BROOK GARRU ANDREW
PRIMEIRO DIRETOR ARTÍSTICO INDÍGENA DA BIENAL DE SYDNEY, O ARTISTA WIRADJURI (BROOK GARRU ANDREW) USA ARQUIVOS HISTÓRICOS COMO EVIDÊNCIAS DOS CRIMES PERPETRADOS PELO COLONIZADOR
Juliana Monachesi conversa com o primeiro diretor artístico indígena da Bienal de Sydney
O JORNALISMO CHEGA SEMPRE ATRASADO. NAS PESQUISAS QUE A SELECT REALIZOU PARA A PRESENTE EDIÇÃO, SOBRE ARTE INDÍGENA INTERNACIONAL, O TRABALHO DE BROOK GARRU ANDREW À FRENTE DA 22ª BIENAL DE SYDNEY FOI O “FATO NOVO” MAIS CITADO PELOS ENTREVISTADOS.
Primeiro curador aborígene da história da celebrada bienal australiana, Andrew é também um respeitado artista interdisciplinar, premiado com uma Smithsonian Artist Research Fellowship e com o Photography Residencies Laureate do Musée du Quai Branly, em Paris. Enveredamos, então, pelo trabalho do artista, “descobrindo” uma exposição individual dele no ano passado, em Sydney, intitulada This Year, que põe em xeque as narrativas dominantes, do colonialismo às histórias modernistas, propondo ainda uma reflexão sobre o fatídico 2020. Notícia atualíssima, certo? Errado. No momento, Andrew trabalha no projeto More Than a Guulany (Tree): Indigenous Knowledge Systems, como professor associado na Monash University, mais precisamente no laboratório de pesquisa Wominjeka Djeembana, da Faculdade de Arte, Design e Arquitetura da instituição em Melbourne. De ascendência aborígene, por parte de mãe, e celta e judia, por parte de pai, Brook Garru Andrew atendeu com generosidade ao pedido de uma entrevista pela select. Mas, de forma muito elegante, nos fez perceber que não está muito disposto a falar sobre a Bienal de Sydney ou sobre “aquele ano”. Isto após responder, por e-mail, a parte da entrevista. O estúdio do artista nos enviou dois documentos, o vídeo de uma conferência na Universidade Monash junto do artista e professor Brian Martin, e uma longa entrevista que concedeu ao diretor-executivo do Artspace Sydney, Alexie Glass-kantor, por ocasião da mostra This Year na galeria Roslyn Oxley9, nos autorizando a usar trechos da fala de Andrew para complementar a obsoleta entrevista. O jornalismo chega sempre atrasado.
SELECT: Trabalhar com arquivos parece ser um interesse recorrente: como você se relaciona com os arquivos institucionais na Austrália e em outros lugares? Eles são fontes confiáveis ou um foco de crítica constante?
Brook Garru Andrew: Arquivos são poderosos, são evidências de conquistas coloniais e documentos que definem e registram aquilo que, em muitos casos, se perde. Se não fosse pelos arquivos, não poderíamos ter reconstituído a nossa linguagem Wiradjuri do jeito que é agora, nem poderíamos ver fotos de nossos ancestrais que foram tiradas por protoetnógrafos, como Charles Kerry. É assim que os arquivos remontam à nossa história e cultura, documentando especialmente que a Austrália e outros lugares foram invadidos com extrema violência. E muitos hoje ainda negam os direitos e as culturas dos povos indígenas. O arquivo é uma evidência que revela os colonizadores como os perpetradores e, portanto, um novo caminho de cura e de trabalho conjunto pode ser traçado a partir dele. Os arquivos australianos e os internacionais são semelhantes em sua construção e ética de trabalho. As potências coloniais europeias trabalharam juntas (ou contra) e foram ativas em muitas disputas ou acordos comerciais – é sobre essa base que o arquivo é construído. Consequentemente, a conexão entre os arquivos britânicos, australianos e outros arquivos coloniais na Índia, nas Filipinas, no Congo ou no Brasil pode ser interligada às histórias coloniais de portugueses, franceses, espanhóis, italianos etc.
Por que você prefere trabalhar com imagens de arquivo em vez de fazer novas?
