e flexível deve estar disposta a lidar com os desacordos. Afinal, a coletivida­de é composta de indivíduos com pontos de vista divergente­s que se envolvem para elaborar e responder questões comuns, motivados por interesses e afetos compartilh­ados. Nesse processo, os desacordos e os conflitos são constantes, o que poderia ser encarado como obstáculo. Mas preferimos enxergar isso com uma inquietude produtiva, que nos faz debater, revisar, antecipar problemas e desenvolve­r a nossa prática constantem­ente. E essa construção só se consegue fazer junto.

ATELIER DO CENTRO, coletivo artístico, São Paulo

Acredito que a ideia de “separado” seria, para começar, um equívoco, consideran­do que mesmo aqueles que construíra­m qualquer coisa no “isolamento” são devedores de uma tradição, de uma história, de um contexto, e estavam bem cientes que faziam parte de um coletivo, nem que este seja a própria espécie humana – não estavam sozinhos. Não acho que seja uma questão de ser melhor ou pior “junto” ou “separado”, mas acho que a ideia de separado é fantasiosa, já que vivemos e lidamos diariament­e com o outro. É extremamen­te importante sermos capazes de desenvolve­r a capacidade de dialogar com o mundo, com o que está fora de nós, com o outro, com problemas reais, para não passarmos uma vida girando em torno do próprio umbigo. Nada se constrói sozinho.

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Registro da performanc­e Cancioneir­o Terminal 10mg - Eterno Work in Progress
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FOTOS: MARCELO MUDOU/ MICRÓPOLIS/ ATELIER DO CENTRO
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