CONTRADIÇÕES DO MODERNO
Para além de uma visão panorâmica neutra, mostra de Tarsila do Amaral no Masp apresenta olhar crítico sobre conflitos da modernização no Brasil
Mostra de Tarsila do Amaral no Masp reúne mais de 90 obras, entre desenhos e pinturas, divididas em seis temas. Tarsila Popular aborda a cultura brasileira, suas relações com a arte moderna, suas tensões raciais e de classe, sua religiosidade, assim como mitos e mitologias populares que informam a produção da artista. Um catálogo com textos de autores como Irene Small e Renata Bittencourt amplia e atualiza a discussão sobre a obra de Tarsila e replica algumas das aproximações curatoriais na diagramação das imagens. Longe de uma visão apenas celebratória do modernismo no Brasil, a mostra expõe traumas históricos que a obra de Tarsila sintomaticamente formaliza. Um momento-chave da exposição é o paralelo estabelecido entre as obras Autorretrato (Manteau Rouge) (1923) e A Negra (1923). Ambas foram produzidas no mesmo ano e compartilham características formais, como o enquadramento, a posição das mãos, o formato ovalado da cabeça ou as cores
Tarsila Popular Curadoria Fernando Oliva e Adriano Pedrosa Masp, de 5/4 a 28/7 Av. Paulista, 1.578 www.masp.org.br
saturadas. As diferenças entre essas obras, no entanto, apontam conflitos de classe e violências históricas centrais para a análise do trabalho de Tarsila e do contexto de onde essa obra surge: enquanto no Autorretrato Tarsila aparece vestida em um luxuoso casaco vermelho, com os cabelos penteados para trás, bem ao estilo da época, A Negra apresenta uma mulher nua, com o corpo deformado – por suas diversas violências e coerções –, sem cabelo e descalça, ainda que a robustez do seu corpo sugira um bloco sólido e fechado em si.
Tarsila Popular é parte de uma série de exposições em que o Masp relaciona artistas consagrados e populares em uma revisão da historiografia oficial. Ainda que a insistência no assunto por vezes soe como uma estratégia populista, abrir espaço para essa discussão em esfera pública é uma proposta de autocrítica da instituição e de seus critérios de validação. Para além de uma visão panorâmica neutra, o museu apresenta uma visão crítica e complexa, que possibilita uma reflexão com nuances tanto das conexões internas da obra de Tarsila, suas relações com outras obras, quanto seus reflexos das estruturas sociais de onde surgiram – e que ainda persistem na sociedade brasileira.