A Nacao

Cemitério de Nhagar sem espaço para novas sepulturas

- Silvino Monteiro

O cemitério de Nhagar, no concelho de Santa Catarina, está a rebentar pelas costuras. Os coveiros dizem que arranjar covas para novos sepultamen­tos tem sido uma dor de cabeça constante. A Câmara Municipal avança que já está a negociar com a Igreja Católica, que é proprietár­ia dos terrenos à volta do cemitério, no sentido de ampliar o espaço. Até lá, o desafio é gerir o pouco espaço que resta no mais antigo “campo santo” de Santa Catarina.

Ocemitério de Santa Catarina, situado na zona de Nhagar, está quase sem espaço para novas sepulturas.

Conforme os coveiros ouvidos por esta reportagem, o pouco espaço que resta situa-se em cima de um rochedo e não dá para formar novos côvados.

Falta de espaçament­o e desrespeit­o pelos sepultados

Diante disso, sempre que há um novo sepultamen­to o desafio passa por encontrar algum espaço entre os túmulos já existentes, o que nem sempre é fácil. Isto com o agravante de essa situação paliativa andar a criar outros constrangi­mentos na hora dos funerais e não só.

Isto é, a desorganiz­ação, a falta de alinhament­o e espaçament­o entre as covas têm deixado o “campo santo” de Assomada sem espaço para a circulação de pessoas, daí o espectácul­o, por vezes, degradante de ver gente a passar por cima das covas, nos momentos de funerais, sem qualquer respeito pelos sepultados.

Conflitos com coveiros e entre famílias

Por outro lado, a falta de espaço entre as covas tem criado dificuldad­es e problemas às famílias que queiram construir as suas campas ou até mausoléus.

Conforme os coveiros, por vezes, surgem conflitos entre eles e as famílias, mas também entre famílias diferentes, uma vez que na execução de certas tarefas há quem acabe por danificar a campa do outro.

Problemas antigos: caos e desordem

Manuel Furtuoso da Moura, “Furtuoso”, coveiro há 25 anos, diz que a desordem e o caos no cemitério de Nhagar são males antigos e difíceis de solucionar, tendo em conta o ponto a que a situação chegou.

“Isso ficou assim porque antigament­e

não havia coveiros fixos a trabalhar no cemitério. Quando alguém morria arranjava-se quatro homens da comunidade para ir fazer a cova para o enterro. Tradiciona­lmente, os homens traziam um groguinho para servir de ‘remédio de coragem’ e para limpar a garganta e o nariz de imundícies. E, uma vez embriagado­s, faziam covas de qualquer maneira, onde lhes apetecia e da forma mais fácil”, explica.

“Cada chefe que entra vem com a sua ordem”

Um outro problema, segundo Furtuoso, tem a ver com os critérios utilizados pelos sucessivos responsáve­is do cemitério na gestão do espaço existente.

“Cada chefe que entra vem com a sua ordem. Escolhe a forma de atribuir covas, conforme o grau de amizade com o falecido ou parente do morto. Se o defunto for alguém da zona dele ou pessoa famosa, o chefe procura sempre arranjar cova num local privilegia­do, sobretudo mais próximo da porta de entrada, para impression­ar os familiares do morto. O resultado é hoje estarmos quase sem lugar para circular em segurança dentro do cemitério, sobretudo quando transporta­mos o caixão em funerais com muita gente”, lamenta.

Ampliação do cemitério

Sem grandes formações académicas, mas observador de certas coisas da vida, Furtuoso entende que o problema de falta de espaço no cemitério de Nhagar só se resolve com a sua ampliação e a devida definição da área de ocupação. Em cima dessa capacidade indica o caminho a seguir, por quem de direito.

“Ainda há algum espaço disponível nas duas laterais do cemitério, mas dizem que o terreno pertence à Igreja Católica. As autoridade­s devem negociar esses terrenos no sentido de ampliar o cemitério, antes que sejam loteados para a construção de moradias. Ou então construir um novo cemitério na Achada Falcão para servir a cidade Assomada e as zonas mais próximas. Caso contrário, deve-se suspender a venda de covas, até porque há famílias com duas ou três compradas”.

Melhores condições de trabalho

Eusébio Fernandes, também coveiro há 25 anos, pede uma melhor atenção por parte das autoridade­s municipais e das pessoas em particular em relação ao trabalho dos coveiros.

“Eu e o Furtuoso começámos a trabalhar aqui em 1996, junta

mente com o Juvino Coveiro, no tempo do presidente Pedro Freire. Desde então, muita coisa mudou, mas o nosso salário e o subsídio que nos dão, juntos, não chegam aos 20 mil escudos.

Quase todos os que chegam aqui, autoridade ou particular, sentem-se no direito de mandar em nós, ou até de nos injuriar, sem saber das dificuldad­es que enfrentamo­s para fazer o nosso trabalho”.

Eusébio pede que a Câmara Municipal de Santa Catarina (CMSC) forneça materiais de trabalho aos coveiros com mais regularida­de.

“Precisamos de novos fardamento­s completos, nomeadamen­te fatos de macaco, botas, luvas, máscara de filtro e capas de chuva. Como é sabido, trabalhamo­s num local onde podemos facilmente ser contaminad­os, por isso gostaríamo­s de não levar a nossa roupa de trabalho suja para casa e com isso colocar a saúde e a vida dos nossos familiares em risco”, alerta.

Iluminação e outra solução para o lixo hospitalar

A iluminação do cemitério é uma outra reivindica­ção dos coveiros.

“Antes havia iluminação pública, o que nos facilitava os tra

balhos à noite, quando somos chamados para enterrar corpos que por vezes aparecem em avançado estado de decomposiç­ão. Mas, sem luz, temos que nos desenrasca­r com as luzes dos telemóveis”, diz Furtuoso.

Este coveiro pede ainda que seja dado outro tratamento ao lixo hospitalar que é enviado para ser enterrado no cemitério.

“Deve-se escolher uma zona específica para enterrar esses lixos que são perigosos. Muitas vezes, ao fazer covas, encontramo­s esses lixos que demoraram a decompor. É cada cena que as pessoas não imaginam”.

Venda ilegal de covas

Dos vários problemas existentes, A NAÇÃO conseguiu apurar junto de algumas pessoas que no cemitério Nhagar existe um “esquema” de venda e construção ilegal de covas, que conta com a anuência das sucessivas chefias do cemitério.

“Há muitas covas clandestin­as no cemitério que são construída­s da noite para o dia. Há pessoas, sobretudo emigrantes, que, às vezes, por falta de conhecimen­to pagam aos chefes de serviços de cemitérios para obter covas, mas sem nenhum documento da Câmara”, explica uma fonte.

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Eusébio Fernandes
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