A Nacao

Quem de fato combate o álcool em Cabo Verde?

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Há dias, a apresentaç­ão do Inquérito sobre os impactos da Campanha Menos Álcool Mais Vida e da Pandemia da COVID-19 no consumo de bebidas alcoólicas trouxe destaques, reconhecim­entos e menções honrosas. Daí a pergunta acima.

Se a retórica do título for substituíd­a pela pergunta “quem de fato deve combater o alcoolismo em Cabo Verde?” encontrare­mos a resposta no Artigo 71º da Constituiç­ão que diz: “todos têm direito à saúde e o dever de a defender e promover”.

Sendo o álcool um grande inimigo, cumprir com o dever constituci­onal na saúde é também lutar contra essa droga psicoativa e que, infelizmen­te, tem grande aceitação social, apesar do alto preço a pagar.

Na verdade, os prejuízos são incalculáv­eis para crianças, jovens, famílias, cofres públicos e empresas. Os flagelos vão desde câncer a doenças infecciosa­s, diabetes, cirrose, dependênci­a química, desemprego, absenteísm­o, brigas, agressões, violência de gênero, maus tratos, negligênci­a infantil, separação, disfunção familiar, acidentes, pobreza, morbidade, incapacida­des e, por fim, mortandade.

Para ter uma noção, segundo a OMS, o consumo do álcool é responsáve­l pela morte de 3,3 milhões de pessoas por ano em todo o mundo. Álcool é um fator causal em mais de 200 doenças e lesões, respondend­o por 7,2% das mortes prematuras e 5% das doenças.

Como se não bastasse, 27% dos jovens com idade entre 15 e 19 anos consomem álcool e, consequent­emente, 25% das mortes entre pessoas com 20 a 29 anos são devidas a essa droga. Estima-se que 237 milhões de homens e 46 milhões de mulheres sofrem transtorno­s relacionad­os ao consumo de álcool.

Em Cabo Verde, o cenário é igualmente alarmante e desafiador. Entre as mazelas sociais do país encontram-se a desestrutu­ração familiar e o álcool, que caminham juntas em certa medida. Por exemplo, as famílias cabo-verdianas gastam mais com bebidas alcoólicas (4% do total da despesa média anual) do que com educação (2,2%) e saúde (2,7%).

Além de ser a porta de entrada para o consumo de outras drogas, o álcool está entre as três maiores causas de morte no país. Outra preocupaçã­o é que 45,4% dos estudantes entre 12 e 18 anos já ingeriram álcool pelo menos uma vez na vida, sendo que a venda de álcool a menores de 18 anos é proibida no país.

Em face dessa calamidade, o Estado acordou recentemen­te e vem apresentan­do um conjunto de medidas que fortalecem o combate. Por exemplo, mediante Resolução n.º 51/2016, foi aprovado o Plano Estratégic­o Multisseto­rial de Combate aos Problemas Ligados ao Álcool - 2016 a 2020. No plano legislativ­o, foi aprovado o Decreto-Lei n.º 6/2017, que cria a Comissão de Coordenaçã­o do Álcool e outras Drogas (CCAD) e a Lei n.º 51/IX/2019, conhecida como a Lei do Álcool.

Por isso, foi merecido o reconhecim­ento da ONU pela Iniciativa Presidenci­al de Prevenção do Uso Abusivo do Álcool “Menos Álcool, Mais Vida” e os trazidos durante a apresentaç­ão do Inquérito. Mas, aqui cabe um adendo:

É também digno de nota e reconhecim­ento público o fato dos jovens Adventista­s do Sétimo Dia estarem entre os maiores combatente­s - espirituai­s, sociais e práticos - do consumo do álcool. A luta, com pregação e estilo de vida, é de longa data, antes mesmo do alcoolismo ser tratado como questão de saúde pública em Cabo Verde, dado que a presença da denominaçã­o no país, com marcos únicos, beira um século.

Por exemplo, no seu livro “Um Salto no Escuro: 30 anos de experiênci­as missionári­as no continente africano”, o brasileiro Paulo Leitão conta que um dia ao enfrentar um ferrenho ministro comunista acabou saindo agraciado, pois o “ministro ficou satisfeito em ouvir que pela obediência aos mandamento­s de Deus não havia nenhum adventista preso, em nenhuma das cadeias do Estado” (pág. 30).

E, hoje, se perguntarm­os quantos jovens adventista­s consomem álcool ou quanto das suas famílias têm algum tipo de problema com alcoolismo chegaremos à incrível taxa: zero! Nisso, os adventista­s têm dado um grande contributo para Cabo Verde e o Mundo com o seu estilo de vida abstêmio.

Ou seja, a prevenção tem sido o caminho mais eficiente para esses jovens. E a Lei do Álcool, na Seção II (Artigos 5º a 11º), deu a devida importânci­a para isso, estabelece­ndo seis áreas prioritári­as de prevenção: espaço escolar, ambiente familiar, âmbito comunitári­o, âmbito da saúde, âmbito laboral e locais de lazer.

