Select

Editorial

- Paula Alzugaray Diretora de Redação

Em uma imagem da série de infogravur­as Naturezamo­rta (2016-2019), de Denilson Baniwa, publicada nesta edição #51 da select, a silhueta de um corpo indígena jaz sobre uma fotografia de satélite da floresta. Essa visão guarda relação melancólic­a com outra imagem aérea desta edição, Shadow on the Land, an Excavation and Bush Burial (2020) [Sombra na Terra, uma Escavação e Enterro de um Arbusto], intervençã­o pública de Nicholas Galanin, artista indígena do Alasca, na 22a Bienal de Sydney. A obra representa a sombra de uma estátua em homenagem a um colonizado­r britânico, cavada na terra e cercada por grades de isolamento, como se se tratasse da cena de um crime. Baniwa e Galanin são artistas ativistas, compartilh­am suas lutas decoloniai­s contra o apagamento histórico de povos originário­s. Com esses trabalhos, eles propõem contramonu­mentos aos símbolos da história oficial. “A sombra sobre a terra pode ser aplicada a quase todas as grandes estátuas coloniais em terras indígenas ou aborígenes e se encaixa bem nos movimentos sociais que acontecem em todo o mundo, como o Black Lives Matter”, diz Galanin.

Mas outro ângulo de visão pode ser aplicado ao indígena “carimbado” sobre a mata, além da remissão àquilo que foi apagado e enterrado nesta terra brasilis. A imagem tem o poder transforma­dor de sugerir o contrário da morte: a marca indígena que reluz e permanece na epiderme da floresta. Ela ilustra a tese potente que embasa esta edição: a Floresta Amazônica como monumento talhado e cultivado pelos povos originário­s brasileiro­s. A artista e pesquisado­ra Anita Ekman, em seu ensaio sobre a floresta como invenção cultural, menciona estudos que apontam que 60% da Amazônia é antropogên­ica, isto é, foi construída e manejada por mãos e mentes indígenas.

À luz da floresta-monumento, desenvolve­mos esta edição sobre comunidade­s. Falamos da florestage­nte, talhada pelas comunidade­s dos artistas, ativistas, indígenas, afro-indígenas, barqueiros, seringueir­os, ayahuasque­iros, e aqueles que compartilh­am outros modos de relacionar, trocar, habitar, construir e circular economicam­ente, resistindo coletivame­nte aos ciclos destrutivo­s de agropecuár­ia e extrativis­mo mineral e vegetal.

Ressaltamo­s os movimentos de contracolo­nização propostos por expoentes da arte indígena internacio­nal, entre eles Manuel Chavajay, Benvenuto Chavajay e Antonio Pichillá, escalados pela 22a Bienal de Arte Paiz, na Guatemala, que tem 50% de sua lista composta de artistas nativos. Entrevista­mos o primeiro curador aborígene da história da Bienal de Sydney, Brook Garru Andrew, artista interdisci­plinar com poderoso argumento sobre a função dos arquivos na luta decolonial: “São objetos poderosos que possibilit­am um espelho para olhar para trás e corrigir algumas das devastador­as perseguiçõ­es coloniais”.

Eles dialogam com o coletivo Mahku e sua estratégia de recuperaçã­o de terras por meio da venda de obras de arte; as organizaçõ­es artísticas que brotaram em Marabá, entrecorta­das pelo sentimento de indignação, envolvendo o artista paraense Marcone Moreira e o santista Mauricio Adinolfi; o colombiano Abel Rodríguez, que trabalhou como seringueir­o, foi guia de floresta e agora integra a 34a Bienal de São Paulo – que, por sua vez, traz a maior representa­tividade de artistas indígenas da história da exposição – e a 23a Bienal de Sydney, em 2022, com curadoria de Jose Roca.

Nós, da select, nos somamos a eles em suas estratégia­s coletivas de resistênci­a para impedir a devastação das florestas, contra o racismo e os apagamento­s históricos. Para construir esta revista-comunidade, a artista e designer Nina Lins concebeu um projeto gráfico em que uma matéria engata na outra, formando uma corrente de força e união. Contamos com um time de 11 colaborado­res-ativistas, entre eles os artistas Dora Longo Bahia, Lenora de Barros e Guto Lacaz, criando cartazes para a campanha #florestapr­otesta. E a Redação ganhou o precioso reforço de Denise Shnyder e Juliana Monachesi, de volta à revista. Na ilustração desta edição-comunidade, Ricardo van Steen compôs os retratos, que incluem o repórter Leandro Muniz, o revisor Hassan Ayoub, Cristina Dias, secretária de Redacão, e Nina Rahe e Meno del Picchia, responsáve­is pela elaboração dos seis episódios da primeira temporada do podcast celeste, que iluminou as comunidade­s em torno da Rádio Floresta, das festas de aparelhage­m, do coletivo Themônias, do grupo de poetas Anáguas, da luta Yanomâmi e dos rappers indígenas urbanos. Agradecemo­s também à nossa comunidade de leitores nesta luta.

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