ENOTURISMO NO URUGUAI
Zé Luiz Tavares vai ao vizinho e dá todas as dicas para uma viagem ótima
País ao sul tem pequena produção, mas elevado nível de qualidade
Por do sol entre os vinhedos da Bracco Bosca, em Atlantida
Sabe porque você bebe tão pouco vinho uruguaio? Simplesmente, porque eles não chegam até nós, brasileiros! As vinícolas são familiares, a produção geralmente pequena, o mercado interno é muito ativo e o custo de produção bem elevado, tendo em vista que praticamente todos os insumos têm que ser importados. Dos tonéis de carvalho às garrafas de vidro.
O Uruguai tem cerca de 190 vinícolas profissionais. Mas pouco mais de 15% produzem vinhos finos. A grande maioria sobrevive fabricando vinhos de mesa, embalados em garrafões, bag-in-boxes e até embalagens de caixinha, como as de leite e suco.
A sofisticação da produção vitivinífera uruguaia começou há relativamente pouco tempo: a partir dos anos 1990, a exemplo do que ocorreu no Brasil.
A 20 minutos do centro da capital, a
gente já começa adentrar na zona rural e logo pipocam as placas indicando as
“bodegas turísticas”, que aceitam visitação. Mas fique esperto e agende antes.
Começamos pela Antigua Bodega
Stagnari, na sub-região de Santos Lugares, em Canelones, município contíguo a Montevidéu. Fomos recebidos por Virginia Stagnari, proprietária de 4ª geração, que ao lado de seus filhos
Mariana e Carlo, tocam o negócio iniciado por seus avós imigrantes de
Torino, na Itália.
A história da bodega começa em 1928, com a família comprando uma área cercada de pedreiras de granito rosa de decomposição natural de mais de 500 milhões de anos, para vinhedos.
É esse solo rústico e pedregoso de boa drenagem, com uma rasa camada de terra argilosa e arenosa, que favorece a intensidade, concentração e aroma das uvas e do vinho da casa.
Isso ficou bem claro na hora em que abrimos o Pedregal Chardonnay: uma explosão de aromas cítricos e notas de frutas tropicais, com um corpo de respeito para um branco jovem.
Pedregal, numa alusão ao solo do vinhedo, é a marca “de entrada” da vinícola. Já andou por terras brasileiras pelas mãos de duas importadoras, chegando até ao consumidor na faixa dos R$ 70,00.
Mas a presença da Antigua Bodega Stagnari no exterior ainda é tímida. Apenas 20% de sua produção é consumida além das fronteiras uruguaias.
Provamos também o excepcional
Osiris (nome do deus egípcio que teria ensinado ao seu povo a arte de cultivar a videira). A marca identifica vinhos varietais criados em barricas de carvalho americano por no mínimo 12 meses. O Merlot era o vinho preferido de Hector Nelson Stagnari, pai de Virgínia, responsável pelo ingresso da casa no
mundo dos vinhos finos, nos anos 1990.
Aliás, é em homenagem a ele, que a vinícola produz seu “Tannat Tributo”, o
Il Nero, apelido de Hector.
Provamos também o Bella Donna
Marselan: um dos varietais de um novo rótulo dedicado ao crescente destaque das mulheres no mundo do vinho, a começar pela própria vinícola que, além de Virginia e sua filha Mariana, ainda conta com a renomada enóloga Laura
Casella em sua linha de frente.
A 15 minutos dali, chegamos a
Pizzorno Family Estates: vinícola familiar, em sua quarta geração e também fundada por imigrantes do Piemonte.
Fomos recebidos por Francisco
Pizzorno, jovem administrador de empresas, de 25 anos de idade, que está comandando os negócios de exportação e enoturismo da empresa.
E parece que está indo muito bem: a
Pizzorno já oferece em menu de experiências com diversos tipos de degustações, almoço harmonizado, voos de helicóptero sobre os vinhedos da região e até excursões para outras vinícolas das cercanias. E para completar, exatamente na véspera de nossa visita, foi inaugurada uma graciosa pousada, surgida de uma reforma e decoração de muito bom gosto na antiga casinha dos pioneiros
Pizzorno, em meio a vinhedos.
O pai Carlos Pizzorno é o chefe de um time de enólogos. Um desses profissionais é o neo-zelandês Duncan Killiner, especialista em Sauvignon Blanc.
Foi dele o primeiro vinho que provamos: Don Próspero Sauvignon Blanc.
Cor amarela pálida, quase incolor, explode em aromas frutais atraindo imediatamente para a boca, onde o pêssego e a banana impõem sua presença, que persiste bem até o próximo gole.
O Don Próspero Sauvignon Blanc vale cada centavo dos cerca de R$ 85,00 que cobram por ele no Brasil. Quem importa os vinhos da Pizzorno é a Grand Cru.
