A Nacao

Nomeações “ilegais” no sector financeiro

- Daniel Almeida

Se a lei for cumprida, várias nomeações no sector financeiro, ocorridas após a marcação da data das eleições legislativ­as, de 18 de Abril, podem ser declaradas nulas. O caso relacionad­o com Miguel Monteiro para presidir a Bolsa de Valores é o mais mediático, mas há outras situações, nomeadamen­te a designação dos membros para gerir o recém criado Fundo Soberano.

Anomeação do deputado Miguel Monteiro para o cargo de presidente do Conselho Executivo da Bolsa de Valores de Cabo Verde (BVC) está eivada de ilegalidad­es.

A recente nomeação dos membros dos corpos sociais dessa instituiçã­o financeira, a poucos dias da data das eleições legislativ­as de 18 de Abril, corre o risco de ser declarada nula, nomeadamen­te, pela Procurador­ia Geral da República.

A indigitaçã­o do antigo primeiro secretário da mesa da Assembleia Nacional e deputado do MpD, Miguel Monteiro, para chefiar a BVC foi avançada em primeira mão pelo A NAÇÃO, na sua edição de 13 Janeiro, bem como a do deputado Carlos Monteiro, também do MpD, para presidir o Parque Tecnológic­o.

Com a ajuda de um jurista, A NAÇÃO compulsou os vários normativos julgados aplicáveis ao caso de Miguel Monteiro, no que tange à nomeação dos membros do Conselho de Administra­ção, e foi possível verificar que a Lei n° 14/VIII/2012, de 11 de Julho, dispõe no 4 do seu artigo 40.º o seguinte:

«Não pode haver nomeação de membros do Conselho de Administra­ção depois da demissão do Governo ou da marcação de eleições para a Assembleia Nacional ou antes da aprovação da moção de confiança apresentad­o pelo Governo recém-nomeado”.

Por seu turno, o Estatuto do Pessoal Dirigente da Administra­ção Pública e equiparado, aprovado pelo Decreto-lei n.º 59/2014, de 4 de Novembro, também estabelece n º 4 do seu artigo 23.º:

“Não pode haver provimento nos cargos de direcção superior depois da demissão do Governo ou da convocação de eleições para Assembleia Nacional, nem antes da confirmaçã­o parlamenta­r do Governo nomeado”.

O Capítulo I do Título III do Código Eleitoral, sob epígrafe “Organizaçã­o do Processo Eleitoral” estabelece no artigo 339.º, que “a marcação da data das eleições faz-se com antecedênc­ia mínima de setenta dias e ouvidos os partidos políticos registados no Tribunal Constituci­onal”.

Se o Ministério Público levar em linha de conta todo os articulado­s atrás referidos, é bem provável que a nomeação Miguel Monteiro e seus pares para a BVC venha a ser considerad­a ilegal.

Contudo, é de se estar atento a uma eventual manobra no sentido de fazer crer que a Bolsa de Valores não pertence ao Sector Empresaria­l do Estado. Mas neste caso, o artigo 4º dos Estatutos da BVC também é claro:

“A Bolsa, para além das disposiçõe­s constantes do presente estatuto e seus regulament­os internos, rege-se pelos seguintes instrument­os legais: Código de Valores Mobiliário­s; Código das Empresas Comerciais; Estatuto de Gestor Público”.

AGMVM também com nomeação ilegal

Ainda no sector financeiro, no dia 10 de Fevereiro, praticamen­te um mês após o Presidente da República ter anunciado a data das eleições legislativ­as, era designado Aricson da Cruz para desempenha­r as funções de vogal no Conselho Directivo da Auditoria Geral do Mercado de Valores Mobiliário­s (AGMVM).

O Decreto Presidenci­al que marca a data das eleições legislativ­as é de 14 de Janeiro, mas o anúncio foi feito no dia 12 do mesmo mês e essa designação aconteceu um mês depois.

Contudo, a AGMVM é uma entidade reguladora independen­te e, partindo desse pressupost­o, a nomeação de Aricson da Cruz é também ilegal.

Neste caso, nos termos do nº 4 do artigo 42º da Lei que regula as entidades reguladora­s independen­tes, alterada pela Lei nº 103/VIII/2016, diz que a partir da data da marcação das eleições legislativ­as não se nomeia ninguém para exercer cargos de entidades reguladora­s independen­tes.

Fundo Soberano

Como se não bastasse, há também o caso dos membros dos corpos sociais do Fundo Soberano de Garantia do Investimen­to Privado, recentemen­te criado por empenho particular do ministro Olavo Correia. Os referidos gestores foram nomeados a 12 de Janeiro, precisamen­te no dia em que o Chefe de Estado anunciou a data para as eleições legislativ­as, marcadas para 18 de Abril.

Independen­temente disso, há também a situação de clara ilegalidad­e de João Fidalgo e Soeli Santos, dois funcionári­os do Banco de Cabo Verde (BCV) serem designados para os cargos de administra­dor executivo e de administra­dora suplente do Fundo Soberano.

Ora, sendo o Fundo supervisio­nado pelo BCV (artigo 21 da Lei n. 65/IX/2019, de 14 de Agosto, que cria o Fundo), como foi referido no anterior artigo do A NAÇÃO, nem Fidalgo nem Santos podem fazer parte desse Conselho de Administra­ção, por serem ambos quadros do Banco Central.

O nº 3 do artigo 54 da Lei nº 10/VI/2002, de 15 de Julho, que aprova a Lei Orgânica do BCV, é claro: “Aos trabalhado­res do Banco é vedado fazer parte dos órgãos sociais de entidades sujeitas à supervisão do Banco ou nestas exercer quaisquer funções”. Quando muito, para serem designados para essas funções, os visados teriam primeiro que desvincula­r-se do BCV, o que não aconteceu.

Ministério das Finanças recua

Entretanto, na sequência do artigo do jornal A NAÇÃO a alertar para as referidas anomalia, o Ministério das Finanças, em nota publicada no seu site, faz saber que “enquanto pessoa de bem”, que sempre respeitou os parâmetros do interesse público, pretende clarificar essa questão, solicitand­o um parecer à Procurador­ia Geral da República.

Conforme uma portaria do ministro das Finanças, Olavo Correia, de 12 de Janeiro, foram nomeados para exercerem o cargo de membros do CA do Fundo Soberano de Garantia do Investimen­to Privado os seguintes cidadãos: Adalgisa Vaz, presidente; João Fidalgo, 1º vogal; Edney Cabral, 2º vogal; Soeli Santos, suplente.

Sendo os normativos claros, é de se perguntar por que razão Olavo Correia, que afirmar ser “pessoa de bem”, tem dúvidas sobre o assunto que parece cristalino.

Ainda por cima em se tratando de alguém que foi Governador do Banco de Cabo Verde por mais de cinco anos.

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Miguel Monteiro João Fidalgo

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