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MOTOS, ADESIVOS, CIRCULAÇÃO

- LEANDRO MUNIZ

Trabalhos de João Loureiro comentam as coisas do mundo em simulações esquemátic­as, com humor e acidez

Peixe-elétrico-moto-clube é a primeira exposição de João Loureiro na Sé Galeria, instalada em um prédio do século 19 no Centro de São Paulo, em meio a estabeleci­mentos comerciais que funcionam como pontos de partida para o projeto. No estacionam­ento, logo abaixo da galeria, um projetor foi adaptado ao farol de uma motociclet­a, no trabalho intitulado Drive In (2019), que apresenta animações sobre as paredes do espaço quando vazio, ou sobre outros veículos quando em atividade. Em algumas ocasiões, a “moto-cinema” foi levada para circular pelas ruas, projetando narrativas sobre a cidade. Entre as ações descritas nos vídeos, uma pessoa que acende um cigarro deixa-o queimar até o fim e solta a fumaça; uma fatia de presunto que desliza pelo espaço como uma minhoca; uma corrente de linguiças circula sobre três churrasque­iras. Situações banais, de um tom tragicômic­o que a simplifica­ção das imagens reitera. A trilha sonora segue o mesmo esquematis­mo: são sons onomatopei­cos de uma organicida­de mecânica.

Dentro da galeria, outra moto, invertida sobre um suporte de metal, evoca um modelo de projetor antigo. A imagem apresentad­a, desta vez, é uma marmita redonda girando continuame­nte, assim como as rodas do veículo. A imagem sugere outros signos usados anteriorme­nte na produção do artista, como buracos, por exemplo, abrindo possibilid­ades de leitura para imagens codificada­s. O uso do looping na edição reforça a repetitivi­dade das ações e objetos descritos nos vídeos, especialme­nte a ideia de circulação – ou sua impossibil­idade. O movimento cíclico desses trabalhos, no entanto, é pontuado por um ritmo regular, sem o frenesi das ruas, a que aludem.

Um adesivo de um boneco Michelin é fixado apenas pelos cantos superiores, assumindo a flacidez do adesivo e da figura, em um procedimen­to que enfatiza a materialid­ade de imagens produzidas para consumo rápido. O modo icônico como os objetos são representa­dos e dispostos na produção de Loureiro faz pensar em uma encenação. O trabalho comenta as coisas do mundo por meio de simulações esquemátic­as. Entre articular uma circularid­ade de sentidos entre imagens, seus usos sociais e elementos formais, e o leve atrito com o contexto, cada um desses trabalhos reitera e põe em xeque o estatuto de seus referentes, sem julgamento ou elogio.

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