Em Construção
Produção do artista pernambucano no primeiro ano da pandemia da Covid-19 argumenta pela “virulência da arte” em contextos de adversidade extrema
Em 1963, o artista pernambucano Paulo Bruscky caminhou pelo Centro do Recife vestindo uma placa que indagava aos passantes: “O que é arte? Pra que serve?”. A performance não se encerrou ali: ficaram as fotografias e a pergunta permaneceu no ar, percorrendo décadas e provocando todo tipo de discussão e interpretação, em salas de aula e debates acadêmicos, sem nunca chegar a um veredicto. “Serve para tudo e para nada”, afirma o artista. Mas neste ano em que o Coronavírus e a má gestão da crise sanitária no Brasil dizimaram todas as certezas sobre o dia de amanhã, a arte manteve-se como uma das únicas respostas possíveis. Este é o mote de A Virulência da Arte, individual de Paulo Bruscky na Galeria Amparo 60, no Recife, que argumenta pela resiliência da vida inteligente em contextos de adversidade extrema.
A mostra, com curadoria de Mariana Oliveira e já encerrada, reuniu um ano de produção sob o confinamento da pandemia. Os trabalhos foram produzidos entre março e dezembro de 2020, em formas diversas: colagens, gravuras, performances e “artes classificadas” – nomenclatura que o artista dá a intervenções feitas em páginas de anúncios de jornais, dentro de um amplo corpo de trabalhos que investiga outras formas de circulação da arte. Na arte classificada Poesia Sonora e o Coronavírus, publicada no Jornal do Commercio, em 24/5/20, Bruscky propôs uma variação poética para os panelaços, orquestrando um concerto em homenagem aos profissionais de Saúde. Ele convocou todas as igrejas católicas do Recife e de Olinda a tocarem seus sinos ao mesmo tempo, e todos os habitantes dessas cidades a programar seus relógios despertadores para as mesmas 10 horas da manhã de domingo 31/5.
O conjunto de ações culmina em outra pergunta crucial – O que nos espera? – colada sobre uma bandeira do Brasil rasgada. Mas, na obra de Bruscky, respostas são sempre possíveis. “A virulência da arte é maior que a solidão do Coronavirus”, escreve sobre uma página de classificados do jornal. PA
A Virulência da Arte – Paulo Bruscky Encerrada, Galeria Amparo 60, Recife, amparo60.com.br
Margeada por casas de interior, plantações de cana-de-açúcar, cacau e eucalipto, pela Caatinga ou pela Floresta Amazônica, a estrada é a personagem principal da nova série dos diretores Jorge Bodanzky e Fabiano Maciel. Começando na cidade de Cabedelo, na Paraíba, os episódios atravessam as motivações e os impactos socioambientais da construção da BR-230 até chegar em Lábrea, no coração do Amazonas. A operação central de composição da série é a contraposição entre imagens produzidas desde a estruturação da estrada, em 1969, durante a ditadura militar no Brasil, e outras recentes, mostrando reincidências e agravamentos de problemas ao longo do tempo.
Na base da construção da Transamazônica estão os ideais de progresso e integração territorial, fazendo da estrada um marco do projeto nacional-desenvolvimentista. Sua implantação, no entanto, gerou uma série de violências pela terra, desastres ambientais, massacres de populações indígenas − cerca de 8 mil indígenas foram assassinados durante a construção − e um modelo econômico falho.
O extrativismo permite altos ganhos a curto prazo, mas o solo pobre da Amazônia em pouco tempo se esgota, gerando apenas devastação: a madeireira é substituída pela pecuária, depois pela monocultura, tornando o solo infértil. Apenas recentemente tem se pensado em práticas de economia não predatória na região, mas a tônica ainda é seguir desmatando, em um modelo que arrasa os recursos, gerando bolsões de pobreza.
A questão do trabalho, inclusive, é um dos grandes assuntos da série. Movimentando massas de trabalhadores do Nordeste e do Sul do país no início da construção da estrada, o governo incentivava o “projeto de colonização” com concessões de terras. Logo após a ditadura militar, no entanto, esses pequenos agricultores ficaram à míngua. Outro problema que persiste é a condição de trabalho semiescravo a que muitos são submetidos. Os discursos da imprensa da época reforçam positivamente as ideias de colonização, de conquista do território e de extração incentivadas pelo governo. Consequentemente, essas opiniões acabavam enraizadas no imaginário da população e na manipulação da opinião pública. A disseminação de slogans como “Integrar para não entregar!”, de imagens exacerbadas de nacionalismo e as promessas de um futuro promissor eram atrativos para os trabalhadores que então se deslocavam para a construção da estrada e ocupação da floresta. Em Transamazônica: Uma Estrada para o Passado, os diretores também recorrem a trechos do filme Iracema: Uma Transa Amazônica, que Bodanzky filmou nos anos 1970. Além de propor uma autorreflexão sobre a produção do próprio cineasta, percebemos as continuidades e mudanças entre o passado e o presente, como a presença crescente das monoculturas ou as sínteses culturais que surgiram nas cidades às margens da estrada. Ao usarem imagens reiteradas ao longo da história, contrapondo-as com o presente, os diretores criam contrastes entre os discursos audiovisuais oficiais e aqueles que podem produzir contranarrativas. As repetidas imagens de bandeiras, coreografias e gestos simbólicos de um nacionalismo tacanho mostram que a ideologia do novo, do extrativismo e do progresso começam, antes de tudo, por um certo imaginário. LM
SÉRIE Transamazônica: Uma Estrada para o Passado 2021 hbogo.com.br