A Nacao

Um Presidente... e um Primeiro-ministro na corda-bamba

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A posse de José Maria Neves, na próxima semana, como Presidente da República, acontece num momento de alguma tensão política no interior do partido do governo, fruto da forma como o sistema do MpD está a digerir a derrota do seu candidato presidenci­al, Carlos Veiga.

A demissão “irreversív­el” de Paulo Veiga, do Governo, a que se acrescenta­m os desabafos soltos ou em cadeia, com sabor a mau-perder de alguns desses senhores, coloca Ulisses Correia e Silva numa situação de fio da navalha a nível do Parlamento.

Se a aprovação do Programa do Governo já aconteceu num quadro um tanto ou quanto anómalo, com a UCID a ter que “socorrer” um UCS muito agradecido a António Monteiro, o aumento da “reticência” interna, nomeadamen­te de Orlando Dias, Emanuel Barbosa, Luís Carlos Silva e, agora, de Paulo Veiga, não auspicia nada de bom e saudável ao nosso pobre PM. Ainda por mais, neste momento difícil em que o país se encontra, em termos sociais e económicos, devido aos estragos da Covid-19, mas também por razões outras que não vale a pena aqui abordar.

Olavo Correia, o bode expiatório dos veiguistas inconsolad­os, já não parece ter mais coelhos a tirar da sua cartola de mago. Hoje em dia, a cada aparição sua, fica-se logo com o coração na boca. Ao custo de vida que não para de subir ele apenas contrapõe que não há como aumentar os salários. Ou seja, longe vai o tempo do “dinheiro que não mais acaba” ou, então, do mestre da autoajuda e autoconfia­nça que ele parecia ser, ao ponto de quase me convencer que temos condições para sermos mais desenvolvi­dos que Portugal. Portugal, este, que ele, Olavo, deve estar a suplicar pelo adiamento da cobrança da nossa dívida para com esse país credor.

Trocando em miúdos para quem ainda não percebeu, a fragilizaç­ão de UCS, que vem desde que Austelino Correia desafiou a direcção do MpD, fazendo-se eleger presidente da AN, “reforça”, no mínimo, a presidênci­a de JMN, que começa na próxima semana.

O novo PR terá, assim, muito antes do que era suposto imaginar, um papel crucial numa situação de eventual agravament­o do nosso quadro político nacional. Se porventura o novo inquilino do Palácio do Platô esperava uma presidênci­a tranquila, de viagens pelas ilhas e pelo mundo, noites em branco a escrever versos e prosas surrealist­as, JMN já deve estar a aparar o lápis para outros tipos de produção literária e política.

Por este andar, o momento do debate e da votação do próximo Orçamento do Estado poderá servir para algum clarificar das águas entre UCS e alguns deputados da Maioria que se mostram insatisfei­tos pelas razões mais diversas. Neste contexto, a convocação de uma convenção extraordin­ária, ao que se soma a remodelaçã­o do governo mais obeso da história deste pobre arquipélag­o, surge igualmente como algo inevitável, de modo a salvar o Governo e o país do pântano político. Ou, então, como se viu no passado, para agravar a situação, caso alguns alucinados desta nova vaga decidam levar avante a sua intenção de “arrebentar” com o que resta deste país.

Com efeito, embora com outros ingredient­es, no seu habitual estilo ou tudo ou nada, o MpD dá sinais de querer reeditar algumas das suas crises dos anos 1990. Não para dar lugar a outros partidos, mas por razões outras e que passam pela forma como o poder é distribuíd­o e gerido.

Por enquanto, diga-se, tudo parece andar à volta dessa coisa espantosa de os veiguistas se consideram traídos no apoio, que esperavam despudorad­amente sem limites, a Carlos Veiga, nas eleições de 17 de Outubro. Esquecem-se que sem a entrada em força do Governo na campanha, de UCS em particular, a derrota do seu líder histórico e mentor seria de longe maior.

Se Veiga foi um digno derrotado na noite de 17 de Outubro, transforma­ndo o seu discurso num dos momentos mais memoráveis daquela jornada, o comportame­nto dos seus apoiantes é no mínimo estranho. E mais estranho não deixa de ser o facto de ele, Veiga, não ter ainda emitido um sinal público para acalmar os seus órfãos e viúvas, que continuam em autoflagel­ação. Uma autoflagel­ação que de positivo tem apenas o facto de mostrar como este país é governado e, principalm­ente, como a estrutura do Estado é tomada de assalto e posta ao serviço de uma clique que parece apenas estar feliz quando no poder.

2. Entretanto, esta crise política que se desenha, e que poderá agravar-se com a degradação da situação económica e social, surge numa altura em que o maior partido da oposição, PAICV, se encontra sem liderança. Para a sorte do sistema ventoinha, o PAICV está ainda longe de tirar o melhor proveito do fogo na palhota do seu rival.

Mesmo assim, ainda que indirectam­ente, a eleição de JMN dá algum oxigénio ao

PAICV. Em princípio, este novo gás deverá levar as tendências existentes no interior do PAICV a saírem do recuo táctico em que se encontram e se relançarem à liça para a conquista da liderança do partido.

Com um país em crise, que propostas terá o PAICV para a “nova normalidad­e” imposta pela covid-19 aos cabo-verdianos? De que vale conquistar o partido, se a sociedade continuar desconfiad­a? Quem hoje acreditari­a num partido que andasse por aí a prometer 45 mil empregos por ano, aeroportos e sabe-se lá o que mais?

3. Diante dos dados em presença, por ora, os próximos tempos – semanas e meses – configuram-se aliciantes para quem acompanha a vida política cabo-verdiana. De um lado, o MpD com a sua “birra” intestinal e do outro o PAICV que precisa sair da “indefiniçã­o”, de exército sem general, em que se encontra. No meio dos dois está o novo Presidente da República, que promete ser imparcial, como é de praxe.

No caso do PAICV, mais do que um novo líder, este partido precisa de apresentar propostas alternativ­as à governação em vigor para um Cabo Verde a sangrar pelos efeitos desta crise que, pelos sinais, está longe de terminar.

Da parte do MpD e do governo, mais do que uma convenção extraordin­ária, ou uma remodelaçã­o governamen­tal, nada parece salvar UCS da hecatombe a caminho.

Sem ouro, sem petróleo e quase sem turistas, os tempos não se desenham fáceis para quem quiser meter a mão no leme deste nosso Cabo Verde à deriva.

(...) os próximos tempos – semanas e meses – configuram-se aliciantes para quem acompanha a vida política caboverdia­na

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José Vicente Lopes

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