PR devolve diploma do Governo que mexe na regulação financeira
O Presidente da República devolveu, ao Parlamento, o acto legislativo do Governo que altera o regime de regulação financeira, passando certas competências do Banco Central para a Auditoria Geral do Mercado de Valores Mobiliários (AGMVM). Alegadamente, por trás dessa alteração está a intenção de acomodar a nomeação de dois quadros do Banco de Cabo Verde (BCV) para gerir o Fundo Soberano, o que neste momento é legalmente proibido.
Tendo considerado que o Fundo Soberano de Garantia do Investimento Privado (FSGIP) deve ficar sob a alçada do Banco de Cabo Verde (BCV), em termos de supervisão, o Presidente da República devolveu ao Parlamento o acto legislativo que criou esse fundo, na sequência da extinção do Trus Fund.
José Maria Neves ter-se-á deparado com a transferência da competência da supervisão do FSGIP do BCV para a Auditoria Geral do Mercado de Valores Mobiliários (AGMVM), ao que tudo indica, para acomodar pessoas politicamente ligadas ou afectas ao partido no Governo.
Alteração para beneficiar militantes do MpD
Com a alteração pretendida, conforme uma fonte bem posicionada, o Executivo queria “acomodar” João Fidalgo, principalmente, e Soeli Santos, nomeados nas vésperas das eleições legislativas, mas que, por causa da denúncia feita pelo A NAÇÃO, não puderam tomar posse na altura.
A situação arrasta-se até hoje e a via encontrada, pelo Palácio
da Várzea, foi retirar do BCV algumas das suas competências, enquanto regulador, passando-as para a outra entidade.
Isto tudo porque, sendo quadros do BCV, nos termos da lei, Fidalgo e Santos estão proibidos de exercer funções em instituições supervisionadas pelo Banco Central.
O nosso interlocutor considera que, neste caso, em vez de desistir das duas nomeações, recorrendo a pessoas com o perfil técnico adequado aos cargos, e seguindo o estabelecido até aqui, o Governo“tenta mudar a lei para, assim, cumprir com a pressão e compromissos assumidos, pouco se importando com a salvaguarda dos interesses da Nação”.
Contudo, sendo o FSGIP supervisionado pelo BCV (artigo 21.º da Lei n. 65/IX/2019, de 14 de agosto, que cria o Fundo), nem João Fidalgo nem Soeli Santos devem fazer parte do CA, uma vez que ambos são quadros do BCV.
Com efeito, é o que decorre do n. 3 do artigo 54.º da Lei Orgânica do Banco de Cabo Verde, segundo o qual “aos trabalhadores do Banco é vedado fazer parte dos órgãos sociais de entidades sujeitas à supervisão do Banco ou neste exercer quaisquer funções.
Mas, se a transferência da competência de supervisão do FSGIP, do BCV para a AGMVM se efectivar, João Fidalgo e Soeli Santos não terão mais impedimentos legais para assumirem as funções para as quais foram nomeados há já quase um ano.
Acresce que a Soeli Santos está a exercer, actualmente, as funções de directora geral do Tesouro, em regime de requisição.
Reservas do Presidente da República
Na nota que devolve o acto legislativo que altera o artigo 21º da Lei nº 65/IX/ 2019, de 14 de Agosto, que cria o Fundo Soberano de Garantia do Investimento Privado, o presidente da República considera que “não resulta claro” quais sãos os reais motivos da alteração do ‘statu quo’. Diz ainda que, particularmente, “não se explica” por quê o FSGIP veria a sua supervisão reforçada caso fosse para a AGMVM.
“Na verdade, o BCV já dispõe de competências legais de supervisão, nomeadamente em termos de matéria contraordenacional, iguais ou até superiores às que julgo pretender o Governo com a ‘revisão dos aspectos do regime contraordenacional dos Organismos de Investimento Coletivo, no sentido de garantir o respeito pelas normas previstas no regime jurídico”.
BCV melhor posicionado para supervisionar FSGIP
JMN considera, por outro lado, que o BCV já vem exercendo a supervisão das instituições por ele reguladas e supervisionadas “há várias décadas”, pelo que “já acumulou um leque bastante vasto de experiências vivenciadas e expertise, para além de dispor de muito mais recursos (humanos, materiais, tecnológicos, etc.) do que a AGMVM”.
Outro aspecto que o PR considera ser “não menos importante”, prende-se com o facto de a AGMVM, segundo o artigo 4º do Código do Mercado de Valores Mobiliário, funcionar na dependência do governador do Banco de Cabo Verde, não obstante gozar de autonomia funcional e administrativa.
Ou seja, “não goza do mesmo grau de independência que o BCV, para além de depender financeiramente desta instituição para funcionar”.
Considerando a natureza, a dimensão e a peculiaridade do FSGIP, o Presidente da República entende que o mesmo deve continuar a ser supervisionado pelo BCV, enquanto Banco Central da República de Cabo Verde, regulador e supervisor do sistema financeiro nacional, pelas garantias que esta instituição dá relativamente à qualidade e rigor da supervisão das instituições financeiras.
“O BCV está melhor posicionado para o acompanhamento da operacionalização de um instrumento tão complexo como é o FSGIP”.