Situação Económica e Social de Cabo Verde em 2022: Esperar melhor e preparar-se para pior
Vem aí o novo ano. A pairar como uma nuvem cinzenta, permanece uma série de dúvidas sobre o que será o ano de 2022, sendo a mais importante a seguinte: será que vai haver recuperação da economia nacional e melhoria nas nossas condições de vida?
Para já, não fazemos ideia do que vai acontecer. Aliás, fazer previsões para um ano que comece tão envolvido em sombras, incertezas e perigos, é uma missão impossível. Pois, nestas condições, não basta ter uma bola de cristal, seriam necessárias várias bolas de cristal juntas.
2022 poderá ser um ano melhor que 2021, mas poderá ser ainda pior. De modo que devemos esperar melhor e estar preparados para pior.
Da minha parte, apesar das incertezas, espero que 2022 seja um ano melhor. Faço votos que o país consiga ter uma visão estratégica e aproveitar, da melhor forma possível, as oportunidades que a atual crise pandémica também proporciona. Para o efeito, é absolutamente necessário que todos - o Estado, as empresas, a academia e os cidadãos em geral - estabeleçam um novo contrato de comprometimento genuíno com Cabo Verde, competência e confiança. Isso permitiria encontrar as respostas adequadas para um conjunto de problemas que se vão agudizar, com impactos incertos e complexos ao nível da economia e do equilíbrio da sociedade.
Incertezas em torno da evolução da pandemia, do crescimento económico e da inflação no mundo
Daqui a três dias, o ano de 2021 chega ao fim. Não é, nem de perto nem de longe, o fim que projetámos há um ano atrás.
Pelo contrário, o ano que ora finda será, certamente, recordado como sendo um dos mais difíceis dos últimos dois séculos, por causa do impacto da crise sanitária global associada à Covid-19.
Na verdade, vivemos numa época de incertezas e disrupção da normalidade, dos hábitos e costumes, decorrente da pandemia que assola o mundo desde o início de 2020, provocada pelo novo coronavírus, o SARS-CoV-2.
A situação atual mostra o quanto é fundamental estar preparado para fazer face a fatores inesperados e não controláveis, mantendo a capacidade de resiliência para responder em conformidade.
Infelizmente, mudamos de ano com notícias antigas: o mundo continua sob a ameaça da Covid-19, com a nova variante Ómicron a fazer subir em flecha o número de casos de infetados em praticamente todo o mundo, o que só pode piorar o quadro pandémico.
E isso acontece numa altura em que a recuperação da economia mundial estava sendo relativamente encorajadora, ainda que a escassez de matérias-primas e de produtos essenciais, a inflação e a teimosa persistência da crise sanitária e respetivos impactos já tenham trazido à tona os temores de uma desaceleração em 2022.
Como se sabe, a pandemia paralisou as economias do mundo de maneira quase simultânea em março de 2020, fazendo com que o PIB caísse brutalmente. No entanto, após dois anos e cerca de 5,3 milhões de mortes, se analisarmos o cenário económico do ponto de vista do crescimento do PIB nas maiores economias mundiais (EUA, China, Zona Euro, Japão e Reino Unido), verificamos que houve uma recuperação bastante forte, embora estejamos a assistir, atualmente, a um ligeiro abrandamento. Tanto nos EUA como na China continua-se observando algum crescimento, mas com sinais de abrandamento. Particularmente na China, a ligeira retração foi afetada por alguns confinamentos, a disrupção na cadeia logística e os problemas no setor imobiliário.
A questão que ora se coloca, é se, realmente, já saímos da crise e, caso não, quando. Por ora, o FMI continua esperando um crescimento mundial de 4,9% para o próximo ano.
Porém, no domínio económico, a maior surpresa de 2021 foi o aumento da inflação. O aumento dos preços foi impulsionado pela disrupção entre a oferta e a procura. Na verdade, tem existido grande procura e as empresas não têm tido, ao nível de stocks, capacidade de abastecer toda a procura.
