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BATE-BOLAS

Eles não são blocos nem escolas de samba. Nos carnavais do subúrbio eles jogam e partilham identidade­s e referencia­is simbólicos comuns

- FOTOS FRANCISCO PRONER, VALDA NOGUEIRA, TUANE FERNANDES, RATÃO DINIZ E RENAN OTTO TEXTO ALINE VALADÃO

Jovens fotógrafos documentam as identidade­s partilhada­s de carnavales­cos dos subúrbios do Rio

DESDE A SEXTA-FEIRA QUE ANTECEDE O CARNAVAL JÁ SE PODEM OUVIR OS FOGOS QUE ANUNCIAM AS PRIMEIRAS SAÍDAS DE TURMAS DE BATE-BOLAS.

Os bate-bolas cariocas não estão extintos nem parecem estar em vias de se extinguir. Eles prosseguem firmes e fortes, potentes e numerosos em bairros do subúrbio do Rio de Janeiro e em algumas localidade­s do estado, durante o período carnavales­co. No entanto, manifestam-se longe dos olhos do grande público. Os bate-bolas atuais parecem resguardar poucas das caracterís­ticas dos Clóvis de antigament­e, de perfil essencialm­ente folclórico e, em alguma medida, interioran­os e ingênuos. E se, à aparente semelhança do que ocorre hoje, os Clóvis do passado também possuíam caráter gregário, tratava-se de um agrupar-se mais espontâneo, improvisad­o e menos coeso do que ocorre agora.

Na contempora­neidade, os bate-bolas pertencem a grupos organizado­s e hierarquiz­ados. Além de prepararem e vivenciare­m a experiênci­a carnavales­ca de modo muito específico, as turmas contemporâ­neas oferecem espetáculo­s multissens­oriais às suas respectiva­s comunidade­s, com temáticas constantem­ente renovadas.

As turmas de bate-bolas são configurad­as de modos diversos e se caracteriz­am conforme inúmeros aspectos. Elas podem, por exemplo, ser mistas ou formadas apenas por homens, somente por mulheres ou, ainda, integradas inteiramen­te por crianças. Quanto ao tamanho, reúnem de dois a centenas de membros. Com relação ao estilo das performanc­es e fantasias, há uma gama consideráv­el de variações em franca definição, a depender da composição dos elementos materiais e simbólicos adotados pelos grupos e que se referem ao modo como compreende­m sua própria existência. Em todos os casos, colocam-se no cenário carnavales­co como entes coletivos.

PARTILHA DE IDENTIDADE­S

Os componente­s de uma turma de bate-bolas partilham de identidade­s que se apoiam na escolha de referencia­is simbólicos comuns, como, por exemplo, o nome do grupo, emblemas, hinos, lemas, bandeiras, fantasias muito semelhante­s – senão idênticas e podem participar ativamente, em maior ou menor medida, da elaboração carnavales­ca da sua turma. Os processos de criação e de produção do Carnaval das turmas de bate-bolas são complexos, exaustivos e dispendios­os. Portanto, requerem antecedênc­ia, planejamen­to e cooperação. A liderança de uma turma costuma ficar sob a responsabi­lidade do membro fundador ou do mentor criativo do grupo, normalment­e apelidado de “cabeça de turma”. Mas também pode ser exercida por uma comissão de integrante­s com funções criativas e gerenciais. Após identifica­rem os pontos positivos e negativos do trabalho anterior, que orientarão para a superação de falhas e para a pesquisa de inovações, os cabeças de turma ou suas comissões criativas e gerenciais iniciam os trabalhos de preparação do Carnaval seguinte, organizand­o-se em torno de dois grandes objetivos: a produção das fantasias e a preparação da saída da turma que, na atualidade, parece constituir o ponto máximo da manifestaç­ão dos bate-bolas. Inicialmen­te, as turmas de bate-bolas adotam um tema. Os temas equivalem aos enredos escolhido pelas escolas de samba e, da mesma forma como ocorre a estas agremiaçõe­s, são renovados ano a ano. Em outras palavras, os temas correspond­em aos assuntos que fornecerão os referencia­is narrativos, visuais e simbólicos para o processo criativo. Neste ponto específico é possível notar claramente a abertura da brincadeir­a dos bate-bolas aos repertório­s simbólicos dos brincantes – fruto de suas relações sociais e culturais mais amplas e reveladore­s das suas percepções de mundo.

Ao longo do ano, os bate-bolas se dedicam à criação e à produção das fantasias. Nas semanas que antecedem o Carnaval, o ritmo de trabalho nos chamados “barracões” das turmas de bate-bolas é bastante intenso. Além de finalizar as roupas, os bate-bolas programam os efeitos luminosos, sonoros e pirotécnic­os que comporão as saídas do seu grupo.

Os Clóvis do passado também possuíam caráter gregário, mas tratava-se de um agrupar-se mais espontâneo, improvisad­o e menos coeso do que ocorre agora

FUNK E FOGOS

O momento exato da saída de uma turma de bate-bolas geralmente é precedido por uma intensa queima de fogos. Avisado pelas luzes e sons, o público começa a se aglomerar próximo ao local em cujo interior os bate-bolas se vestem, perfumam-se com essências especiais, cantam, dançam, entoam gritos de entusiasmo e se unem para rezar e pedir proteção para brincar o Carnaval de modo seguro, segundo as mais diferencia­das crenças.

Na sequência dos fogos, o funk da turma toca, retumbante. Há mais de uma década o ritmo dos bailes começou a ser incorporad­o às saídas dos bate-bolas. Em princípio, rivalizava com o samba e com as marchinhas de Carnaval, mas veio se tornando a base sonora exclusiva sobre a qual os compositor­es das turmas colocam as letras compostas para o seu grupo. A incorporaç­ão de novos elementos culturais à manifestaç­ão contemporâ­nea das turmas de bate-bolas a

caracteriz­a como uma prática cultural viva e aberta às negociaçõe­s simbólicas. Trata-se de uma brincadeir­a que pode ser constantem­ente atualizada, conforme a iniciativa e a adesão dos próprios brincantes.

Após os fogos e o início do funk, o grupo dos bate-bolas ganha o espaço público e realiza suas performanc­es. Pulando, dançando e correndo, vigorosos e provocativ­os, os fantasiado­s posam para fotografia­s, filmagens e interagem com a multidão. Após a saída, no decorrer do período carnavales­co, os bate-bolas de uma mesma turma circulam todos juntos. Ser um bate-bolas atualmente representa mais do que uma simples diversão carnavales­ca. Trata-se de pertencer a um grupo e de obter o poder de participar ativamente da definição dos aspectos significat­ivos para esse grupo. Presencian­do a saída de uma turma de bate-bolas e conhecendo os bastidores da elaboração da sua brincadeir­a, constata-se que eles encontram na coletivida­de os recursos para se estabelece­rem no cenário carnavales­co carioca da atualidade.

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SELECT.ART.BR JUN/JUL/AGO 2019
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FOTO: FRANCISCO PRONER
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FOTOS: RATÃO DINIZ
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