Faço novas imagens também, mas trabalho com mais frequência com imagens de arquivo existentes. O poder do arquivo é a pura evidência dos muitos que não acreditam ou não confiam nas visões indígenas ou não coloniais, é uma forma de provar os fatos. Além disso, todos eles são objetos poderosos que possibilitam um espelho para olhar para trás e corrigir algumas das devastadoras perseguições coloniais e também revelar que os povos indígenas possuíam e detêm um conhecimento incrível sobre a gestão da terra e outros conhecimentos importantes.
“ÁRVORES DERRUBADAS SÃO LOCAIS DE CERIMÔNIA: IMAGINE IGREJAS, MESQUITAS OU OUTROS TIPOS DE LOCAIS SAGRADOS SENDO DESTRUÍDOS”
Na página ao lado, acima, Vision of Nuance: Systems of Exposure
(2019), site-specific de Brook Garru Andrew para a exposição Art Wuzhen - Now Is The Time, China; abaixo, scan 3D da guulany do Pitt Rivers Museum, Universidade de Oxford, exposto na 22a Bienal de Sydney, em 2020, ao lado da pintura mural de Eric Bridgeman
Poderia comentar o uso do néon em suas peças de parede e instalações? A luz é símbolo de um desejo iluminista?
O néon é uma arquitetura clássica do mundo capitalista – vende, atrai e fornece um espaço de sedução. Descobri que trabalhar com néon me permite escrever em meu idioma aborígene, Wiradjuri, ao lado do inglês, para fazer um comentário político e social sobre as maneiras como culturas se tornam invisíveis ou visíveis e, consequentemente, sobre os problemas com a colonização e suas palavras degradantes e depreciativas, como “primitivo”, que utilizo na minha obra de néon KILL PRIMITIVISM, ou NGAJUU NGAAY NDINDUUGIRR, que significa “eu te vejo”. O uso da luz é puramente sedutor, não tenho certeza se um desejo de iluminação é um objetivo direto, mas acho que isso também poderia ser um resultado, considerando as perspectivas e o racismo, e pensando que as conexões inter-humanas precisam se tornar mais compassivas e conciliatórias.
Quais são as fontes do material utilizado na série This Year (2020)?
São coisas que me interessam. Na exposição (na Roslyn Oxley9 Gallery, em Sydney) havia fragmentos de todos os lugares; uma revista de leilão de Berlim, um recorte da capa de uma revista do Australian Institute of Aboriginal and Torres Strait Islander Studies – e imagens de uma figura de terracota de um livro sobre Bali, que comprei em Genebra. Na verdade, pela combinação desses elementos, busco criar possibilidades e conectar histórias, não apenas iluminando áreas de sombra, mas também fatos que estão conectados, questionando suas relações históricas. Para mim, também se trata de códigos secretos, porque as pessoas verão coisas diferentes, e isso é muito importante. O garoto olhando na direção da luz néon que sobe para a câmera em This Year, Raking Over... (2020), para mim, isso é sobre fotografia, sobre o olhar, a etnografia e a documentação do povo aborígene. Algumas obras também possuem fotografias originais dos séculos 19 e 20 de minha coleção. Portanto, não são apenas revistas que colecionei – algumas delas são fotos muito procuradas em casas de leilão. É muito importante incluí-las como parte de um comentário sobre a cultura internacional da coleção. Um dos meus trabalhos favoritos é This Year, the Bench... A imagem dos juízes é retirada de uma gravura de Hogarth. As molduras são como esculturas – são recipientes para as colagens. Trabalhei com Mark Chapman para criá-las. Quando estava colocando as colagens nas molduras, fui acrescentando elementos. Por ter feito essa exposição logo depois de encerrar a 22ª Bienal de Sydney, onde trabalhei com vários artistas, queria criar e transformar o espaço da galeria branca em algo que realmente refletisse uma espécie de jornada ou narrativa diferente ou algo que realmente subvertesse o que é realidade, porque nossas realidades são aquilo que pensamos que a nossa consciência fala, quando, na verdade, às vezes estamos todos em nossas próprias pequenas espaçonaves.
Em Vision of Nuance: Systems of Exposure (2019), você discute os formatos tradicionais de exibição de fontes etnográficas. Você diria que o museu de arte contemporânea pode ser um lugar alternativo para mostrar e recontextualizar esse tipo de coleção? Ou, se não assim, o que pode ser feito para decolonizar o conhecimento antropológico e etnográfico?
