Paulo Rocha no olho do furacão
Novas revelações feitas há seis meses (Julho de 2021) por um inspector da Polícias Judiciária (PJ), na qualidade de testemunha no processo relacionado com a morte de Zezito Denti D’Oru, colocam o ministro da Administração Interna, Paulo Rocha, numa situação cada vez mais complicada. A autópsia também concluiu que houve homicídio e morte violenta. Segue-se o filme, com muita acção pelo meio.
Partindo do pressuposto de que havia uma lista de pessoas com responsabilidade na investigação criminal, entre os quais Paulo Rocha e Carlos Almada, ambos da Polícia Judiciária (PJ), e o antigo Procurador Geral da República, Júlio Martins, que deveriam ser assassinados a mando de reclusos ligados à “Lancha Voadora”, alguns inspectores da PJ terão jogado na antecipação, decidindo eliminar Zezito Denti D’Oru, tido como assassino a soldo, contratado para fazer essas execuções.
Autos de instrução na Comarca da Praia
Mas, como se ficou a saber, através de um comunicado do Ministério Público, logo após o assassinato de José Lopes Cabral (Zezito Denti D’Oru), ocorrido no dia 13 de Outubro de 2014, na Cidadela, Praia, que correm termos, na Procuradoria da Comarca da Praia, os autos de instrução registado na sequência dessa morte.
“Não obstante as diligências, até à data, o Ministério Público não constituiu ninguém arguido, nem notificou o atual Ministro da Administração Interna para prestar qualquer declaração nos mencionados autos, nem mesmo na qualidade de testemunha”, lê-se no comunicado.
Contudo, conforme A NAÇÃO pôde apurar, através de documentos confidenciais, um mês após o sucedido no dia 14 de Novembro de 2014, a Direcção Nacional da PJ remeteu ao Ministério Público o expediente relativo a uma “abordagem” policial que “resultou na morte” de José Lopes Cabral.
Nesse “expediente” constavam os seguintes documentos: uma informação de serviço; verbete da certidão de óbito; relatório de inspeção ao local; reportagem fotográfica; auto de inquirição de Adelino Semedo Lopes; ficha biográfica e de recluso da vítima e relatório intercalar.
PJ ignora pedido da Comarca da Praia
Contudo, a 6 de Outubro de 2015, a Procuradoria da Comarca da Praia oficiou a Direcção Nacional da PJ no sentido de lhe facultar, num prazo máximo de 10 dias, o nome de todos os elementos da PJ que estiveram nessa operação, pedido esse que foi simplesmente ignorado.
Aliás, apesar do prazo, o MP só recentemente pôde conhecer os nomes dos envolvidos nessa operação que originou a morte de Zezito Denti D’Oru, depois de ter ouvido uma testemunha, no dia 07 de Julho de 2021.
Como tudo começou
Um inspector da PJ, cujo nome A NAÇÃO preserva por questão de segurança, disse, na qualidade de testemunha, perante o Procurador Ary Varela, em Julho de 2021, que tudo começou no dia 17/09/2014, com a investigação da morte da mãe de Cátia Tavares, coordenadora da PJ.
“Na sequência, foi criada uma força-tarefa pelo Paulo Rocha, então Diretor Nacional Adjunto e de Investigação Criminal, que tinha como função vigia e seguimento de suspeitos, recolher e tratar informações relacionadas com a referida morte.
Disse ainda que, na altura, “houve muita recolha de informação, bem como várias reuniões de interação de estratégias e de vigilância, onde o próprio Paulo Rocha contraditava algumas informações, sob o pretexto de que o seu informador lhe tinha dado indicação diversa(s), pondo em causa inclusive informações que trazidas à reunião pelo ora depoente de forma a que as dele (Paulo Rocha) pudessem prevalecer e justificar o seu plano”.
Para operacionalizar o plano
foram criadas duas equipas, uma constituída por elementos da Brigada de Tráfico de Drogas e outra com elementos do Grupo de Operações Táticas (GOT).
Alegado plano para matar algumas individualidades
Segundo a mesma fonte, no decorrer das diligências, uma das equipas viu Zezito Denti D’Oru, por mais de uma vez, a dirigir-se à Cadeia Central da Praia, sempre na companhia de um outro indivíduo, também referenciado como um dos presumíveis executantes do plano que visava matar algumas individualidades.
“Se presumia que os mesmos iam visitar os intervenientes no processo Lancha-Voadora, sem que nada disso fosse comprovado”, revelou essa testemunha, acrescentado que, “depois disso, Paulo Rocha levou para a equipa a informação de que a mencionada vítima tinha um plano criminoso para o executar, bem com o então Procurador Geral da República, Júlio Martins e o inspetor-chefe Carlos Almada”.
“A partir desse dia, face ao pânico que se instalou no Paulo Rocha, este delineou um plano para matar a referida vítima, ciente de que este chegou a Cabo Verde via São Vicente e após a morte da mãe da coordenadora Cátia Tavares, com a qual não havia nenhuma ligação ao crime em questão”, salientou.
Execução do plano para matar Zezito Denti D’Oru,
Conforme o mesmo inspetor, que foi ouvido na Procuradoria da Praia na qualidade de testemunha, no dia da execução da vítima, à noite, ele e o coordenador da operação foram destacados para vigiar a viatura de Adelino Semedo Lopes (Ady), sob o pretexto de os retirar da reunião tática e operacional para a execução do plano.
Depois de terem localizado a viatura, um Fiat Ibiza de cor branca, no bairro de Eugénio Lima, informou, mais tarde, que a mesma já estava a circular na
avenida Cidade de Lisboa.
Segundo esse depoente, Paulo Rocha lhes advertiu, de imediato, para não aproximar que “certamente a referida viatura e seus ocupantes se dirigia para a localidade de Palmarejo, Cidadela, onde ele próprio Paulo Rocha e os elementos do GOT já se encontravam posicionados”.
A testemunha esclareceu ainda que quando iam fazer a rotunda de Brás Andrade, em direcção ao Palmarejo, ouviram Paulo Rocha a gritar, via rádio, o seguinte:
“Alé viatura ta proxima, prepara, prepara, aborda, aborda...” e “segundos depois ouviram barulho de vários disparos de arma de fogo”.
Revelou ainda que, 2/3 minutos depois, ele, depoente, e o coordenador chegaram ao local, nas imediações de uma chaparia grande de cor azul, encontraram somente a viatura suspeita com portas abertas e “paralelamente o inspetor-chefe Carlos Almada, que também havia acabado de chegar ao local com a sua equipa, sem se comunicarem”.
Disse ainda que, também chegou ao local elementos da Polícia Nacional, “com destaque para Júlio Melício, que logo questionou a atuação da Polícia Judiciária”.
Para além de ter revelado o nome dos 12 operacionais que participaram na execução da vítima, incluindo Paulo Rocha (informação sonegada pela Direcção Nacional da PJ durante sete anos), esta testemunha revelou ainda um esquema para tentar incriminar Zezinho Denti D’Oru, ao afirmar que numa das reuniões, “Paulo Rocha ordenará um operacional (cujo nome preferimos não revelar) para providenciar uma arma de fogo de calibre grande, Makarov, para encenação na cena do crime, como sendo arma da vítima”.
Disse ainda que, nessa operação, um inspector sofreu lesões na cara, “provocada pelos estilhaços de projeteis, tendo em consequência recebido assistência médica” e que, logo após esses factos, esse inspetor “apresentou perturbações psicológicas, devido à execução da vítima”.