O Tannat Maceración Carbónica é um vinho produzido a partir de maceração carbônica, método greco-romano,
em que a fermentação se dá sem “espremer as uvas”. O resultado é um Tannat jovem, fácil de beber, suave, de baixa acidez, em que a safra de um determinado ano é consumida no mesmo ano.
Vale a pena provar o “Tannat Loco”.
Muito longe da “loucura”, a Pizzorno produz Tannats bem sérios. Como o
Pizzorno Tannat Reserva (R$184,90), com 12 meses de barrica e mais 12 em garrafa. Ou o icônico Primo, corte de
Tannat, Cabernet Sauvignon, Malbec e
Petit Verdot, com potencial de guarda de 8 anos, que pode ser encontrado aqui no Brasil por R$599,90.
Já no final da degustação, fomos presenteados por Francisco com uma garrafa de seu Pinot Noir. Cinco meses em carvalho francês fizeram muito bem a esse vinho de média intensidade, com aromas e frutas vermelhas e um leve toque de menta. Acidez, álcool e taninos equilibrados. Pena que a Grand Cru ainda não trouxe esse Pinot Noir.
De Montevidéu a Punta del Este são 2 horas de viagem. Vale a pena um desvio a um terço do caminho para conhecer a Bodega Bracco Bosca, a 8 km do mar, na região de Atlântida.
Ali tudo começa com a história de dois vizinhos imigrantes italianos. Um deles, o Sr. Bracco, o outro o Sr. Bosca.
Um rico, o outro pobre. Um deles teve uma filha, o outro um filho. Bracco e
Bosca eram amigos mas viviam discutindo. E foi numa desses discussões, onde a questão financeira entrou em pauta, que o amigo pobre profetizou para o rico: “um dia meu filho ainda vai se casar com a sua filha e toda a sua fortuna vai ser da minha família também.”
Dito e feito: do casamento das famílias, começa a história da vinícola que hoje está nas mãos de Fabiana Bracco, filha do fundador. De seus belos vinhedos, e com uma estrutura de produção simples, tem conseguido produzir vinhos de qualidade.
O Ombú Moscatel é um vinho branco tranquilo, mantendo o aroma característico dessa importante uva do passado uruguaio, com a leveza de um vinho de acidez intensa e vibrante. Um vinho “sem preconceitos”, como alardeia seu rótulo que estampa uma árvore de ponta cabeça.
É essa árvore, nativa do Uruguai e presente na vinícola, que dá nome aos vinhos da Bracco Bosca. Segundo uma história local, os antigos proprietários das terras da vinícola tinham o costume de guardar suas riquezas enterradas embaixo da tal árvore. O ombú acabou sendo atingido por um raio e perdeu
suas folhas. Com o surgimento da vinícola, a árvore ganhou vida novamente!
Isso foi visto como bom augúrio!
Experimentamos mais dois produtos da Bracco Bosca: um Tannat leve, sem passagem por barricas de carvalho e o
Gran Ombú Cabernet Franc. Esse um vinho intenso, complexo e volumoso.
Os vinhos da Bracco Bosca são distribuídos no Brasil pela Domno, a preços que variam de R$ 100 a R$ 458,00.
A Bracco Bosca criou atividades diferenciadas para os visitantes, como degustações no vinhedo, parrilla ao ar livre, tirando proveito do espetacular pôr-de-sol que se vê por lá.
DE VOLTA A CANELONES.
A família Varela Zarranz iniciou suas atividades no setor vitivinícola em 1933, adquirindo uma década depois as instalações de uma antiga vinícola construída em 1888 por Diego Pons, um dos pioneiros do setor no Uruguai.
Nosso contato foi com a Mariana
Varela Risso: membro da quarta geração de empreendedores.
Eles têm por lá a maior coleção de barricas de carvalho francês em uso no Uruguai, sendo a mais antiga delas datada de 1903.
A Varela Zarranz produz vinhos finos lançados já há mais de 25 anos.
Possuem três linhas de vinhos tranquilos e uma de espumantes. A marca é bastante forte e tradicional no Uruguai, tanto que apenas 20% de sua produção se destina à exportação.
Aqui no Brasil, quem distribui os produtos da casa é a Obra Prima, de
Curitiba. No site da importadora, pode-se encontrar alguns tintos, dentre os quais o medalhadíssino Tannat Grand
Reserva, que pode chegar na sua mesa por volta de R$ 200,00.
Na vinícola Bouza, encontramos com
José Manuel Bouza, jovem engenheiro que faz parte da terceira geração da família de imigrantes da Galícia.
Tudo começou com seu avô, torneiro mecânico. Seu principal empreendimento ao chegar no país foi uma fábrica de massas, de olho na grande quantidade de imigrantes italianos que encontrara por ali. Suas pastas fizeram sucesso, o negócio cresceu e a família vendeu a
fábrica para um grupo internacional.
