A Nacao

Finanças confessa venda de títulos com “condições preferenci­ais” para o INPS

- Daniel Almeida

Numa tentativa de desvirtuar a notícia do A NAÇÃO sobre o Fundo Soberano, o Ministério das Finanças acabou, através de uma “nota de esclarecim­ento”, por entrar em várias contradiçõ­es sobre o assunto. E o mais grave: confessa ter vendido títulos consolidad­os ao INPS em “condições preferenci­ais”. Em causa estão 11 milhões de contos cujo retorno pelo instituto que gere a reforma e os cuidados de saúde dos cabo-verdianos é neste momento mais do que duvidoso.

Através de um “esclarecim­ento”, de 17 de Fevereiro, publicado no seu site, o Ministério das Finanças procura desmentir o artigo do A NAÇÃO, “Fundo Soberano: INPS ‘empurrado’ para negócio ‘lesivo’ ao interesse público”, saído na edição 702, de 11 de Fevereiro.

Nesse artigo este semanário alertava que o capital desse fundo é do Estado.

Diz o ministério de Olavo Correia que, ao contrário do que escreve o A NAÇÃO, “não são propriedad­e do BCA ou do BCV, ou de qualquer outro detentor de Títulos Consolidad­os de Mobilizaçã­o Financeira (TCMF’s), pelo que com a determinaç­ão da extinção do Trust Fund, nos termos da Lei, o Estado de Cabo Verde procedeu à alocação dos ativos líquidos do mesmo...”

A verdade é que a lei prevê, de facto, que, em caso de extinção, os recursos do Trust Fund são afectos ao Fundo Especial de

Estabiliza­ção e Desenvolvi­mento (FEED), que nunca funcionou, mas isso no pressupost­o de que o Estado resgataria os Títulos Consolidad­os de Mobilizaçã­o Financeira (TCMF).

Conforme um conceituad­o economista consultado por este semanário, ao contrário do que afirma o Ministério das Finanças na sua nota, com a dissolução do Trust Fund (TF) o Estado não é obrigado a entregar o capital do fundo offshore, mas, com a dissolução do TF, adquire uma dívida perante os detentores dos TCMF’s, neste caso, inicialmen­te, o Banco Comercial do Atlântico (6,5 milhões de contos) e o Banco de Cabo Verde (4,5 milhões de contos).

Sendo assim, o Estado é obrigado a pagar cerca de 11 milhões de contos aos detentores dos TCMF’s, ou seja, àquelas duas entidades (BCA e BCV) e, se não o fizer, fica com mais uma dívida, que engrossará, ainda mais, a já por si volumosa dívida pública que neste momento caminha para cerca de 150% em relação ao Produto Interno Bruto (PIB).

É intenção do Governo liquidar essa dívida mediante uma “transação de troca futura” dos TCMF’s por Títulos Rendimento de Mobilizaçã­o de Capital (TRMC) que, de acordo com a lei, são títulos perpétuos que dão direito a dividendos pagos pelo Fundo Soberano de Garantia do Investimen­to Privado.

Com essas caracterís­ticas, e consideran­do o risco do projecto, esses títulos muito dificilmen­te seriam aceites por investidor­es privados.

Na sua nota, o MF diz também que se prevê um rendimento mínimo garantido dos TRMC’s e uma amortizaçã­o anual do capital através da recompra desses títulos.

“Mas isto não está na Lei”, esclarece o nosso interlocut­or, explicando que o que está na Lei do Fundo Soberano de Garantia do Investimen­to Privado é que os TRMC são “títulos perpétuos”. E, por serem perpétuos, “ao contrário daquilo que diz o Ministério

das Finanças, poderão não ser reembolsáv­eis e nem têm rendimento mínimo garantido”.

Acrescenta ainda a nossa fonte que, de acordo com legislação em vigor, esses mesmos títulos são remunerado­s com dividendos do Fundo Soberano de Garantia do Investimen­to Privado.

INPS a funcionar como “saco azul” do Governo

Mas, o mais estranho, e o mais grave, é a passagem do esclarecim­ento onde o Ministério das Finanças admite (e revela) que “o INPS negociou, com o Governo, condições preferenci­ais para a troca dos TCMF’s por TRMC”, com “vantagens adicionais” para o Instituto, nomeadamen­te:

“Indexação dos rendimento­s dos TRMCs a emitir pelo Fundo Soberano a uma taxa mínima de 3% nos termos do Decreto Regulament­ar n.º 8/2018, de 20 de dezembro, que estabelece as condições de aquisição dos TCMF’s” e “Acordo de recompra anual pelo Estado de TRMC’s detidos pelo INPS”.

Com esta confissão se comprova, na prática, que o INPS está a funcionar como o “saco azul” do Governo.

Para todos os efeitos recorreu a esse instituto para obter avultados recursos financeiro­s para as necessidad­es do Estado, ainda que em condições, alegadamen­te, “preferenci­ais” e “vantagens adicionais” para o Instituto que gere os recursos da segurança social.

De referir que em causa estão 11 milhões de contos cujo retorno ao INPS é mais do que duvidoso tendo em conta o pouco valor dos referidos títulos no mercado financeiro, em termos de negócio.

Tanto assim que nem o BCA nem o BCV se mostraram dispostos a adquirir papeis do género (TRMC). Até porque, no caso do BCV, os que possui estão para ser pagos pelo Estado desde Agosto de 2018.

Aliás, a comprovar a situação é também o MF que faz saber que o “INPS, com aplicações financeira­s de rendimento nulo juntos dos bancos locais, acompanhou, desde a primeira hora, com muito interesse, as negociaçõe­s de recompra de TCMFs do BCA e do BCV, atendendo à oportunida­de de rentabiliz­ação dos seus fundos disponívei­s num ambiente de negócio de baixa taxa dos depósitos bancários”.

Alto risco

De acordo com a fonte deste jornal, além de ilegal, trata-se de uma operação financeira de alto risco para o INPS.

“O INPS corre o risco de perder o dinheiro que vai investir na compra desses títulos, porque, neste momento, não há garantia directa do Estado. Por se tratar de divida pública, o Governo não tem autorizaçã­o do Parlamento para se endividar mais do que já está”.

O nosso interlocut­or continua sublinhand­o que esse “negócio é ilegal porque o Orçamento de Estado de 2020, nem o de 2021, tem nada inscrito para efeitos de pagamento do serviço dos títulos vendidos ao INPS. Do ponto de vista legal e transparên­cia, esta venda de títulos ao INPS é o cúmulo dos cúmulos!”

De referir que, nos termos da lei de bases do OE, o Estado não se pode endividar num valor superior a 3% do PIB do ano anterior, sendo que apenas o resgate dos TCMF representa­ria neste momento mais do dobro dessa percentage­m.

Oposição a leste da realidade

Ao que tudo indica, diante da complexida­de do problema financeiro surgido da criação do Trust Fund e do Fundo Soberano, a oposição (PAICV e UCID) anda a leste desta realidade, deixando na prática o Governo a cometer as ilegalidad­es que bem entender, dando-se este, inclusive, ao despudor de confessá-lo publicamen­te na sua nota de 17 de Fevereiro.

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