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CÂMERA EM AÇÃO

NA TRAJETÓRIA DE UM FOTOJORNAL­ISTA, O EMBRIÃO DE UM MOVIMENTO POLÍTICO E EDUCACIONA­L QUE POTENCIALI­ZA O DESENVOLVI­MENTO DA FOTOGRAFIA NA CENA CULTURAL PARAENSE

- TEXTO E FOTOS MIGUEL CHIKAOKA

A contribuiç­ão da ação socioeduca­tiva de Miguel Chikaoka na formação da fotografia contemporâ­nea paraense

AO CHEGAR EM BELÉM, EM 1980, DECIDIDO A ATUAR COMO REPÓRTER FOTOGRÁFIC­O NO EMBALO DO FOTOJORNAL­ISMO INDEPENDEN­TE, ADENTRO NA CENA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS ORGANIZADO­S EM TORNO DAS LUTAS PELO FIM DA DITADURA E DO RESTABELEC­IMENTO DO REGIME DEMOCRÁTIC­O.

Nesse contexto cruzo com artistas de várias linguagens, que me conduzem ao lugar de encontro de ativistas dos movimentos políticos e culturais emergentes, na Praça da República, demarcado pelo corredor que liga o Anfiteatro, o Teatro Waldemar Henrique, o Bar do Parque e o Teatro da Paz. Entrego-me de corpo e alma à vivência nessa cena plural e, entre tantos atores, encontro o Grupo Ajir, um coletivo de artistas e arte educadores afinados com a luta pela liberdade de expressão e por uma educação transforma­dora.

Além de fotografar as ações do grupo nos espaços públicos, passo a integrá-las, participan­do com mostras de fotografia­s usando o varal como dispositiv­o de exposição. Desse convívio surge o convite para ministrar uma oficina de iniciação à fotografia na Escola de Arte Ajir, sede do Grupo. Desafiado, conduzi a oficina mesclando pensamento­s libertário­s de filósofos e educadores, como Raoul Vaneigem e Paulo Freire, ao meu processo de iniciação, vivenciado num fotoclube de universitá­rios em Nancy, na França, onde residi antes de me mudar para Belém. Ao final dessa oficina, motivados pela reflexão crítica sobre o fazer fotográfic­o, os participan­tes resolvem organizar-se para promover trocas e reflexões, convidando fotógrafos que já atuavam na cena local. Nasce então o Grupo Fotoficina, embrião de um movimento que potenciali­za o desenvolvi­mento da fotografia na cena cultural paraense ao longo dos anos.

Em 1982, com o objetivo de promover o reconhecim­ento entre praticante­s da fotografia no estado, o Fotoficina implementa o projeto Fotopará – Mostra Paraense de Fotografia. Com base numa ampla convocatór­ia, o processo seletivo dessa mostra foi confiado a uma comissão composta de personalid­ades atuantes nos campos da cultura e da arte em geral, mas, predominan­temente, não fotógrafos, e os trabalhos não selecionad­os foram colocados na galeria na forma de álbum, para propiciar a leitura do que foi enviado ppor todos os participan­tes. Por fim, para problemati­zar os limites do regulament­o da mostra e do acesso à galeria, o encerramen­to é marcado por um ato de retirada das fotografia­s para fora do local, usando como suportes varais estendidos entre a galeria e o Bar do Parque. Atendendo ao convite feito no anúncio, o varal ainda recebeu a adesão de pessoas motivadas a mostrar seus trabalhos. Esse evento marca a apresentaç­ão “oficial” do Fotovaral, enquanto dispositiv­o autônomo e agregador de ações nos mais diferentes contextos.

24 HORAS DE FOTOGRAFIA

Na última edição da Mostra Fotopará, realizada em 1984, surge o Grupo Fotopará, que passa a atuar efetivamen­te, a partir de 1985, com a Jornada de Fotografia 24 Horas de Belém, na qual a cidade é “revelada” nas suas 24 horas, através de olhares dos fotógrafos. No ano seguinte tem início o projeto Autografia­s, que consistia na apresentaç­ão pública de leituras sobre a vida e a obra de fotógrafos clássicos escolhidos e pesquisado­s por integrante­s do grupo e convidados.

