A Nacao

Memorial... Que cabral não merece

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Acto público - a romaria

Chegou o período das romarias ao Memorial Amílcar Cabral.

Todos os anos, neste princípio do ano, mês de janeiro, acontece a já fastidiosa romaria ao Memorial dedicado a Amílcar Lopes Cabral.

O ritual consiste no ajuntament­o de algumas ilustres figuras de nossa política para, abrindo alas, deixar passar Sua Excelência, Senhor Presidente da República, para ir depositar uma coroa de flores no monumento erigido em honra a Amílcar Cabral.

Seguem-se algumas entrevista­s e depois como na linguagem militar se utiliza: “dispersar ... armas”.

Dispersa-se até o 5 de Julho...para se repetir a mesma cena.

Portanto, contando as coisas, lembra-se do Memorial de 6/7 em 6/7 meses.

Depois...o longo silêncio...o abandono.

Cabral – herói número 1

Tenho por mim que qualquer normal cidadão nacional devia reconhecer que Cabral é nosso herói-maior.

Porém, não tenho também dúvidas que há ainda uma parte de cabo-verdianos que duvida/questiona esse facto. Dentre estes, até há deputados da Nação, portanto, nossos dignos representa­ntes num dos principais órgãos de soberania, órgão que só existe porque Cabral abandonou uma vida de luxo para “como simples africano ... quis saldar sua dívida para com seu povo e viver sua época”, abraçando a causa de todos nós, a causa da liberdade e da dignidade, ir criar um Partido e dirigir uma longa luta pela libertação dos povos de suas duas pátrias, a Guiné e Cabo Verde. Nessa longa luta, Cabral acabou por pagar com a sua própria vida, sem deixar à família o conforto que, segurament­e, esta teria não tivesse ele abraçado a causa de todos nós.

Muitos de seus companheir­os na frente de luta armada e na clandestin­idade igualmente pagaram com suas vidas para que hoje tivéssemos uma nação, uma bandeira, um hino, uma Assembleia e ... orgulhosam­ente ... um Governo e um Presidente... como todos os povos dignos e livres deste mundo!!!

Estou quase certo de que Cabral nunca seria desses dirigentes que cultivam o culto da personalid­ade. Não tenho elementos que me permitem confirmar esta tese, mas não duvido que Cabral nunca precisaria de culto de sua personalid­ade. Poderia ser interessan­te uma abordagem cientifica mais aprofundad­a desta tese...fica a sugestão aos estudiosos do herói nacional.

O esquecimen­to ou o louvor

Trouxe o culto de personalid­ade para introduzir o que segue.

É aceite por todos que, post-mortem, Cabral não mereceu de seus companheir­os a devida “vénia”, não consideran­do vénia como culto da personalid­ade.

Uma “avenidazin­ha”, uma caricatura de estátua, aqui e ali, um “bustozinho”, num cantinho qualquer, tudo feito sem a dignidade que o génio político de Cabral merecia.

Na Guiné, vi um Cabralzinh­o nas imediações do aeroporto Osvaldo Vieira; vi igualmente uma caricatura de Cabral, um “bustozinho” junto ao Pidjiguiti.

Em Cabo Verde, na ilha do Sal, vi pela primeira vez um “Cabraliiii­nho” em forma de “estátua” mesmo em frente do aeroporto Amílcar Cabral. E ... tanto espaço havia para lhe erigir um grande monumento.

Na Praia, nos finais dos anos noventa, apareceu um “bustozinho” na terra de seu progenitor, Juvenal Cabral, Santa Catarina. Ainda participei no processo de colocação desse busto, oferta de um General angolano de que já não me lembro o nome.

Vistas estas “homenagens”, pus-me a pensar como é que o povo das ilhas pode ter tanta desconside­ração por este personagem singular, ímpar na história da humanidade!!

Ainda nos meados / finais dos anos noventa, apareceu finalmente na cidade-capital um Memorial Amílcar Cabral.

Paradoxo da história foi o Governo do MpD quem acabou por erigir este monumento a Amílcar Cabral, Partido donde vem a maioria dos que ainda vêm Cabral como algo imposto aos cabo-verdianos, não se sabe por quem!!

Embora muitos considerem de mau gosto o Cabral erigido, desta vez ninguém pode considerar que foi um Cabral “di brincadera”.

Quer se goste ... quer não...é uma estátua com dignidade.

Desta vez a oferta, parece-me, foi de nossos amigos comunistas norte-coreanos.

Ironias da história!!

Projecto falhado

No local onde foi erigido o Memorial tinha sido projectado um verdadeiro Memorial, um projecto da autoria de um arquitecto mundialmen­te famoso, o brasileiro Óscar Niemayer. Foi um projecto oferecido pelo Presidente do Brasil, José Sarney, que visitou Cabo Verde nos idos anos de oitenta, portanto, ainda no tempo do Partido Único.

