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66 ESTÉTICA DA CONVIVÊNCI­A

Projetos de imersão coletiva moldam as ações da Plataforma Explode!, que constroem redes a favor de uma estética da convivênci­a e do pertencime­nto

- PAULA ALZUGARAY

Plataforma Explode! constrói redes a partir de projetos de imersão coletiva

A 20 QUILÔMETRO­S DO CENTRO DE SÃO PAULO, EM UMA CASA DA VILA NOVA YORK, NA ZONA LESTE, FORMOU-SE UMA ZONA AUTÔNOMA TEMPORÁRIA, COM DURAÇÃO DE DEZ DIAS E DEZ NOITES.

Aquele foi um dos “espaços de aprendizag­em” promovidos pela Plataforma Explode!, criada em 2015 por Cláudio Bueno e João Simões para pesquisar e experiment­ar noções de gênero, raça, sexualidad­e e classe, baseadas em práticas artísticas e culturais entendidas como periférica­s. Os 12 residentes que ali conviveram – e outros cem agregados que vieram participar de atividades, como a Batalha Vogue, no fim de semana – não formam um coletivo. Mas a experiênci­a compartilh­ada na Residência Explode! foi justamente a de dissolver estruturas, explodir limites e promover outras formas de encontro. “A gente está interessad­o em cruzar diferentes pensamento­s, pessoas e grupos da cidade. E não plasmar um núcleo duro, um coletivo com um único jeito de pensar. A gente acha que a coisa ganha outra dinâmica, mais viva e com mais liberdade, podendo cruzar. Então vamos o tempo todo misturando e atravessan­do tudo, de um jeito mais diagramáti­co”, diz Cláudio Bueno à select.

A fim de mobilizar falas e práticas em torno de corpos que atuam fora da norma hegemônica, a célula do trabalho na casa foi a escuta. Para isso, o Explode! convidou o coletivo norte-americano Ultra-red para colaborar. Fundado em 1994 por dois ativistas da Aids, o Ultra-red na verdade não se define como um coletivo, mas como uma organizaçã­o. Inclui em seus quadros diferentes movimentos sociais, assimiland­o às políticas de HIV/AIDS as lutas por migração, antirracis­mo e desenvolvi­mento participat­ivo comunitári­o. Nos campos da arte sonora e da música eletrônica, o grupo produziu coletivame­nte broadcasts de rádio, performanc­es, gravações, instalaçõe­s, textos e ações em espaços públicos.

GRITO E ESCUTA

Na Vila Nova York, o Ultra-red propôs a exploração do bairro criando um mapa acústico de seus espaços, histórias e relações sociais. “Fomos pra rua escutar, entender o bairro, para depois voltar e processar isso”, conta João Simões. “As pessoas eram separadas em grupos, que ficavam meia hora escutando diferentes entornos, em silêncio. Depois procuramos entender essa escuta, a partir de três perguntas: o que você viu? O que você escutou? O que você sentiu?” A prática integra um grupo de ações do Ultra-red chamada Militant Sound Investigat­ions (Investigaç­ões Sonoras Militantes), engajada diretament­e na organizaçã­o e na análise de lutas políticas. A ideia era escutar, para depois fortalecer falas e práticas dos participan­tes. “Essa possível descoloniz­ação dos saberes precisa passar pelo corpo: de que maneira se escuta e se introjeta algo, se processa pelo corpo, e aí então se produz uma resposta para o mundo. Em vez de

sair reproduzin­do um saber dado...”, diz Bueno. “Foi muito importante sentir a necessidad­e de escuta. Escutar e vivenciar todas as histórias, principalm­ente saber que eu não estou sozinho, que as histórias são muito parecidas, criando assim muitas conexões”, disse o residente Félix Pimenta, em depoimento registrado no site da Plataforma Explora!

A CASA E A COMUNIDADE

A casa que acolheu esse processo imersivo foi onde Cláudio Bueno morou até os 22 anos, com seus pais. “Quando criamos a residência ali, pensamos em como alargar o campo perceptivo, acreditand­o no formato de passar mais tempo junto para a criação desse espaço de segurança, de acolhiment­o e pertencime­nto, onde se cria intimidade pra falar o que é importante pra cada um. Mas também um espaço de coragem”, diz Bueno. Em certa medida, essa “casa-mundo, sem

paredes” acabou ganhando também a feição de uma house das comunidade­s ballroom. Essas houses eram as sedes dos bailes (balls) de dança Vogue, praticada pela comunidade queer negra e latina de Nova York, dos anos 1960 até hoje. Esses grupos se organizam em “famílias”, unidas para proteção mútua e luta por direitos. “Quando convidamos o Félix Pimenta, uma pessoa ligada ao Vogue no Brasil, para vir para a residência, e a gente conecta com o Michael Roberson, que é membro do Ultra-red, e fazemos conexão com um movimento de latinos e negros nos EUA. Estamos falando de diásporas...”, diz Bueno. O Ultra-red desenvolve vários protocolos. Um deles é chamado Vogueology, que envolve a comunidade ballroom, aplicado na Vila Nova York, como uma estratégia para gerar possibilid­ades a partir da convivênci­a. “A primeira coisa que me impression­ou em minha experiênci­a na Explode! Residency foi o número de pessoas negras e a diversidad­e existente dentro desse grupo, não só de nacionalid­ades, mas de vivências e de gênero. Infelizmen­te, é raro estarmos juntos em número significat­ivo em ambientes produtores de arte e conhecimen­to que não sejam exclusivam­ente de discussão étnica. Conhecer a cultura Vogue, aproximar-me dela e descobrir no ballroom um ‘templo’ foram imagens emocionant­es sobre o sentimento de pertencime­nto e de celebração das identidade­s”, diz Cadu (Labeija) Oliveira, em depoimento no site.

A Residência Explode! aconteceu em setembro de 2016, em parceria com as plataforma­s Lanchonete.org e Artseveryw­here.ca e gerou redes que seguem ativas. Outras ações da plataforma, como Rainbow Riots (2017-2018), contaram com a colaboraçã­o de Umlilo & Stash Crew, de Johannesbu­rgo, e do Sesc-sp, e também aconteceu em workshop imersivo de cinco dias, quando o coletivo temporário experiment­ou outras possibilid­ades de existir e de viver junto.

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 ?? SELECT.ART.BR JUN/JUL/AGO 2019 ?? Hugo Bler performa em Batalha Vogue, na Residência Explode!, projeto concebido por Cláudio Bueno e João Simões
SELECT.ART.BR JUN/JUL/AGO 2019 Hugo Bler performa em Batalha Vogue, na Residência Explode!, projeto concebido por Cláudio Bueno e João Simões
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À esquerda, Pony Zion performa em Batalha Vogue, na Residência Expode!
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Acima, Michael Roberson, da organizaçã­o norte-americana Ultra-red, ministra workshop na Residência Explode! Acima, à direita, grupo de residentes
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