ÁRVORE QUE ANDA
Uýra Sodoma é a entidade que reúne saberes científicos e ancestrais em defesa da floresta
EXISTÊNCIA-RESISTÊNCIA
O corpo e suas distensões performativas aparecem ainda nas obras da Cia. Moderna de Dança, nas de Emerson Pontes, com sua Uýra Sodoma, ente drag ecológica e nas Sereias Superzentai de Rafael Bqueer. Allyster Fagundes, Bianca Levy e Edivânia Câmara Ilundê performatizam e transcendem criaturas míticas. Guy Veloso traz com suas imagens insurgentes fé e fantasia, tal qual a fantástica história do pássaro de Walda Marques, com seus personagens de uma Amazônia surreal. No Deslendário Amazônico, múltiplos olhares somam-se em revisões e críticas e nos deparamos com o nosso próprio retrato, como no busto de Elieni Tenório, Eu, índia, em que a artista subverte a importância desse tipo de objeto escultórico para, em seu autorretrato, elevar a identidade de tantos indígenas e mestiços que habitam este ambiente. São diversas as obras que foram doadas a partir dessa exposição do projeto Arte Pará.
A Amazoniana abarca entrecruzamentos, perspectivas e visões heterogêneas de uma região que é múltipla. Esse pluralismo que afirma a existência-resistência de um fazer artístico dentro da Amazônia, das variadas Amazônias. O que nos importa é esse fluxo e trocas de saberes, de um olhar pictórico, um olhar performático, como no trabalho de Rafael Matheus Moreira, que retorna à Amazoniana como outros, constituindo fluxos em seus processos de criação, a partir da reflexão sobre a emblemática pintura da Fundação de Belém. Nela, a artista apresenta o colonizador morto nos braços das Iaras, atingido pela flecha de uma nativa do paraíso em chamas, apresentando um corpo desobediente e político que tensiona o agora.
O que faz com que essas obras tenham em comum com as teses, fotografias, livros de artistas no ]Arquivo[ Amazoniana? O que significa a Pedra de Raio, livro de artista de Ionaldo Rodrigues, que olha atentamente para estas bandas desta terra incógnita? Talvez nos lembre que é preciso arar o solo. O que se pretende com esse ambiente que ainda está fragmentado, dividido, é buscar unir-se em um lugar para tentar comportar algo que escapa, que não se comporta, que não cabe em arquivos digitais, mapeamentos e plataformas, e que é pensado para o outro, para o debate, a troca, a pesquisa.
Isso passa por um processo coletivo de qualificação museológica por meio de parceria com o Projeto Tainacan e toda a sua equipe. Nesse contexto, ampliando a perspectiva, temos a museóloga Paola Maués, bem como os estudantes Guido Elias, Moema Correa, Thais Palheta, Joel Silva e Letícia Carvalho, que se somam a tantos outros parceiros pesquisadores com quem estabelecemos trocas, como Bernardo Baia, Christian Bendayan, Carmen Palumbo, Danilo Baraúna, Marcela Cabral, Marisa Mokarzel, Paulo Herkenhoff, Rosangela Britto, Sávio Stoco, Susane Pinheiro, Tadeu Costa e Yorrana Maia.
São diversos os ângulos em diversificadas visões sobre a Amazônia. O Bom Selvagem cansou de ser servil. Queremos apenas existir em nossos modos de vida. Os caraíbas pouco entenderão. O capitalismo não permite.
Talvez fique aqui uma interrogação, o desejo de ligar, de pensar em toda essa potência de construção nas bordas do poder, para quebrar as práticas coloniais cotidianas, em um lugar que já teve poder, que não era o Brasil e que precisa se descolonizar. Assim, desnortear é preciso; afirmar que não há um único centro, e em meio a aproximações e discordâncias encontrar, entre fazeres e fricções, este lugar, com estas múltiplas Amazônias e construir um Comum. Quem sabe esse local de trabalho brabo e de sonho afetuoso seja a Amazoniana, um lugar do pensamento estando juntes.