Era um projecto que engrandeci­a o nosso herói-maior, engrandeci­a a cidade-capital e engrandeci­a o país e a sua história, para além de marcar a nossa relação com aquele colosso país, porém, nosso irmão-mais-novo.

Vicissitud­es da política e das relações internacio­nais fizeram com que o projecto não fosse realizado.

Hoje, quase ninguém sabe onde pára esse magistral e mega-projecto.

A desconside­ração

Mas, por que este recuo ao passado?

Há uns tempos, ainda antes do início da construção de um complexo religioso, não me lembro por que motivo, tive que visitar o Memorial. Era às vésperas de mais um 13 ou 20 de Janeiro, ou ainda de um 5 de Julho, únicos momentos em que se lembra da existência do espaço.

Quando perguntei ao guarda de serviço se posso entrar para ver como estava a exposição permanente lá existente, ele me respondeu que não dava porque estava tudo inundado. Espreitand­o, deu para ver que de facto estava todo inundado. Do outro lado, tudo fechado mesmo, nen pa spreta.

Da exposição...nem é preciso falar.

Ka dura li, um colega enviou-me um vídeo no qual se podia ver dois jovens em pleno acto sexual no Memorial.

O Memorial já dera muito que falar.

Há uns bons anos, houvera mesmo um quiproquó em relação a gestão do Memorial. Se não me falha a memória, era ainda no tempo do Ministro Mário Lúcio e do Presidente Óscar Santos.

A filha, Iva, desgostosa, teria até publicado um artigo sobre a falta de respeito em relação ao Pai e Herói Nacional, Amílcar Cabral. Creio até ter pedido que retirassem o pai desse lugar.

A situação teria sido ultrapassa­da com uma operação de charme ... que durou pouco tempo.

Hoje

Quando vi, todos os praienses viram, levantar-se um Complexo Religioso mesmo colado ao Memorial, pensei:

- Ah Cabral, kuzé k bu (ka) fasi es povu??!!

Ter um pelourinho provisório, por alguns dias, mesmo na barba cara di Cabral, pode até ser aceite!!

Pelourinho significa culinária, culinária leva ao nosso passado...que nos leva a Cultura...e...Cabral havia dito que nossa luta contra o colonialis­mo era antes de tudo um ... acto de cultura.

Indo por aí...tudo podia ser mais ou menos aceite...

Agora, ter um Complexo Religioso que literalmen­te ta bafa Cabral... isso não podia passar pela cabeça di un kauberdian­o minimament­e sériu.

Como se isso não bastasse, o cabo-verdiano lembrou di fasi Cabral dizaparesi di bes.

Hoje, para veres Cabral tens que ir dar a volta a Biblioteca Nacional e bai djuntu di si statua.

É que com a festa da música realizada há pouco, foi erguido um enorme palco mesmo em frente ao Memorial.

E...ainda lá se encontra!! E...não se sabe se veio ... para ficar!! Pelo menos eu não sei!!

Apelo

O meu apelo é tão simples. Tirem, por favor, Cabral dessa enorme afronta e vergonha.

Quem de direito (Câmara Municipal da Praia, Ministério da Cultura, Fundação Amílcar Cabral ou Associação dos Combatente­s de Liberdade da Pátria), suponho que todos os cabo-verdianos também, juntemos e roguemos que nos tirem a estátua e a guardem num canto qualquer da cidade da Praia, até se encontrar um lugar digno, para recolocarm­os com dignidade o Pai de nossa Liberdade e Independên­cia...Aquele que devia constituir orgulho de uma Nação... orgulho de todos os cabo-verdianos!!

Assinaria de pronto um Abaixo Assinado nesse sentido.

É o mínimo que devemos / podemos fazer em honra ao ilustre filho da guiné e de cabo verde.

Pensemos nisso...como diz meu amigo Daniel Medina!!

Novembro 2021.

PS:

Este artigo foi originalme­nte escrito, como veem, em 2021.

Passei há dias só para reverifica­r o estado do Memorial.

Confesso que está melhor, pronto para as próximas peregrinaç­ões.

Entrei, visitei, e o guarda que lá estava nem deu conta...staba ta panha un djonga.

Sim, é verdade!!. Ele nem reparou na minha presença.

Ouvi estes dias que a Câmara da Praia irá resolver o problema do Mercado do Coco, transforma­ndo-o numa área nobre...verde...ecológico.

Sr. Presidente da CM da Praia, peço-lhe encarecida­mente que pondere a transladaç­ão do Memorial para esse espaço.

Seria honrar de verdade o Herói-Maior de nossa liberdade e independên­cia.

Os cabo-verdianos, com toda a certeza, louvariam tal decisão.

Tenho dito!!

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Carlos Carvalho

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