BATE-BOLAS
Eles não são blocos nem escolas de samba. Nos carnavais do subúrbio eles jogam e partilham identidades e referenciais simbólicos comuns
Jovens fotógrafos documentam as identidades partilhadas de carnavalescos dos subúrbios do Rio
DESDE A SEXTA-FEIRA QUE ANTECEDE O CARNAVAL JÁ SE PODEM OUVIR OS FOGOS QUE ANUNCIAM AS PRIMEIRAS SAÍDAS DE TURMAS DE BATE-BOLAS.
Os bate-bolas cariocas não estão extintos nem parecem estar em vias de se extinguir. Eles prosseguem firmes e fortes, potentes e numerosos em bairros do subúrbio do Rio de Janeiro e em algumas localidades do estado, durante o período carnavalesco. No entanto, manifestam-se longe dos olhos do grande público. Os bate-bolas atuais parecem resguardar poucas das características dos Clóvis de antigamente, de perfil essencialmente folclórico e, em alguma medida, interioranos e ingênuos. E se, à aparente semelhança do que ocorre hoje, os Clóvis do passado também possuíam caráter gregário, tratava-se de um agrupar-se mais espontâneo, improvisado e menos coeso do que ocorre agora.
Na contemporaneidade, os bate-bolas pertencem a grupos organizados e hierarquizados. Além de prepararem e vivenciarem a experiência carnavalesca de modo muito específico, as turmas contemporâneas oferecem espetáculos multissensoriais às suas respectivas comunidades, com temáticas constantemente renovadas.
As turmas de bate-bolas são configuradas de modos diversos e se caracterizam conforme inúmeros aspectos. Elas podem, por exemplo, ser mistas ou formadas apenas por homens, somente por mulheres ou, ainda, integradas inteiramente por crianças. Quanto ao tamanho, reúnem de dois a centenas de membros. Com relação ao estilo das performances e fantasias, há uma gama considerável de variações em franca definição, a depender da composição dos elementos materiais e simbólicos adotados pelos grupos e que se referem ao modo como compreendem sua própria existência. Em todos os casos, colocam-se no cenário carnavalesco como entes coletivos.
PARTILHA DE IDENTIDADES
Os componentes de uma turma de bate-bolas partilham de identidades que se apoiam na escolha de referenciais simbólicos comuns, como, por exemplo, o nome do grupo, emblemas, hinos, lemas, bandeiras, fantasias muito semelhantes – senão idênticas e podem participar ativamente, em maior ou menor medida, da elaboração carnavalesca da sua turma. Os processos de criação e de produção do Carnaval das turmas de bate-bolas são complexos, exaustivos e dispendiosos. Portanto, requerem antecedência, planejamento e cooperação. A liderança de uma turma costuma ficar sob a responsabilidade do membro fundador ou do mentor criativo do grupo, normalmente apelidado de “cabeça de turma”. Mas também pode ser exercida por uma comissão de integrantes com funções criativas e gerenciais. Após identificarem os pontos positivos e negativos do trabalho anterior, que orientarão para a superação de falhas e para a pesquisa de inovações, os cabeças de turma ou suas comissões criativas e gerenciais iniciam os trabalhos de preparação do Carnaval seguinte, organizando-se em torno de dois grandes objetivos: a produção das fantasias e a preparação da saída da turma que, na atualidade, parece constituir o ponto máximo da manifestação dos bate-bolas. Inicialmente, as turmas de bate-bolas adotam um tema. Os temas equivalem aos enredos escolhido pelas escolas de samba e, da mesma forma como ocorre a estas agremiações, são renovados ano a ano. Em outras palavras, os temas correspondem aos assuntos que fornecerão os referenciais narrativos, visuais e simbólicos para o processo criativo. Neste ponto específico é possível notar claramente a abertura da brincadeira dos bate-bolas aos repertórios simbólicos dos brincantes – fruto de suas relações sociais e culturais mais amplas e reveladores das suas percepções de mundo.
Ao longo do ano, os bate-bolas se dedicam à criação e à produção das fantasias. Nas semanas que antecedem o Carnaval, o ritmo de trabalho nos chamados “barracões” das turmas de bate-bolas é bastante intenso. Além de finalizar as roupas, os bate-bolas programam os efeitos luminosos, sonoros e pirotécnicos que comporão as saídas do seu grupo.
Os Clóvis do passado também possuíam caráter gregário, mas tratava-se de um agrupar-se mais espontâneo, improvisado e menos coeso do que ocorre agora
FUNK E FOGOS
O momento exato da saída de uma turma de bate-bolas geralmente é precedido por uma intensa queima de fogos. Avisado pelas luzes e sons, o público começa a se aglomerar próximo ao local em cujo interior os bate-bolas se vestem, perfumam-se com essências especiais, cantam, dançam, entoam gritos de entusiasmo e se unem para rezar e pedir proteção para brincar o Carnaval de modo seguro, segundo as mais diferenciadas crenças.
Na sequência dos fogos, o funk da turma toca, retumbante. Há mais de uma década o ritmo dos bailes começou a ser incorporado às saídas dos bate-bolas. Em princípio, rivalizava com o samba e com as marchinhas de Carnaval, mas veio se tornando a base sonora exclusiva sobre a qual os compositores das turmas colocam as letras compostas para o seu grupo. A incorporação de novos elementos culturais à manifestação contemporânea das turmas de bate-bolas a
caracteriza como uma prática cultural viva e aberta às negociações simbólicas. Trata-se de uma brincadeira que pode ser constantemente atualizada, conforme a iniciativa e a adesão dos próprios brincantes.
Após os fogos e o início do funk, o grupo dos bate-bolas ganha o espaço público e realiza suas performances. Pulando, dançando e correndo, vigorosos e provocativos, os fantasiados posam para fotografias, filmagens e interagem com a multidão. Após a saída, no decorrer do período carnavalesco, os bate-bolas de uma mesma turma circulam todos juntos. Ser um bate-bolas atualmente representa mais do que uma simples diversão carnavalesca. Trata-se de pertencer a um grupo e de obter o poder de participar ativamente da definição dos aspectos significativos para esse grupo. Presenciando a saída de uma turma de bate-bolas e conhecendo os bastidores da elaboração da sua brincadeira, constata-se que eles encontram na coletividade os recursos para se estabelecerem no cenário carnavalesco carioca da atualidade.