Carlos Reis entra em cena
Carlos Reis, ex-director nacional da Polícia Judiciária, a viver actualmente em Marrocos, como quadro de um organismo internacional, publicou na semana passada, no Expresso das Ilhas, um longo artigo em defesa do seu adjunto, Paulo Rocha, hoje ministro da Administração Interna.
No essencial, Reis confirma a tese do na altura director nacional adjunto da PJ, Paulo Rocha, segundo a qual “não esteve no local do confronto entre o malogrado José Lopes Cabral e funcionários da Polícia Judiciária”.
E disse igualmente que “é falso também que o Inspetor Chefe César Lopes tenha sido incumbido de providenciar uma arma para ‘plantar’ na cena do crime”.
Atentados por causa do processo Lancha Voadora
Carlos Reis esclareceu, também no seu artigo, que “já após o assassinato da mãe da Coordenadora Kátia Tavares, a PJ recebeu a informação de que o Zezito, indivíduo referenciado como pistoleiro a soldo e suspeito do homicídio do Banda na Praia, estaria em Cabo Verde com o propósito de cometer atentados contra pessoal magistrado envolvido no processo da Lancha Voadora (Juízes e Procuradores), bem como pessoal da PJ e que o mesmo estaria no momento da denúncia na Cadeia Central de São Martinho para se encontrar com um dos líderes do grupo criminoso da Lancha Voadora, que ali se encontrava a cumprir pena”.
“A PJ de posse dessa informação, de imediato deslocou uma equipa à cadeia de São Martinho, tendo efetivamente constatado a saída do Zezito desse estabelecimento prisional, na companhia de outro indivíduo, conhecido também no mundo do crime”, esclareceu, sublinhando que “nos dias que se sucederam, a PJ pôde constatar a presença do Zezito em alguns locais da cidade da Praia”.
Acrescentou ainda que “das vezes em que foi sendo visto e dos locais em que se encontrava, resultou informação relevante e grande apreensão, que justificou que eu tivesse convocado alguns funcionários, para análise das informações disponíveis até o momento e medidas de proteção. Desta reunião participou o DNA (leia-se director nacional adjunto da PJ) na altura. Contudo, o Inspetor Gerson Lima não esteve nessa reunião”.
Mas, ao receber a informação de que Zezito já estaria na posse de uma arma, “as equipas de vigilância que se encontravam no terreno decidem abordá-lo, com o fito de proceder a revista, procedimento feito milhares de vezes pela polícia, sem que ocorram confrontos ou troca de tiros.
A revista, confirmando a detenção de arma, permitiria a detenção do referido indivíduo. Se tal não se confirmasse, não teria havido quaisquer outros problemas”.
Vingança
No seu mesmo artigo Carlos Reis coloca também em xeque a actual direcção da PJ e o inspector Gerson Lima, lançando suspeições sobre alegado envolvimento dos mesmos no mundo do crime.
“Por esta altura, as questões que devem ser colocadas têm que ver com que interesses que se movem para que tais acontecimentos estejam agora a ser deturpados, com intervenção direta da Direção Nacional da Polícia Judiciária”, indaga.
Para Reis, “as respostas estão ligadas a um afã de vingança, de gente que no passado manteve relações muito estranhas com o mundo do crime, nomeadamente do próprio narcotráfico e que, nesta altura, tentam voltar a servir interesses outros, muito distantes do Estado de Direito e da administração da Justiça”.
“Efetivamente, e neste ponto também tenho toda a disponibilidade em prestar esclarecimentos a quem de Direito, sobre as relações a que faço aqui referência e sobre as motivações ilegítimas que movem estas pessoas que hoje pretendem assumir responsabilidades para as quais não têm, nem competência, nem idoneidade para o fazer”, sublinhou.
Suspeições sobre Inspector Gerson Lima
O antigo DN da PJ questiona, ainda, se Gerson Lima é “testemunha credível”, tendo em conta o seu depoimento no processo relacionado com um crime de homicídio agravado, na forma consumada contra José Lopes Cabral (Zezito Denti d’Oru), que corre termos na Procuradoria da Comarca da Praia. E avança com a resposta:
“Não o é, por várias razões. Estamos a falar de um inspetor, que pese embora a sua já longa carreira, sempre foi visto com muita desconfiança relativamente à sua seriedade e probidade por vários colegas, principalmente pelas companhias com que sempre privou, muitas delas ligadas ao mundo do crime. Aliás, quando chego à Polícia Judiciária, em 2011, o referido Inspetor já tinha sido punido disciplinarmente por comportamentos que punham já em causa a imagem e reputação da instituição”.
Aquele inspector, prossegue Carlos Reis, “relativamente ao qual corre a instrução de um processo em que se encontra indiciado de crimes de adesão e colaboração com associação criminosa para o tráfico de produtos estupefacientes, lavagem de capitais, corrupção e extorsão, que inclusivamente chegou a ser preso fora de flagrante delito por ordem do Ministério Público e que tem um processo disciplinar em andamento e que pode ditar a sua expulsão da PJ, surge agora com estas declarações quando, à data dos fatos, foi liminarmente excluído das equipas de investigação ligadas às ameaças que pairavam sobre magistrados e funcionários da Polícia Judiciária, ligados à investigação e julgamento do caso conhecido por Lancha Voadora”.
Quem mente?
Diante dos factos vindos à luz do dia, impõe-se saber quem fala a verdade ou não. Mais do que isso, se há realmente condições para se saber, um dia, o que realmente anda à volta de todo este imbróglio, envolvendo agentes da PJ e a própria PJ, no fundo, enquanto instituição da República de Cabo Verde.
Neste mar de dúvidas, uma coisa é certa: Zezito Denti d’Oro, tido como pistoleiro a soldo, alegadamente ao serviço do narcotraficante Paulo Pereira, foi fuzilado por agentes da Polícia Judiciária. A grande questão é se essa forma de actuar é lícita num Estado de direito.