Entremente­s, o Fotoficina continuou ativo com seu Núcleo de Oficinas, denominado Fotoativa, e o Projeto Fotoativa Cidade Velha, desenvolvi­do por meio de ações integradas com foco na valorizaçã­o do patrimônio cultural e urbanístic­o do bairro da Cidade Velha. Aqui cabe lembrar que, no fim dos anos 1970 e início dos 1980, foram criados o Núcleo de Fotografia da Funarte, as Uniões de Fotógrafos de São Paulo e Brasília, as Agências de Fotógrafos Independen­tes, como Agil, em Brasília, e F4, em São Paulo.

Um “fluxograma de ações” do Fotoficina, desenhado em 1983, indica que seus movimentos e projetos tinham como foco temas amplos, como mercado, direitos autorais, educação, pesquisa e memória, e eram planejados estrategic­amente, levando em conta o cenário regional e nacional.

A presença nas Semanas Nacionais de Fotografia (SNF), promovidas pela Funarte, sinaliza como o movimento fotográfic­o paraense articulou conexões que potenciali­zaram seu reconhecim­ento. Esse protagonis­mo continuou nas edições seguintes das SNF, produzindo um amplo leque de fluxos que impulsiona­ram o prestígio do fazer fotográfic­o paraense na cena nacional e internacio­nal.

 ??  ?? Fotovaral da Fotoativa, instalado no Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, durante o Fórum Global ECO 92
Fotovaral da Fotoativa, instalado no Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, durante o Fórum Global ECO 92
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 ??  ?? Ato público do Movimento pelo Direito de Morar, na Praça Dom Pedro II, Belém, em 1981
Ato público do Movimento pelo Direito de Morar, na Praça Dom Pedro II, Belém, em 1981
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 ??  ?? Em sentido horário, a partir do alto, Eduardo Kalif na V Semana Nacional de Fotografia, Curitiba, 1986; fotovaral do Grupo Fotoficina no Dia da Consciênci­a Negra, na Praça da República, Belém, 1982; e o fotovaral do Projeto Arte na Praça do Grupo Ajir, Belém, 1982
Em sentido horário, a partir do alto, Eduardo Kalif na V Semana Nacional de Fotografia, Curitiba, 1986; fotovaral do Grupo Fotoficina no Dia da Consciênci­a Negra, na Praça da República, Belém, 1982; e o fotovaral do Projeto Arte na Praça do Grupo Ajir, Belém, 1982
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 ??  ?? Em sentido horário, a partir do alto, fotoperfor­mance Contatos Imediatos, de Abdias Pinheiro, na VI Semana Nacional de Fotografia da Funarte, Ouro Preto, 1987; fotovaral da Fotoativa no Fórum Global ECO 92; e o fotovaral do Projeto Fotoativa Cidade Velha do Grupo Fotoficina, na Praça do Carmo, Belém, 1985
Em sentido horário, a partir do alto, fotoperfor­mance Contatos Imediatos, de Abdias Pinheiro, na VI Semana Nacional de Fotografia da Funarte, Ouro Preto, 1987; fotovaral da Fotoativa no Fórum Global ECO 92; e o fotovaral do Projeto Fotoativa Cidade Velha do Grupo Fotoficina, na Praça do Carmo, Belém, 1985
 ??  ?? No alto, reunião preparatór­ia da comissão de fotógrafos paraenses para a IV Semana Nacional de Fotografia da Funarte, no MIS Belém, 1985; à direita, Elza Lima na Estrada de Ferro Curitiba-paranaguá, na VI Semana Nacional de Fotografia da Funarte, 1986; e, acima, fotógrafos paraenses na VI Semana Nacional de Fotografia da Funarte, Ouro Preto, 1987
No alto, reunião preparatór­ia da comissão de fotógrafos paraenses para a IV Semana Nacional de Fotografia da Funarte, no MIS Belém, 1985; à direita, Elza Lima na Estrada de Ferro Curitiba-paranaguá, na VI Semana Nacional de Fotografia da Funarte, 1986; e, acima, fotógrafos paraenses na VI Semana Nacional de Fotografia da Funarte, Ouro Preto, 1987
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FOTOS: CORTESIA DOS ARTISTAS

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