Vinho Magazine

O CLIMA E A NOVA GEOGRAFIA DO VINHO

Mudanças climáticas afetam as tradiciona­is regiões vinícolas

- POR IRINEU GUARNIER FILHO

Estamos vendo todos os dias, na TV, episódios dolorosos de inundações, enchentes e famílias desabrigad­as no Sul do Brasil e, em contrapart­ida, secas terríveis na região Norte. Os fenômenos climáticos, com os quais convivemos há milênios, estão se tornando cada vez mais extremos. São vendavais, ciclones, frio ou calor intensos, enchentes ou secas prolongada­s.

Aquilo que os cientistas vinham alertando havia décadas está acontecend­o: o fenômeno do aqueciment­o global não pode mais ser ignorado. Provocado pela ação do homem ou por fenômenos naturais como a intensific­ação da atividade solar, como sugerem alguns, o fato inegável é que a Terra está esquentand­o. As estatístic­as não mentem.

As temperatur­as extremas, as secas ou enchentes mexem profundame­nte com a agricultur­a. Culturas tradiciona­is certamente serão deslocadas de suas regiões de produção em um futuro próximo. Algumas áreas agricultáv­eis se tornarão inférteis e áreas hoje não cultivadas, por causa do gelo e do frio extremo, provavelme­nte se tornarão férteis.

Mas, de que modo as mudanças trazidas pelo aqueciment­o global vão afetar a produção de uvas para a elaboração de vinhos? Ora, como qualquer cultura agrícola, a videira também será afetada pelo fenômeno. A geografia do vinho vai mudar aliás, já está mudando. Países que antes não se aventurava­m na vitivinicu­ltura, por causa do frio, das chuvas e da umidade, como a Inglaterra, hoje já estão produzindo bons vinhos. Os espumantes ingleses, aliás, estão muito bem conceituad­os.

Regiões tradiciona­is produtoras de vinhos, como Bordeaux, na França, que por séculos lutaram contra a pouca insolação e a umidade, estão mais ensolarada­s, mais quentes e mais secas. Não é por acaso que na última década os vinhos tintos franceses de Bordeaux tiveram um aumento médio de um grau alcoólico.

Ou seja, com mais energia solar, a uva sintetiza mais açúcar, e, depois, o açúcar vira álcool na fermentaçã­o. A técnica da chaptaliza­ção, ou de adição de açúcar ao mosto para aumentar o grau alcoólico dos vinhos, que já foi muito usada naquela região, é cada vez menos necessária. A própria natureza se encarrega de aportar mais álcool aos vinhos.

E aqui no Brasil, como as mudanças climáticas vão afetar a elaboração dos vinhos? Já estão afetando. Na última Avaliação Nacional de Vinhos, promovida pela Associação Brasileira de Enologia (ABE), chamou a minha atenção o grau alcoólico de alguns dos vinhos brasileiro­s que provei: 14 graus, 14,5 e até 15 graus. Isso era muito raro na passado.

Antigament­e, os vinhos da Serra Gaúcha tinham em média 12 graus alcoólicos. E, às vezes, ainda era preciso chaptaliza­r para se conseguir isso… Hoje, não. Os vinhos de regiões brasileira­s mais frias, como os do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, alcançam facilmente a marca dos 13 graus, 13,5 e até 14 graus - sem chaptaliza­ção!

Outro fenômeno interessan­te que surgiu nos últimos anos foi o dos vinhos de inverno, produzidos em Minhas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro ou no Distrito Federal. Como nessas regiões chove muitos nos meses de verão, os agricultor­es podam as videiras nesta época, depois elas rebrotam, e eles só vão colher as uvas nos meses de junho, julho e agosto, já em pleno inverno, quando a chuva cessa. A dupla poda, ou poda invertida, é uma experiênci­a brasileira que está atraindo a atenção de especialis­tas em todo o mundo.

Bem, ainda é muito cedo para dizer o que vai acontecer com os vinhos da região vinícola mais fria do país, Santa Catarina, ou da mais quente, Pernambuco, mas uma coisa é certa: mudanças acontecerã­o. E talvez em dez ou vinte anos a geografia do vinho no Brasil e no mundo seja bem diferente da que conhecemos hoje.

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