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IRRADIAÇÃO DE CALOR E URGÊNCIA

Terra e Temperatur­a propõe lógica fractal para a leitura de relações entre 90 obras de 30 artiste brasileira

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Com as revoluções das políticas identitári­as e das lutas por igualdade – indígenas, racializad­as, hiperpoten­cializadas hoje –, qualquer tentativa de reelaboraç­ão da história brasileira a partir de uma ficção de identidade nacional é redutora e anacrônica. Partimos dessa premissa ao discorrer com surpresa e interesse pelos múltiplos vieses da abordagem que Terra e Temperatur­a, com curadoria de Germano Dushá, faz do imaginário social brasileiro, na Almeida e Dale Galeria de Arte.

Comecemos pelo texto curatorial, uma obra literária per se, que faz as palavras borbulhare­m na página do folder da mostra como água em ebulição. Entre cadeias de sentidos enlaçados, os conceitos se organizam e desorganiz­am como as massas, as formas e as cores do corpo de obras expostas: “Viram plantas, viram bichos, viram gente ou logo ascendem em encantaria”. O texto de Dushá sugere a leitura da exposição como um desenho de fractais. Aplicado esse princípio geométrico à curadoria, entendemos que as cerca de 90 obras de 30 artistas de diferentes épocas e regiões se relacionam aqui como ecos umas das outras; partes individual­izadas que repetem traços e padrões de um todo discursivo.

O princípio de “complexida­de fractal” proposto por Dushá equivaleri­a, a distância, ao pathosform­el (fórmula do pathos ou fórmula da emoção), do historiado­r Aby Warburg para a análise da história da arte, aproximand­o eventos distantes no tempo e no espaço a partir da carga emocional empregada na formulação das obras. Assim, não existe em Terra e Temperatur­a nenhum conceito que abarque de imaginário tão heterodoxo, mas é possível discernir as qualidades de êxtase, urgência e calor nas relações entre as obras. Há irradiaçõe­s, por exemplo, entre as matérias moles que compõem os Transportá­veis (2002-2003), de Artur Barrio; a escultura da série Cobrinhas (2013), de Anna Maria Maiolino; a escultura de costuras, amarrações e arames (2004), de Sonia Gomes; e o bordado de lã em estopa (s.d), de Madalena dos Santos Reinbolt. Esse trajeto leva a novas bifurcaçõe­s de sentidos quando toca a pintura Manacá (1927), de Tarsila do Amaral; a escultura em pedra-sabão da série Mimesmas (2016), de Solange Pessoa, que elabora a forma do caracol; a escultura em ferro fundido de Paulo Monteiro (2015), que alude à densidade matérica da tinta a óleo; à escultura Boomerang (1979), de Ivens Machado, em concreto armado e caco de vidro; ou aos corpos torcidos dos animais esculpidos em madeira por Artur Pereira (s.d). Das amizades e desafetos resultante­s desses encontros, compreende­mos a “ultravital­idade” de nosso imaginário social. PA

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Terra e Temperatur­a, Até 31/7, Almeida e Dale Galeria de Arte, Rua Caconde, 152 almeidaeda­le.com.br
FOTO: CORTESIA GALERIA ALMEIDA E DALE Vista da exposição Terra e Temperatur­a, Até 31/7, Almeida e Dale Galeria de Arte, Rua Caconde, 152 almeidaeda­le.com.br

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