Com o dinheiro, abriram outra indústria, no ramo da panificação. Mais um negócio de sucesso, novamente comprado por uma multinacional e, em 1998 começa a aventura dos Bouza na vitivinicultura.
Apesar de terem 4 vinhedos em diferentes terroirs, os Bouza vinificam e armazenam seus vinhos nas instalações da região frutífera de Melila, bem próxima a Montevidéu.
De seus vinhedos, colhem Tannat,
Merlot, Chardonnay, as espanholas
Tempranillo e Albariño, além de Riesling e Pinot Noir.
Em cada canto da propriedade –uma antiga vinícola de 1942, adquirida pela família– fica clara a obsessão dos Bouza pelos detalhes que fazem a qualidade de seus vinhos: o cuidado com o manejo de cada planta, a colheita noturna, a seleção cacho por cacho e depois grão a grão, até que cheguem ao tanque de fermentação com a casca intacta para que não exista risco de contaminação.
Para experimentá-los, o local ideal é o Bouza Vinos Garage: um grande salão de degustação decorado com a coleção de automóveis e motos clássicas de Juan Bouza, pai de José Manoel. Um ambiente bem agradável, onde os visitantes podem fazer uma degustação de 4 vinhos, 1 branco e 3 tintos, acompanhados de deliciosas “tapas”.
Mas para degustar os vinhos Bouza em grande estilo, o melhor mesmo é sentar-se no restaurante logo ao lado e desfrutar da Experiência Bouza: um menu harmonizado de cinco pratos, sempre com 2 opções de escolha.
Ali, mais uma vez, os detalhes de qualidade saltam aos olhos: o atendimento é gentil e eficiente (nossa garçonete Anna
Mariluz –treinada por Eduardo Boído enólogo e sócio da Bouza– sabia tudo sobre os vinhos que servia), os pratos são preparados pelo chef Gonzalo Bentacur e o desfile de vinhos faz valer cada centavo pago pela experiência.
Dentre os brancos, o Riesling do vinhedo de Pan de Azúcar é levemente frisante e apresenta uma delicada mineralidade que o torna ainda mais refrescante. Já o Chardonnay dos vinhedos de
Las Violetas e Canelones tem um corpo equilibrado, herdado da fermentação de 50% de seu conteúdo em carvalho francês. E o Albariño, produzido com uvas de Las Violetas, Canelones e Melilla, entrega uma complexidade aromática que impressiona.
Na linha dos tintos, provamos 2 varietais: um Merlot muito suave e o
Tannat A6, de parcela única e taninos “quase” domados. Os destaques da degustação de tintos, certamente foram os cortes da uva Tannat: o Tempranillo/
Tannat ganhou leveza a ponto de harmonizar até com peixes como merluza ou bacalhau; o Merlot/Tannat ganhou corpo, cor e um agradável aroma vegetal e o “Monte Vide Eu”, que combina as 3 castas em diferentes proporções a cada safra, surpreendeu pela persistência.
Na sobremesa, a opção é o Riesling Colheita Tardia que, apesar de sua modesta doçura, consegue se fazer pre
sente na companhia dos dulcíssimos doces de leite uruguaios.
Destinam apenas 30% do volume produzido às exportações. E o pequeno quinhão brasileiro é da Decanter.
COLÔNIA DO SACRAMENTO E CARMELO
Nosso passeio por Carmelo começou na Campotinto, empreendimento enoturístico criado e mantido pelo empresário argentino do ramo imobiliário,
Diego Viganó.
Quem nos atendeu e convidou para que pernoitássemos na Campotinto foi
Veronique Castello, que comanda uma novíssima e confortável pousada de 12 quartos e um restaurante a la carte.
Ao lado de uma simpática e muito bem conservada igrejinha e Incrustada em meio aos vinhedos de Tannat,
Merlot, Viognier, Moscatel de Hamburgo e Ugny Blanc, a Pousada Campotinto é ponto estratégico para conhecer os vinhos e vinícolas de Carmelo.
A primeira safra da Campotinto se deu em 2012. Em nossa degustação, provamos 4 vinhos, iniciando com um intenso Viognier que surpreendeu muito positivamente. Passamos para o
Tannat/Merlot 2017 e o Tannat Gran
Reserva 2016.
A curiosidade da degustação foi o que chamam por lá de “Medio y Medio”, denominação de uma bebida local, nascida em um “bodegón” do porto de
Montevidéu, quando um cliente misturou vinho branco seco com espumante doce. O resultado é algo como “um vinho carbonatado demi-sec”.
E como o melhor sempre fica para o final, lá fomos nós provar a jóia da Campotinto: o Tannat Ícono XVI.
O XVI do nome indica a safra. O vinho estava ainda jovem, potente, com taninos um tanto rebeldes, mas com as características de um grande vinho de guarda. Apesar da tenra idade, foi com o que dele sobrou que harmonizamos nosso jantar no restaurante da pousada:
“milanesas con papas”.