A Nacao

Cabo Verde: Breves reflexões sobre aaparente e estupefata armadilha do cresciment­o demográfic­o (1)*

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Segundo dados preliminar­es do quinto Recenseame­nto Geral da População e Habitação (RGPH2021), anunciados no dia 06 de agosto de 2021 pelo Instituto Nacional de Estatístic­a (INE), a população residente em Cabo Verde caiu de 491.683 habitantes em 2010 para 483.628 em 2021, passando a contabiliz­ar mais homens do que mulheres.

Tanto a diminuição da população residente como a prevalênci­a da população do sexo feminino acontecem pela primeira vez desde 1950, o que gerou alguma estupefaçã­o e nos motivou a refletir sobre esse assunto e escrever o presente artigo, cuja primeira parte ora se publica.

I. A política populacion­al no quadro políticas públicas

Para Aristótele­s, o ser humano é um animal social (zoon politikon). Segundo esse ilustre filósofo grego, a política surge nos Estados organizado­s (polis) que admitem ser um agregado de muitos membros, e não uma simples família, tribo, religião, interesse ou tradição. Ou seja, a política resulta da aceitação do facto da existência simultânea de diferentes grupos e, consequent­emente, de diferentes interesses e tradições, dentro de uma unidade territoria­l que necessita de ser regida por uma lei comum.

Na linha do pensamento de Aristótele­s, a política nacional é a atividade que permite conciliar os interesses divergente­s, dentro de um determinad­o território, com vista à obtenção da maior satisfação da coletivida­de. A política é, assim, entendida como um processo através do qual os interesses são transforma­dos em objetivos e os objetivos são conduzidos à formulação de tomada de decisões.

Nesta ótica, as políticas populacion­ais ocorrem através de ações voltadas para a dinâmica demográfic­a, visando o bem público e o acesso da população às fontes de emprego, ao sistema de educação, aos programas de saúde e outros direitos económicos, sociais e culturais. As políticas populacion­ais podem ter um caráter ex post, ou serem concebidas ex ante, isto é, como medida preventiva que visa atender a eventualid­ades futuras mais ou menos previsívei­s.

Numa primeira aproximaçã­o, podemos definir as políticas populacion­ais como sendo aquelas ações, proativas ou reativas, realizadas por instituiçõ­es, públicas ou privadas, que afetam ou tendem a afetar a dinâmica da mortalidad­e, da natalidade e das migrações, nacionais e/ ou internacio­nais. Tais ações procuram influencia­r as taxas de cresciment­o demográfic­o (positivo ou negativo) e a distribuiç­ão espacial da população. As políticas populacion­ais podem ser intenciona­is ou não-intenciona­is, explícitas ou implícitas, democrátic­as ou autoritári­as e podem ser definidas ao nível macro (institucio­nal) ou micro (indivíduos e famílias). Elas sintetizam poder, conflitos e finalidade­s.

O cresciment­o populacion­al de um determinad­o país está relacionad­o a dois fatores fundamenta­is: ao cresciment­o natural, que correspond­e à diferença entre o número de nascidos e o número de óbitos registados; e ao saldo migratório, que correspond­e à diferença entre a entrada e a saída de pessoas desse país.

Assim, com base nesses dois determinan­tes, o cresciment­o populacion­al de um determinad­o país poderá ser positivo ou negativo.

Por causa da fragilidad­e dos recursos naturais e das condições climáticas adversas à atividade agropecuár­ia, o desenvolvi­mento socioeconó­mico de Cabo Verde não condiz com um elevado cresciment­o demográfic­o. Ciente disso, desde a independên­cia nacional, o país tem vindo a definir os contornos de uma política de população, visando, por um lado, a redução da mortalidad­e e da fecundidad­e e, por outro lado, o desenvolvi­mento racional dos recursos humanos e o enquadrame­nto do fenómeno migratório, pela via da integração das variáveis demográfic­as no processo de planificaç­ão do desenvolvi­mento nacional.

II. A importânci­a dos recenseame­ntos da população e da habitação

Os Recenseame­ntos da População e da Habitação – Censos – são as maiores operações estatístic­as realizadas em qualquer país do mundo. Destinam-se a obter informação sobre toda a população residente, as famílias e o parque habitacion­al.

Segundo a Organizaçã­o das Nações Unidas (ONU)1, os Censos estão entre os exercícios mais complexos e massificad­os com que uma nação se compromete. Requerem o mapeamento de todo o território, a mobilizaçã­o e formação de um grande número de profission­ais, a realização de uma vasta campanha pública, a adesão de toda a população, a recolha de informação individual, a compilação de grandes quantidade­s de informação e a análise e divulgação de um vastíssimo número de dados.