Com efeito, partia-se de uma baixa acentuada provocada pela paragem na economia mundial no ano de 2020. Todavia, tem havido uma evolução drástica dos preços na energia, no gás natural no petróleo e nos transportes. Por exemplo, o custo do contentor de Xangai para Roterdão e de Xangai para Nova Iorque cujos valores andavam nos 3 mil a 4 mil dólares dos EUA (USD) dispararam para os 16 mil USD. O preço do transporte de mercadorias disparou e é um fator que tem um peso muito grande. A disrupção na cadeia de distribuição é revelada pelo prazo para entrega de produção de chips que andava pelas 12 semanas e está neste momento nas 25 semanas. Sublinha-se que todos estes fatores acabam por ser negativos no curto prazo, mas a médio prazo vão tender para a média, mas poder-se-á não chegar aos preços anteriores.
Considerada transitória por muito tempo pelos principais bancos centrais, a subida da inflação que já se verifica em várias partes do mundo, está tornando-se permanente em vez de temporária, o que pode pressionar os bancos centrais e provocar alterações nas taxas de juro de referência. Em função disso, os bancos centrais podem vir a ter de atuar bem mais cedo do que se esperava.
Neste quadro, o FED (Banco Central dos EUA) já anunciou que irá aumentar, pelo menos duas vezes, as suas taxas de juro em 2022, ao mesmo tempo que iniciou a sua retirada de estímulos monetários. Por sua vez, para o Banco Central Europeu (BCE) que embora tenha assegurado que não haverá subida das taxas de juro, a evolução dos indicadores económicos tende a transformar uma dúvida numa insegurança permanente. À semelhança do FED, também o BCE abrandou o programa de compras de emergência pandémico, tendo deixado claro que o programa finda em 2022.
Mais uma vez falamos de um futuro que é uma incógnita para uma varável macroeconómica chave, a inflação, cujo comportamento afeta consideravelmente o crescimento económico (mundial e nacional) e o custo de vida das pessoas, particularmente das mais desfavorecidas. Na verdade, quase tudo na economia depende ou está relacionado com o crescimento da inflação ou até da perceção que dela se tem, ainda que alguns dos fatores que a provocam possam ser transitórios.
Numa altura em que quase todos os países já se preparavam para um regresso à normalidade total da atividade económica, eis que, nos últimos meses de 2021, surgem as notícias relativamente a uma nova e potencialmente mais contagiosa variante do coronavírus, o Ómicron. O surgimento desta nova estirpe trouxe novos receios quanto a um prolongamento sem fim da era marcada pela pandemia. Com o Ómicron, as restrições voltaram, e em vários países, vão-se acumulando novas estratégias de gestão de equilíbrios entre as curvas sanitária e de impacto na atividade económica.
Estamos a viver um processo pandémico incerto e, ainda, não conhecemos, na plenitude, os seus impactos ao nível da economia, na área social e ao nível dos preços e disponibilidade de certos bens por toda a economia.
Cabo Verde 2022 – Um mar de cógnitas, incertezas e de desafios
Como escrevi num dos meus últimos artigos, Cabo Verde viveu, em 2020, uma das mais profundas crises económicas e sociais da sua história, com o PIB a cair 14,8%. A pandemia praticamente reverteu conquistas importantes das últimas duas décadas e acentuou as desigualdades sociais.
A aposta em fatores diferenciadores de referência é uma linha de resposta com elevado potencial, quer pelo impulso de integração e criação de dimensão crítica para o funcionamento dos mercados de proximidade e para os processos de internacionalização que dela resulta
Em 2021, o país vinha fazendo progressos na frente sanitária com a vacinação da população adulta e já havia sinais de algum relançamento da economia. O processo de normalização da vida pós-Covid estava em curso, mas os condicionalismos não desapareceram por completo, tal qual o coronavírus. E o cenário continuava sendo de elevadas incertezas.