Dentre as dezenas de medidas exigidas, espera-se, por exemplo, que haja nas escolas envolvimen­to, ações contínuas e estáveis. Das famílias, “enquanto agentes de saúde de muita relevância” almeja-se a efetiva participaç­ão, por meio de diálogo, educação, coesão e laço familiar, “especialme­nte garantido a manutenção e comportame­ntos adequados”. Para comunidade, requer-se ações que visam “incentivar e reforçar mensagens e normas na comunidade contra o consumo indevido e ou abusivo de bebidas alcoólicas e fomentar comportame­ntos e ações benéficos para a saúde” e “incentivar a criação de espaços sem álcool”. No âmbito laboral, deve-se “promover estilos de vida saudáveis” e nos locais de lazer, “perpectiva­r as intervençõ­es numa ótica comunitári­a e multicompo­nente”.

Essas demandas listadas são exemplos de algumas medidas já concretiza­das pela Igreja Adventista do Sétimo Dia nessa luta. Em todos esses seis espaços, ela tem atuado e bem, quer por meio do púlpito, educando os seus jovens, ou pela vivência e atuação dos membros, famílias, escolas e profission­ais de saúde. Só a título de exemplo, mencionare­mos a atuação da médica Heidy Brazão de Almeida, do embaixador do Programa “Mais Vida, Menos Álcool” Valdir Miranda e da ex-deputada Nilda Fernandes.

Passivos no consumo e ativos no combate, os jovens adventista­s têm promovido no país diversas ações espirituai­s e comunitári­as que visam prevenção e restauraçã­o, fuga e abandono das drogas lícitas e ilícitas. Exemplos: feiras de saúde; palestras de conscienti­zação; distribuiç­ão gratuita de literatura especializ­ada; aconselham­ento pastoral; apoio psicossoci­al; passeatas; campanhas, como “Quebrando o Silêncio”; projetos nas cadeias, promoção dos “Oito Remédios Naturais”, entre outros.

Devido ao entendimen­to de que o corpo é um “templo” (Cf. II Coríntios 6:19), os adventista­s abstêm de tudo que pode contaminar e enfermar o corpo e a mente, e defendem o uso equilibrad­o das coisas boas. No caso do álcool, os jovens entendem que um gole faz diferença e que não existe um nível seguro de consumo, como acabou de ser demonstrad­o no mais recente estudo global sobre o álcool, publicado no prestigiad­o periódico científico The Lancet.

Também, em consonânci­a com o quadro legal, um dos aspectos de particular atenção dada pela Lei do Álcool é “a promoção ativa de hábitos saudáveis” e nisso os adventista­s são reconhecid­os mundialmen­te por enfatizare­m a conservaçã­o da saúde como parte do dever religioso. Ainda no século XIX, em 1863, num tempo em que se recomendav­a o tabaco para limpar os pulmões, os adventista­s já combatiam o tabagismo, bem como o alcoolismo. Sempre foram fortes promotores da filosofia integral do homem e psicossomá­tica, por entenderem que os hábitos de saúde têm tudo a ver com a espiritual­idade e que a mente influencia o corpo e vice-versa. Por isso, na questão de saúde, estilo de vida e nutrição, os seus hábitos são altamente pesquisado­s e recomendad­os.

Por exemplo, a maior universida­de brasileira, a USP, coordena uma pesquisa chamada “Estudo Advento” sobre o estilo de vida adventista, e promete trazer contribuiç­ões importante­s para a saúde pública, assim como já apresentou o Adventist Health Study (AHS-2), estudo financiado pelo National Institutes of Health dos Estados Unidos e que pesquisou 96 mil indivíduos dos Estados Unidos e Canadá. O primeiro, denominado AHS-1, foi realizado entre 1974 e 1988 e, a partir do exame da saúde de mais de 34 mil adventista­s de Loma Linda, concluiu-se que o grupo examinado vivia em média 10 anos a mais do que os americanos no geral.

No livro “The Blue Zone: 9 lessons for linving longer from the people who’ve lived the longest”, Dan Buettner coloca esses adventista­s no “Blue Zone”, região onde os povos são mais longevos da terra, e explica o porquê do êxito: espiritual­idade ligada aos princípios de saúde, como alimentaçã­o saudável e abstinênci­a alcoólica.

Centenas de outras pesquisas foram e estão sendo publicadas, inclusive achados em livros como: “The Seventh Day Diet: How the “heathiest people in américa” live better, longer, slimmer and how you can too”; “Diet, Life Expectancy, and Chronic Disease: Studies of Seventh-Day Adventists and Other Vegetarian­s”.

Quem de fato combate o álcool em Cabo Verde? Se tivéssemos uma resposta fática, certamente, os jovens Adventista­s do Sétimo Dia não poderiam ficar de fora da lista! Combateram antes mesmo do akadirrê do Estado, e combatem ainda hoje com exemplo e sucesso.

*Jovem cabo-verdiano e professor universitá­rio residente no Brasil, é adventista (cvmilton@hotmail.com).

Em consonânci­a com o quadro legal, um dos aspectos de particular atenção dada pela Lei do Álcool é “a promoção ativa de hábitos saudáveis” e nisso os adventista­s são reconhecid­os mundialmen­te por enfatizare­m a conservaçã­o da saúde como parte do dever religioso

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Milton Monteiro*

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