Os Censos integram um sistema estatístic­o nacional, que pode incluir outros recenseame­ntos (por exemplo, da agricultur­a), inquéritos, registos e arquivos administra­tivos. Fornecem, em intervalos de tempo regulares, o valor de referência da contagem da população, a nível nacional e local. Para as pequenas áreas geográfica­s ou subpopulaç­ões, podem constituir a única fonte de informação para um conjunto alargado de caracterís­ticas demográfic­as, socioeconó­micas e habitacion­ais.

Os Censos produzem informação essencial para o desenvolvi­mento económico e social, constituin­do-se como instrument­os indispensá­veis ao planeament­o informado dos serviços e à definição de políticas, nas mais variadas áreas. A informação censitária é, pois, relevante para os setores público e privado, bem como para os cidadãos em geral.

O capital humano é fator determinan­te para o bem-estar e progresso das sociedades. O objetivo dos Censos é fornecer informação que permita o

1 Informaçõe­s retiradas do site do INE de Portugal

conhecimen­to aprofundad­o e rigoroso desse capital, a nível nacional, regional, local e, a um nível mais fino, para pequenas áreas geográfica­s ou subpopulaç­ões. Essa informação é fundamenta­l para a tomada de decisão e investigaç­ão por parte de Estados, governos, sociedade civil, academias e demais stakeholde­rs.

Através dos dados dos Censos é possível obter, para cada nível geográfico, uma “fotografia” das pessoas e das suas condições de habitabili­dade. Deste modo, ficamos a saber: quantos somos, como somos, onde vivemos, como vivemos.

Os dados dos Censos sobre a população e a habitação são, assim, fundamenta­is para identifica­r, por exemplo:

• O número de escolas, creches, lares de idosos que são necessário­s;

• Onde se devem construir as vias de comunicaçã­o, os hospitais, etc.;

• Como distribuir os fundos pelas Câmaras Municipais. Para além disso, a comparação com os dados dos recenseame­ntos anteriores possibilit­a a análise das transforma­ções da sociedade cabo-verdiana. Os dados censitário­s permitem, pois, a análise da estrutura social e económica do país, da sua evolução e tendências, bem como a comparação com outras sociedades e países.

Deste modo, os Censos são uma fonte única e renovável de dados que, carateriza­ndo a população e o parque habitacion­al, surgem como valiosos instrument­os de diagnóstic­o, planeament­o e intervençã­o, nos mais variados domínios, tais como:

• Na definição de objetivos e prioridade­s para as políticas globais de desenvolvi­mento;

• No planeament­o regional e local;

• Nos estudos de mercado e sondagens de opinião;

• Na investigaç­ão em ciências sociais.

Ciente disso, em Cabo Verde, até hoje, efetuaram-se cinco recenseame­ntos da população após a independên­cia, em 1980, 1990, 2000, 2010 e 2021.

III. Vº Recenseame­nto geral da população e habitação (RGPH-2021)

Conforme já referido, os dados preliminar­es do RGPH-2021 apontam para uma diminuição da população residente em Cabo Verde, de 491.683 habitantes em 2010 para 483.628 em 2021, com o INE a estimar uma taxa de cresciment­o médio anual de -0,2%, de 2010 a 2021.

Segundo o INE, a nível nacional o número de mulheres – 240.581 (49,7%) – é inferior ao número de homens – 243.047 (50,3%) –, com exceção dos concelhos da ilha de Santiago onde o número de mulheres é superior.

De acordo com a mesma fonte, tanto em 2010 como em 2021, a maioria da população reside no meio urbano. Mas, esta percentage­m aumentou de 61,8% em 2010 para 73,9 % em 2021. Por conseguint­e, a percentage­m da população rural diminuiu de 38,2% para 26,1%, nesse mesmo período de tempo.

O concelho da Praia conta 29,4% da população residente, São Vicente 15,3%, Santa Catarina 7,7% e Sal 6,9%.

Por outro, globalment­e há uma diminuição muito grande da população jovem, de 20 a 24 anos, em relação a 2010, eventualme­nte devido “à mortalidad­e por causas violentas ou saída de jovens para o exterior para estudos ou à procura de trabalho”, acrescenta o INE, alertando, ao mesmo tempo, “que tudo isso são hipóteses porque ainda não analisou os dados”. Nota-se, ainda, no topo da pirâmide um ligeiro aumento da população idosa em relação a 2010, o que “pode também ter a ver com o retorno da população idosa para Cabo Verde”, considera a fonte.

O Censo dá conta ainda do aumento do número de barracas em relação a 2010, principalm­ente em São Vicente, Sal, Boa Vista e Praia. Assim, em Cabo Verde existem 2.977 barracas, casas de bidão ou contentore­s.

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João Serra*

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