Apesar disso, o Governo conta com perspetivas positivas para a retoma do turismo nacional e o crescimento económico mundial entre 2021 e 2022. Assim, a sua expetativa, vertida no Relatório do Orçamento do Estado para 2022 (OE2022), é a do PIB real crescer, em 2021, entre 6,5% e 7,5%, tendo em conta os efeitos base e uma pequena retoma dos setores. Para 2022, espera-se que, com uma maior dinâmica do turismo, o PIB cresça cerca de 6%. Num cenário mais adverso, em que se materializem os principais riscos macroeconómicos, a expetativa do Governo é de que a atividade económica cresça no máximo 3,5%.
A inflação deverá permanecer contida, ainda que possa acelerar face a 2020, permanecendo entre 0,8% e 1,0% em 2021, e entre 1,5% e 2,0% em 2022. Salienta-se que, além das pressões previstas nos preços alimentares internacionais, as projeções do Governo já incorporam o aumento dos preços da energia elétrica e as alterações fiscais previstas no OE2022.
Já o FMI, no “Outlook” de outubro de 2021, prevê uma taxa de crescimento para a economia cabo-verdiana em torno dos 4% em 2021 e de 6,5% em 2022. Quanto à evolução dos preços, o Fundo prevê que a taxa de inflação atinja 1,5% em 2021 e que em 2022 esta evolua para 1,6%.
Por seu turno, o Banco de Cabo Verde (BCV) anunciou, no Relatório de Política Monetária (RPM) de outubro de 2021, que o PIB deverá crescer, até ao final deste ano, 6,6%, devido, sobretudo, “à evolução mais favorável da atividade económica aliada à expectativa de alguma retoma do turismo no último trimestre e o pressuposto de controlo da situação pandémica no país”.
Para 2022, no entanto, o Banco Central anunciou um abrandamento na evolução do PIB prevendo-se “uma moderação do crescimento para cerca de 5,6%”. Segundo esta instituição, “o ritmo de crescimento do PIB deverá desacelerar, refletindo algum aperto da política orçamental, com a redução gradual das medidas orçamentais excecionais destinadas às empresas e às famílias mais vulneráveis e a mobilização endógena de recursos para fazer face às pressões do lado das despesas públicas”.
Porém, numa perspetiva de uma evolução mais adversa da economia nacional, “em que é assumida a hipótese de materialização de um conjunto de riscos descendentes”, o crescimento do PIB poderá situar-se nos 4,7%. “Os fatores associados relacionam-se com o comportamento do consumo, o ritmo de recuperação das exportações de turismo e os efeitos da crise no crescimento através do possível impacto no desemprego e na falência de algumas empresas”, aponta o BCV.
De acordo com o RPM em apreço, a taxa de inflação vai subir devendo “atingir 1,9%, tendo em conta o efeito desfasado da inflação importada nos preços internos, o impacto da previsão de agravamento do IVA e de alguns direitos de importações de bens, bem como, a atualização em alta dos preços da eletricidade a partir de outubro de 2021 com maior efeito em 2022”, lê-se. No entanto, num cenário de evolução mais adversa a taxa de inflação crescerá 2,7%.
O BCV admite que “o mais provável é que tenhamos 2,7% [inflação], tendo em conta alguns constrangimentos de oferta, a nível internacional. Os preços dos combustíveis e da energia estão a subir, temos a questão da China e da falta de oferta de semicondutores. Tudo isso são constrangimentos que podem colocar alguma pressão sobre a inflação. Durante muito tempo falou-se que a inflação era temporária, mas hoje a maior parte dos bancos centrais está preocupada com o fenómeno da inflação. Mas, até ao final do ano ou primeiro trimestre do próximo ano, vamos ver se esses constrangimentos de oferta se vão resolvendo e, aí sim, poderemos ter maior estabilização dos preços.”
Salienta-se que caso o PIB cresça, em 2022, a uma taxa inferior a 6%, tudo mudará em relação a praticamente todas as projeções das principais variáveis macroeconómicas e macrofiscais constantes do OE2022, com especial destaque para o nível de arrecadação das receitas fiscais, que ficaria muito abaixo do previsto, impactando no défice orçamental e no endividamento público. Também o nível de criação de emprego ficaria afetado negativamente.
