Senhor presidente da Assembleia Nacional Execelência:
Vejo-me na necessidade de dirigir a V.Excia por esta via pública, sendo verdade que ela não é de todo do meu agrado. Mas infelizmente não vejo nenhuma outra maneira que me permita veementemente alertá-lo para o grave desvario que os tribunais, na realidade e neste caso concreto com o imprescindível, ainda que indireto, respaldo da Assembleia Nacional, estão a praticar na pessoa do deputado Amadeu Oliveira.
Vou, pois, falar-lhe do deputado Amadeu Oliveira. E insisto na referência à sua condição de deputado, porque se ele não tivesse tido a infeliz ideia de aceitar ser deputado, seguramente não estaria preso neste momento. É irónico pensar que terá aceite a função precisamente para fugir à hipótese de correr esse risco.
A acusação principal que se faz a Amadeu Oliveira de ter cometido um crime contra o Estado de Direito, está formal e materialmente inquinada de falsidades, como ele mesmo gosta de dizer. Porque pretende-se que ele, na qualidade de deputado, ajudou um condenado a sair do país. Porém, um condenado a quem o Supremo Tribunal mandou entregar o seu passaporte e aguardar em casa, nunca se soube bem para quê. Ele é ainda acusado de ter cometido mais dois crimes, porém aparentemente sem grande importância porque não justificam prisão preventiva.
É preciso, pois, verificar se os factos ditos praticados pelo deputado Amadeu Oliveira, preenchem o tipo legal de crime de que está acusado: atentado contra o Estado de Direito!
Claro que não preenchem, pode-se desde já afirmar! Estaríamos num mundo louco se preenchessem, quer formal, quer materialmente! E o Direito tem sobretudo a ver com o bom senso.
Mas atenção: se os magistrados que tomaram sobre si o encargo de fazer calar o Amadeu Oliveira quiserem que preencham, aí certamente que vão preencher! E não se estranhará que o façam, Amadeu Oliveira troçou deles todos de forma desbragada e ainda que se diga que a “ética republicana” substituiu na vida pública a chamada “honra monárquica”, sem dúvida que uma perigosa mistura de medo e de vingança tem estado presente na instrução do processo contra o deputado Amadeu Oliveira e não deixará de condicionar o seu julgamento e condenação.
Relembremos por isso, Senhor Presidente, o que nos dizem e consta escrito no despacho do Magistrado da Relação de Barlavento que legalizou a prisão do deputado:
O Procurador-Geral da República solicitou à Assembleia Nacional e foi concedido o levantamento de imunidade parlamentar do deputado Amadeu Oliveira, bem como autorização para sua detenção para que pudesse responder perante o Tribunal, por alegado envolvimento na prática de um crime de responsabilidade de titular de cargo político;
Na sequência disso, no dia 16/07/2021, a Procuradoria da República do Círculo de Barlavento emitiu mandado de detenção, fora de flagrante delito, contra o dito Deputado, a fim de o mesmo ser presente a esta Instância Superior para ser submetido ao primeiro interrogatório de detido, seguido de aplicação de medidas de coação pessoal.
Foi, pois, fica-se a saber, mediante um pedido, um simples pedido, um requerimento ou um telefonema, do Procurador-Geral da República que a Assembleia Nacional, através da sua Comissão Permanente, autorizou a suspensão e consequente prisão fora de flagrante delito do deputado Amadeu Oliveira.
É estranho! É muito estranho! Lembro-me do tempo de partido único: dois casos com dois deputados que incorreram em ação criminal. Havia evidente urgência em os afastar. Porém, foi necessário aguardar toda a necessária tramitação judicial e só após devidamente pronunciados pelo juiz competente, os mesmos foram suspensos e relegados ao poder judicial. Isso porque o nosso ordenamento jurídico reconhece o deputado como figura central do Estado de Direito e que, portanto, não pode ser tratado a três pancadas.
Digamos, por isso, que o comportamento da Assembleia Nacional neste caso que envolve o deputado Amadeu Oliveira não abona em defesa do nosso estado de Direito Democrático que precisamente ele é acusado de ofender.
O Amadeu Oliveira, com alguma gabarolice, disse ter participado na decisão que o suspendeu da condição de deputado. Porém, isso é absolutamente irrelevante, a suspensão do deputado só poderia ser submetida à consideração dos pares e eventualmente acontecer após pronuncia de um juiz decidindo o seu julgamento.
Pode-se admitir que V. Excia, senhor presidente da Assembleia Nacional, não tendo formação na área do Direito, ignore esse requisito essencial. Já não os demais intervenientes, Procurador-Geral da República, Juiz da Relação, Instrutor e Acusador do Processo. Todos eles sabem que agiram e continuam a agir na base de uma nulidade jurídica que acompanhará este processo até à consumação dos séculos porque de todo insanável.
Portanto, senhor presidente da Assembleia Nacional, V.Excia é o lume em que o deputado Amadeu Oliveira tem vindo a ser tostado. Ou se tratou de uma conspiração mal organizada destinada a calá-lo, ou V.Excia foi metido na confusão através de um pedido que não respeitou o legalmente exigido. De qualquer das formas, a Assembleia Nacional está sendo cúmplice de uma ilegalidade que põe em causa todo o edifício constitucional do Estado de Cabo Verde.
A isso tudo acresce o facto evidente de que o Amadeu não vai ter um julgamento justo. Será julgado por um coletivo presidido pelo juiz que precisou de 14 páginas para dizer que ele merecia ficar na cadeia. Seria estultícia esperar que ele viesse a ser absolvido do único crime que ele não cometeu mas também o único que o pode deixar na prisão.
Portanto, senhor Presidente da Assembleia Nacional, como se diz em linguagem popular, V. Excia é o único sal desta panela e tem o dever de agir como tal.
Apresento-lhe, Senhor Presidente, os meus respeitosos cumprimentos,