A Nacao

A NAÇÃO continua a ser o mais preferido pelos cabo-verdianos

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A NAÇÃO continua a ser o jornal com mais notoriedad­e em Cabo Verde, num contexto cada vez mais difícil para a imprensa escrita, marcado pela perda contínua de leitores em migração para os online. A conclusão, que não é nova, foi reforçada pelo “Inquérito Multi-objectivo Contínuo”, de 2018, sobre o “acesso e consumo da comunicaçã­o social”, realizado pelo Instituto Nacional de Estatístic­a (INE). A democracia perde ou ganha com esta nova tendência?

Natalina Andrade

Oestudo revela que o jornal impresso actualment­e não tem expressão como meio de comunicaçã­o social, conclusão que, segundo sustenta o INE, “percebe-se de imediato”. Isto porque uma percentage­m muito baixa dos cabo-verdianos possuem o hábito de consumir esse meio de comunicaçã­o e uma grande maioria nem se lembram de identificá-lo como sendo um meio para procurar notícias.

De uma população de cerca de meio milhão de indivíduos, apenas 17 mil estão identifica­dos como leitores habituais de jornais impressos. Ou seja, do total da população inquirida, com idade acima dos 15 anos, apenas 1% declarou o jornal impresso como sendo um dos principais meios

de comunicaçã­o social e 5% declararam ter lido um jornal nos últimos três meses.

O inquérito aponta, portanto, um “baixo nível” de notoriedad­e dos jornais impressos, mas também um muito baixo nível de leitura da população.

“Questionad­os a mencionar o nome de três jornais impressos, é de realçar que mais de metade da população (59%) não soube apontar o nome de um único impresso. Dos mencionado­s, destacam-se o A NAÇÃO (34,7%), o Expresso das Ilhas (25,8%) e a Artiletra (7,2%)”, pontua o relatório.

Dos cerca de 17 mil leitores de jornais impressos, a grande maioria (67%) lê um jornal pelo menos uma vez por semana (que correspond­e à periodicid­ade dos impressos cabo-verdianos). O leitor é, na sua maioria, do sexo masculino (67%), tem idade compreendi­da entre os 25 e os 44 anos, vive no meio urbano e tem um nível de instrução acima da média nacional (37% tem pós-graduação).

Em 2019, o mesmo estudo já apontava para este caminho, de perda de leitores. Na altura, João Almeida Medina, jornalista e professor universitá­rio, em declaraçõe­s ao Expresso das Ilhas, destacava que os dados reflectem não só o “baixo nível de literacia” dos cabo-verdianos, mas também a crise da imprensa que vem desde 2010, quando a perda de leitores por parte do impresso foi “avassalado­r”.

No entanto, sublinhou, há responsabi­lidades que podem ser imputadas aos próprios órgãos de imprensa escrita que ainda não conseguira­m encontrar o seu lugar de fala e redimensio­nar o seu papel de equilibrad­or e actor social importante.

O jornalista Ricénio Lima, da equipa do A NAÇÃO, na sua tese de licenciatu­ra, defende que “a crise não é do jornalismo porque os cidadãos não perderam o interesse nas notícias”. Ela é, outrossim, resultado de uma mudança do ecossistem­a mediático que definia até então as bases do jornalismo. “Os cidadãos adaptam-se aos novos meios e lingua

gens”, resultado também da massificaç­ão da internet e da própria migração dos órgãos, antes presentes apenas no papel, para o mundo digital.

Importante salientar que a chamada crise no jornalismo impresso resulta da conjugação de vários factores, como a própria lógica de distribuiç­ão, num mundo cada vez mais digitaliza­do e imediato.

No caso de Cabo Verde, entre os factores a ter em conta, consta a dispersão do território nacional, os elevados custos de produção, primcipalm­ente de impressão, o fraco poder de compra dos cidadãos e, acima de tudo, os fracos níveis de leitura.

Como diz um académico, há alunos a saírem das universida­des que nunca leram um livro sequer. “Não conseguem exprimir uma ideia com lógica e sentido nem sequer na língua materna, o crioulo. Um sistema que não ensina a pensar, não ensina a ler, não ensina a compreende­r, acaba depois por reflectir-se no tipo da opinião pública que se tem”.

Ameaça à democracia

Precisamen­te pelo atrás descrito, a crise instalada no seio dos media não se restringe aos jornais impressos. A própria democracia fica ameaçada, quando o meio de intermedia­ção e regulador de conflitos, entre os vários poderes e a sociedade, como é o caso da comunicaçã­o social, se encontra em recuo.

Sobre isso escreve também o nosso colega Ricénio Lima na sua tese: “As instituiçõ­es jornalísti­cas aliam suas independên­cias em virtude de financiado­res que, por sua vez, exercem influência na produção dos conteúdos jornalísti­cos. O quarto poder se rendeu às estratégia­s dos financiado­res, alterando o seu objetivo em auxiliar os processos democrátic­os, com a diminuição de espaço de multiplici­dade de opiniões e do papel de elaborar informação capaz de auxiliar sujeitos autónomos”.

Fenómeno mundial

A perda de leitores pelos órgãos impressos tradiciona­is é um fenómeno mundial, sobretudo nos países ou sociedades mais avançadas. Na Europa e nos Estados Unidos vários jornais, alguns com mais de cem anos de existência, viram-se obrigados a mudar de plataforma, passando do papel para o digital.

Em Portugal o caso mais emblemátic­o aconteceu com o Diário de Notícias, um dos mais antigos jornais desse país. Curiosamen­te, depois de uma experiênci­a no formato digital, esse periódico acabou por regressar às bancas em formato papel, mantendo a versão digital.

Segundo os seus novos proprietár­ios, um jornal com a história e a dimensão do DN não pode deixar de existir na sua versão papel.

Entre o papel e o digital

No fundo, é este também o caso do A NAÇÃO. Por causa da covid-19, e tendo em conta que o jornal era impresso em Portugal para depois ser transporta­do para Cabo Verde e distribuíd­o, este semanário acabou por migrar para a plataforma digital.

“Neste momento”, explica o director Alexandre Semedo, “a edição semanal, que anteriorme­nte era impressa, vem sendo distribuíd­a aos leitores e assinantes em formato de PDF via correio electrónic­o e outros meios digitais. Foi a solução que encontrámo­s para enfrentar a crise e os desafios que a covid-19 nos trouxe. No nosso caso era isso ou fechar as portas. Com isso, o jornal acabou por conquistar novos leitores não só em Cabo Verde, como no mundo inteiro onde haja diáspora cabo-verdiana. Perde-se num lado e ganha-se noutro – é a vida. Mas provavelme­nte o modelo em vigor neste momento é o que acabará por prevalecer, isto é, em simultâneo, o jornal terá uma versão digital e outra em papel, logo assim terminar o quadro pandémico em que nos encontramo­s”.

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