Os efeitos da variante Ómicron, por razões de ordem temporal, não foram considerados nas projeções do Governo, do FMI e do BCV. Todavia, esta nova estirpe da SARS-CoV-2 e as restrições provocadas terão um impacto em vários setores, como transporte aéreo, gastronomia e turismo, pelo que a luta contra o vírus ainda está longe de ser vencida e a economia ainda longe da normalidade. Assim, o comportamento de quase tudo na economia cabo-verdiana vai depender da evolução do Ómicron.
Para Cabo Verde, será particularmente relevante perceber como é que a variante Ómicron poderá afetar, por exemplo, a temporada de 2022 do turismo. Como é sabido, o setor do turismo tem uma dimensão bastante relevante na economia nacional, já que contribui com cerca de 25% para a formação da riqueza nacional.
A elevada taxa de vacinação, nos principais países emissores de turistas para Cabo Verde e no próprio país, e o desenvolvimento de novos e importantes medicamentos antivirais (como o Paxlovid da Pfizer, já autorizado nos EUA) poderão mitigar o impacto negativo do Ómicron no turismo, mas ainda é muito cedo para que se possa saber se teremos turismo a funcionar a 100% em 2022.
Ao que tudo indica, a saída da pandemia pode ser um processo que ainda levará algum tempo.
Para certos países, a duração desse tempo dependerá muito da forma como irão enfrentar desafios decisivos que marcarão o seu futuro.
Repito o que já escrevera, numa outra oportunidade: Para Cabo Verde importa, sobretudo, aproveitar a atual crise pandémica como uma oportunidade para a realização de reformas estruturais no Estado e na sua economia que induzam a um movimento de modernização, inovação e de crescente competitividade, com efeitos multiplicadores que se farão sentir a prazo.
Para o efeito, o país tem, por um lado, que superar de forma determinada os constrangimentos à sua competitividade e à sua atratividade, designadamente as carências de qualificações, de competências específicas, de suporte tecnológico, de coesão social e territorial, de ordenamento, de informalidade e de contexto jurídico e administrativo. Por outro lado, tem que mobilizar a confiança dos agentes e criar as condições necessárias para atrair o investimento privado, nacional e estrangeiro. Isso passa pela valorização integrada dos fatores diferenciadores de referência em que Cabo Verde dispõe de vantagens comparativas estruturantes, bem como das características diferenciadoras positivas do seu capital intelectual, designadamente da identidade multicultural, da flexibilidade adaptativa e da capacidade relacional dos cabo-verdianos.
Os fatores diferenciadores de referência, entendidos em sentido lato, são os seguintes: Primeiro, o Oceano, oportunidade para colocar Cabo Verde no centro duma rede económica de criação de valor associada ao mar. Segundo, a Localização Geográfica, oportunidade para colocar Cabo Verde no centro duma rede económica de criação de valor associada à localização, com destaque para as relações de interface com o mar e intercontinentais, à logística e aos recursos naturais e paisagísticos. Terceiro, a Cultura, oportunidade para colocar Cabo Verde no centro duma rede económica de criação de valor associada à matriz cultural.
A aposta em fatores diferenciadores de referência é uma linha de resposta com elevado potencial, quer pelo impulso de integração e criação de dimensão crítica para o funcionamento dos mercados de proximidade e para os processos de internacionalização que dela resulta, quer pela introdução de fatores de imagem e posicionamento que permitem reduzir o peso do fator custo na exploração das oportunidades de mercado.
É nisso que o país tem de apostar para mudar de rumo.
Assim, 2022 deveria ser o início desse projeto transformador que fará com que Cabo Verde, a médio e longo prazo, saia da eterna fossa de subdesenvolvido, bem como das “saias” longas da ajuda pública. E ao mesmo tempo, se afirmar como um país relativamente próspero em que os cabo-verdianos merecem viver.
Praia, 28 de dezembro de 2021 *Doutor em Economia