Correr riscos é um gesto da arte contemporânea
“HÁ MUITO MEDO DA CULTURA DOMINANTE EM PERMITIR UMA RELEITURA DO SAQUE COLONIAL E DO COMPLEXO ARQUIVO ACUMULADO EM TORNO DISSO”
que é apoiado por um olhar ocidental e pela história da arte – embora correr riscos ao permitir que artistas indígenas criem nessas plataformas e trajetórias não seja algo “autorizado” com muita frequência. Há muito medo da cultura dominante em permitir uma releitura do saque colonial e do complexo arquivo acumulado em torno disso. Considero importante que as instituições culturais, como o museu e a galeria contemporânea, estejam abertas à interpretação, especialmente com as coleções de artistas e comunidades das nações nativas. Assumir esse risco permitirá a cura e novos caminhos de pensamento iluminado para todos – a colaboração também é a chave. Também acho que essas experiências poderiam ocorrer concomitantemente em comunidades. As pessoas em geral precisam ter a mente mais aberta e ser menos estressadas a respeito das interações. Atos de descolonização ou soberania dizem respeito a pessoas que se permitem aliviar a pressão e que não têm medo de olhar para o passado e liberá-lo para o futuro.
“O NÉON É UMA ARQUITETURA CLÁSSICA E FORNECE UM ESPAÇO DE SEDUÇÃO. D ME PERMITE ESCREVER EM MEU IDIOMA ABORÍGENE, WIRADJURI, AO LADO DO INGLÊS, PARA FAZER UM COMENTÁRIO OLÍTICO E SOCIAL SOBRE AS MANEIRAS P COMO CULTURAS SE TORNAM INVISÍVEIS OU VISÍVEIS”
Poderia falar sobre a sua pesquisa acerca da história das árvores?
Tive por muitos anos uma relação com uma árvore no Museu Pitt Rivers, em Oxford, por mais ou menos uma década, eu diria. É uma das três árvores que conheço, ou dendroglifos (desenhos ou marcas/sulcos em árvores) de guulany (árvore que contém o dendroglifo) que sei que estão no exterior. Uma em Pitt Rivers, duas no Museu Etnográfico de Genebra. O dendroglifo que hoje está na Universidade de Oxford foi mostrado na Exposição Universal de Paris de 1867 e foi comprado pelo museu. As esculturas nessas árvores são usadas para cerimônias pelos homens Boon Wurrung ou para assinalar pessoas de alto nível, e é muito angustiante em nossas comunidades quando essas árvores são retiradas. Para a 22ª Bienal de Sydney, fizemos um escaneamento em 3D dessa seção da árvore. Esse tipo de experimento é importante para nossa comunidade explorar, e para nós, como artistas, acadêmicos e conectores, investigarmos sobre a cópia, sobretudo quando estamos falando sobre os tipos de histórias realmente carregadas pelas guulany. Não considero essa cópia uma obra de arte, prefiro dizer que esta é uma tomada de posição, um objeto poderoso, e por isso ela foi exposta na NIRIN, onde a coloquei ao lado de uma pintura de parede de Eric Bridgeman, artista australiano de Papua-nova Guiné, que reflete sobre quais as implicações de isso, por exemplo, ser uma árvore funerária. Essas árvores derrubadas ou são lápides ou são locais especiais de cerimônia: imagine igrejas, mesquitas ou outros tipos de locais sagrados sendo destruídos. O tipo de história complexa da proteção dessas árvores ainda existe para as nossas comunidades, tal como, é claro, com outros patrimônios culturais como a arte rupestre e até mesmo o Rio Tinto, onde estão destruindo importantes sítios culturais. O que estamos olhando é mais do que uma árvore, mais do que uma guulany, e acho que é, provavelmente, a primeira vez que o ARC (The Australian Research Council, organização governamental criada para reconhecer os proprietários e guardiões originais da nação em toda a Austrália e sua conexão contínua com a terra, a água e a comunidade) ou a comunidade acadêmica mais ampla realmente olha para esses importantes objetos, que em geral são relegados ao espaço do museu de antropologia.
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