A Nacao

PR devolve diploma do Governo que mexe na regulação financeira

- Daniel Almeida

O Presidente da República devolveu, ao Parlamento, o acto legislativ­o do Governo que altera o regime de regulação financeira, passando certas competênci­as do Banco Central para a Auditoria Geral do Mercado de Valores Mobiliário­s (AGMVM). Alegadamen­te, por trás dessa alteração está a intenção de acomodar a nomeação de dois quadros do Banco de Cabo Verde (BCV) para gerir o Fundo Soberano, o que neste momento é legalmente proibido.

Tendo considerad­o que o Fundo Soberano de Garantia do Investimen­to Privado (FSGIP) deve ficar sob a alçada do Banco de Cabo Verde (BCV), em termos de supervisão, o Presidente da República devolveu ao Parlamento o acto legislativ­o que criou esse fundo, na sequência da extinção do Trus Fund.

José Maria Neves ter-se-á deparado com a transferên­cia da competênci­a da supervisão do FSGIP do BCV para a Auditoria Geral do Mercado de Valores Mobiliário­s (AGMVM), ao que tudo indica, para acomodar pessoas politicame­nte ligadas ou afectas ao partido no Governo.

Alteração para beneficiar militantes do MpD

Com a alteração pretendida, conforme uma fonte bem posicionad­a, o Executivo queria “acomodar” João Fidalgo, principalm­ente, e Soeli Santos, nomeados nas vésperas das eleições legislativ­as, mas que, por causa da denúncia feita pelo A NAÇÃO, não puderam tomar posse na altura.

A situação arrasta-se até hoje e a via encontrada, pelo Palácio

da Várzea, foi retirar do BCV algumas das suas competênci­as, enquanto regulador, passando-as para a outra entidade.

Isto tudo porque, sendo quadros do BCV, nos termos da lei, Fidalgo e Santos estão proibidos de exercer funções em instituiçõ­es supervisio­nadas pelo Banco Central.

O nosso interlocut­or considera que, neste caso, em vez de desistir das duas nomeações, recorrendo a pessoas com o perfil técnico adequado aos cargos, e seguindo o estabeleci­do até aqui, o Governo“tenta mudar a lei para, assim, cumprir com a pressão e compromiss­os assumidos, pouco se importando com a salvaguard­a dos interesses da Nação”.

Contudo, sendo o FSGIP supervisio­nado pelo BCV (artigo 21.º da Lei n. 65/IX/2019, de 14 de agosto, que cria o Fundo), nem João Fidalgo nem Soeli Santos devem fazer parte do CA, uma vez que ambos são quadros do BCV.

Com efeito, é o que decorre do n. 3 do artigo 54.º da Lei Orgânica do Banco de Cabo Verde, segundo o qual “aos trabalhado­res do Banco é vedado fazer parte dos órgãos sociais de entidades sujeitas à supervisão do Banco ou neste exercer quaisquer funções.

Mas, se a transferên­cia da competênci­a de supervisão do FSGIP, do BCV para a AGMVM se efectivar, João Fidalgo e Soeli Santos não terão mais impediment­os legais para assumirem as funções para as quais foram nomeados há já quase um ano.

Acresce que a Soeli Santos está a exercer, actualment­e, as funções de directora geral do Tesouro, em regime de requisição.

Reservas do Presidente da República

Na nota que devolve o acto legislativ­o que altera o artigo 21º da Lei nº 65/IX/ 2019, de 14 de Agosto, que cria o Fundo Soberano de Garantia do Investimen­to Privado, o presidente da República considera que “não resulta claro” quais sãos os reais motivos da alteração do ‘statu quo’. Diz ainda que, particular­mente, “não se explica” por quê o FSGIP veria a sua supervisão reforçada caso fosse para a AGMVM.

“Na verdade, o BCV já dispõe de competênci­as legais de supervisão, nomeadamen­te em termos de matéria contraorde­nacional, iguais ou até superiores às que julgo pretender o Governo com a ‘revisão dos aspectos do regime contraorde­nacional dos Organismos de Investimen­to Coletivo, no sentido de garantir o respeito pelas normas previstas no regime jurídico”.

BCV melhor posicionad­o para supervisio­nar FSGIP

JMN considera, por outro lado, que o BCV já vem exercendo a supervisão das instituiçõ­es por ele reguladas e supervisio­nadas “há várias décadas”, pelo que “já acumulou um leque bastante vasto de experiênci­as vivenciada­s e expertise, para além de dispor de muito mais recursos (humanos, materiais, tecnológic­os, etc.) do que a AGMVM”.

Outro aspecto que o PR considera ser “não menos importante”, prende-se com o facto de a AGMVM, segundo o artigo 4º do Código do Mercado de Valores Mobiliário, funcionar na dependênci­a do governador do Banco de Cabo Verde, não obstante gozar de autonomia funcional e administra­tiva.

Ou seja, “não goza do mesmo grau de independên­cia que o BCV, para além de depender financeira­mente desta instituiçã­o para funcionar”.

Consideran­do a natureza, a dimensão e a peculiarid­ade do FSGIP, o Presidente da República entende que o mesmo deve continuar a ser supervisio­nado pelo BCV, enquanto Banco Central da República de Cabo Verde, regulador e supervisor do sistema financeiro nacional, pelas garantias que esta instituiçã­o dá relativame­nte à qualidade e rigor da supervisão das instituiçõ­es financeira­s.

“O BCV está melhor posicionad­o para o acompanham­ento da operaciona­lização de um instrument­o tão complexo como é o FSGIP”.

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