IMPRENSA LIVRE E HACKEADA
Litoral paulista recebe recorte da curadoria de Ana Maria Maia sobre intervenções na mídia de massa brasileira
O vídeo A Situação (1978) é uma das primeiras obras da videoarte brasileira e um tapa na cara do público, ao representar o estado de completa devastação social, política, econômica e cultural do País hoje, 40 anos depois. Nele, o artista Geraldo Anhaia Mello encena um âncora de telejornal que lê ciclicamente a mesma frase ao longo de oito minutos, tempo de beber uma garrafa de cachaça: “A situação social, político, econômica e cultural brasileira…”. O ponto final é a desconstrução completa da pose e da realidade. A obra é um dos trabalhos citados na pesquisa de Ana Maria Maia sobre intervenções artísticas em meios de comunicação desde os anos 1950 até os anos 2000. O projeto ganhou forma de exposição em 2018, no Sesc Pompeia, em São Paulo, e agora chega ao Sesc Santos, com recorte de 40 obras.
O tempo prolongado de pesquisa incide diretamente no resultado da exposição, que se afirma como um dos mais potentes e completos exercícios de reflexão sobre as relações entre a arte e os veículos de comunicação. Vai de Glauber Rocha a Leonilson, passando por Eduardo Coutinho, Lenora de Barros, Eder Oliveira e o coletivo a Revolução Não Será Televisionada. Os trabalhos estão divididos entre diferentes estratégias adotadas por artistas para se relacionar com a mídia de massa brasileira: perder-se, sair às ruas, duelar, hackear, conviver, fic
Arte-veículo Sesc Santos, Rua Conselheiro Ribas, 136 www. youtube.com/ arteveiculo
cionalizar e experimentar a linguagem. Embora haja casos em que as relações entre a arte e a mídia sejam amigáveis – em trocas de papéis, nas experimentações e negociações –, as ações hackers são preponderantes na exposição, com coletivos de mídia tática que surgiram nos anos 2000. “Ocupar um espaço à revelia do que está programado para ele é hackear”, define Ana Maria Maia. Assim, Flávio de Carvalho seria um hacker original, ao se infiltrar no programa de entrevistas de Tônia Carreiro, na televisão, para disseminar seu programa moderno. Antonio Manuel e Cildo Meireles também seriam hackers antes dos hackers. Manuel com a ação Clandestinas (1975), em que modifica as chamadas de capa de um reparte do jornal O Dia, disseminando frases non sense para o grande público, e Cildo com seu seminal Inserção em Circuitos Ideológicos, em que coloca para circularem frases de ativismo político em produtos de consumo de massa. Essencial em tempos de cólera contra a arte.