LEONA VINGATIVA ASSASSINA
Cantora e atriz integra cultura travesti, aparelhagem, crítica política e bom humor
DEMONIZAÇÃO DA CULTURA
Em 2016, Rafael Bqueer aterrissou sua nave espacial no Rio de Janeiro, para trabalhar no G.R.E.S Acadêmicos do Salgueiro e ocupar os espaços de poder da arte contemporânea. Começava aí um período de intensa atividade nos mares do Sul, participando de diversas residências e exposições. Foi finalista do prêmio EDP nas Artes do Instituto Tomie Ohtake, em 2018; selecionado pela EAV Parque Lage para uma bolsa de residência na Annexb, em Nova York, e indicado para a 7ª edição do Prêmio Marcantonio Vilaça. Atualmente, vive e trabalha entre o Rio de Janeiro e São Paulo e ainda se autodefine como carnavalesco, além de
drag queen, ativista LGBTQIA+ e artista. “Se você pensar que 90% dos carnavalescos do grupo especial do Rio hoje são brancos, acadêmicos, qual o lugar do corpo negro na escola de samba? Na construção da cidade?”, indaga em vídeo produzido pelo Prêmio Foco Artrio.
A experiência no Rio de Janeiro vem reforçar sua crítica sobre a visão histórico-colonial do corpo negro e indígena, “muitas vezes visto como ausente de subjetividades e entregue a uma visão extremamente estereotipada e exotizada”. Na série de fotografias Jogo do Bicho (2020), atualmente na mostra Casa Carioca, no MAR, Bqueer reconfigura as questões colocadas na série Super Zentai, sempre com uma bem-vinda dose de humor, ao expor corpos mascarados de bichos, sem identidade própria. “Pensar o imaginário do subúrbio com uma perspectiva crítica contra a exotização dos corpos negros é o que o trabalho propõe.” Integra ainda o corpo de obras de temática carnavalesca Alice e o Chá Através do Espelho (2014), que reencena um momento épico do Carnaval carioca: o ator Jorge Lafond interpretando Alice, no abre-alas da escola de samba Beija-flor de Nilópolis, em 1991, no desfile Alice no Brasil das Maravilhas. No deslocamento da Marquês de Sapucaí, passarela máxima de exaltação e exotização do corpo negro, para os lixões e a violência da periferia de Belém – do luxo ao lixo –, o artista quando (mais) jovem já anunciava a que vinha. Esta maneira de Rafael Bqueer samplear a cultura de massa hegemônica, distorcendo-a e contorcendo-a de modo a afrontar a normatividade até ela sangrar, talvez seja o que a artista Flores Astrais se refere ao dizer que “hoje entendemos as Themônias como um movimento artístico e cultural de demonização da nossa cultura”. Demonizar como estratégia política de sobrevivência.