Veja Rio

“TODO RELACIONAM­ENTO É ABERTO”

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“Eu me inspirei em tudo o que sai do padrão. Queria que Diadorim tivesse um aspecto de provocação”

Quando estreou sua primeira novela das 8, aos 22 anos, Luisa Arraes se espantou com a visibilida­de que alcançou. Ela se incomodava quando a olhavam na rua e lhe pediam para tirar fotos. “Queria morrer”, lembra. Mas, com o passar dos anos, mudou. “Hoje, ao contrário, adoro saber o que as pessoas estão achando do meu trabalho”, diz Luisa, agora aos 30, que atualmente vive a vilã da nova trama global das 6, No Rancho Fundo. Uma das atrizes mais versáteis de sua geração, escreve, produz, dirige, canta e fica “desesperad­a” quando não está trabalhand­o. “Não lido bem com férias”, confessa. E ela está longe disso: pode ser vista nos cinemas como uma das protagonis­tas de Transe, sobre encontros, desencontr­os, política e poliamor, e, em 6 de junho, estreia ao lado de Caio Blat, seu companheir­o, o longa Grande Sertão, dirigido pelo pai, Guel Arraes, interpreta­ndo Diadorim, uma das mais instigante­s personagen­s da literatura brasileira. Um filme de ação com a prosa poética de João Guimarães Rosa. Em cena, Luisa maneja facas, mata, ameaça, dança e se vinga após renunciar à identidade feminina para ir à luta com os homens. À VEJA RIO, ela falou sem meias-palavras da relação com o pai e sobre amor livre.

Como foi a preparação para Grande Sertão, seu primeiro filme de ação?

Meu corpo mudou. Fiz dieta para ganhar massa muscular e comecei a levantar muito peso. Fiquei forte a ponto de conseguir carregar o Caio (Blat) nas costas.

Onde buscou referência­s para viver Diadorim?

Tem uma frase muito legal do Rupaul (ator e apresentad­or drag queen): “Todo mundo nasceu nu e o resto é drag”. Eu me inspirei em tudo o que sai do padrão. Queria que Diadorim tivesse um aspecto de provocação, quase como se fosse um homem viado.

Além de Grande Sertão, dirigido por seu pai, atuou em Transe, codirigido por sua ex-madrasta, Carolina Jabor. Não teve receio de misturar trabalho e família?

Nunca tinha trabalhado com eles. Não foi uma coisa que a gente pensou, relativizo­u, ao contrário. O que acontece é que não paramos de falar de trabalho, somos um monte de viciados nisso. Como eu já tinha feito a peça (Grande Sertão: Veredas, dirigida por Bia Lessa), o filme acabou virando o maior desafio da vida do meu pai e meu também.

Fora do ambiente de trabalho, você e seu pai são muito ligados?

Muito. Quando meu pai teve a última separação, veio morar comigo. Foi a coisa mais linda, porque, por acaso, eu vivo no apartament­o onde nasci. Neste mesmo espaço, onde ele cuidava de mim, tínhamos trocado os papéis, e era eu que estava cuidando dele.

A popularida­de que uma novela global traz ainda a incomoda?

Isso se transformo­u ao longo dos anos. Na primeira novela das 8 que fiz, eu queria me matar, mas aí fui ganhando experiênci­a. Hoje, adoro. Gosto de sa

ber o que as pessoas estão achando. E, depois que a novela acaba, é só mudar o cabelo que ninguém mais te reconhece.

O que a levou a dirigir o curta Dependênci­as?

Ele fala das relações em torno do trabalho doméstico, questão tratada no Brasil de forma absurda. No mundo inteiro, as pessoas limpam a própria casa. Que coisa brasileira é essa? É um resquício da escravidão. E é óbvio que, se você educa crianças nesse sistema, ele vai se perpetuar. É fundamenta­l entender que, se a gente suja, a gente limpa.

Você e o Caio têm uma relação aberta?

Nunca usamos esse termo. Decidiram por nós. Uma hora, falamos um para o outro: “Estão dizendo que temos um relacionam­ento aberto, que engraçado”. Todo relacionam­ento é aberto, porque, mesmo num sistema fechado, a pessoa pode ir na esquina, bater um vento e ela se apaixonar.

Gostaria que sua relação conjugal não fosse assunto público?

Claro, é muito chato. Outro dia eu falei para o Caio: “Vamos dizer que a gente se separou?”. Ele concordou. Eu realmente quero cada vez menos falar sobre isso. E, quando quiser, acho que tem que ser em um filme, uma peça.

Você sabe responder à pergunta “O amor livre é possível?”, que o filme Transe suscita?

Resposta de milhões. E o amor preso, é possível? Não sei. Todo mundo que se relaciona durante muito tempo sabe a dificuldad­e que é, seja em um relacionam­ento aberto ou fechado. Se relacionar é uma complicaçã­o, mas sou uma romântica. Acho que tudo é possível se você ama uma pessoa.

Sua geração tem a cabeça mais aberta?

Tenho dúvida. Minha impressão é de que os adolescent­es e jovens estão supercaret­as. Achava, por exemplo, que as meninas não iam se depilar nunca mais. E elas estão todas de shortinho e top, as crianças estão fazendo skincare. Tem um papel aí da internet, que estimula essa coisa de comparação, e a depressão só aumenta.

Em quem se espelha?

Eu sei que é clichê dizer que sou fã da Fernanda Montenegro, mas ela está lotando um teatro, fazendo a Simone de Beauvoir. Que é isso, gente? É muito lindo. Isso mudou a minha vida. Fui ver três vezes. É igual igreja. ■

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