Banco Alimentar e Cáritas alertam para o surgimento de “novos pobres”
Ultimamente, com a nova situação económica do país, tanto o Banco Alimentar contra a Fome, como a Cáritas Cabo-verdiana afirmam estar a verificar o aumento da procura de ajudas. A situação é mais difícil de lidar, sobretudo, nas ilhas de Santiago (Praia) e Santo Antão. A isso soma-se o surgimento de “novos pobres”.
“Chegam cá e dizem ‘Dona Ana, disseram-me que a senhora é a única que me pode ajuda’. São dezenas de pessoas na nossa porta, todos os dias, acompanhadas de crianças, dizendo que de manhã e à tarde não comeram nada. Nos seus aspectos dá para verificar que falam a verdade”, diz Ana Hopffer Almada, responsável da Fundação Donana e também do Banco Alimentar Contra a Fome, ambas na cidade da Praia, mas com “antenas” em outros concelhos de Santiago e restantes ilhas.
Como diz, o quadro existente anda a gerar certos constrangimentos à Fundação que trabalha directamente com as associações comunitárias e que nem sempre é possível socorrer quem bate à porta.
“Nós não costumamos fazer doações individuais. Fazemo-lo através de associações para saber se a pessoa realmente precisa. Mas, quando as pessoas chegam cá, a dizer que não comeu nada há ou dois dias, não conseguimos deixá-las de mãos vazias”, conta, relembrando um caso recente:
“Chegou uma senhora de manhã, às 7 horas, à procura de ajuda. Disse-lhe que a Fundação só abre à tarde por causa da voluntária que trabalha no período da manhã, essa senhora disse-me que ia esperar porque não tinha nada em casa. De facto, esperou até às 15 horas”.
Ana Hopffer Almada diz que, diante deste aumento de procura, sobretudo às sextas-feiras, graças às doações que vai recendo e repassando a quem precisa, a Fundação vai conseguindo dar respostas, “à medida do possível” e do seu alcance. No entanto, não sabe dizer até quando vai poder manter as portas abertas, pois, a carência ultrapassa a alimentação e há também jovens a pedir apoio, na fundação, para custearam os transportes e as propinas escolares.
“Neste momento, dentro da nossa política, trabalhar através das associações, estamos a actualizar a lista dos beneficiários porque há claramente necessidade de entrar mais pessoas. Aqueles que nos procuram levam alguma coisa na mão, mas encaminhamos lhe para a associação da comunidade para serem incluídos na lista para não duplicar as ajudas”, explicou.
Como realça, entretanto, o foco hoje em dia deixou de ser os idosos, doentes acamados ou pessoas deficientes, pois “hoje lidamos com novos pobres devido às novas condições”, condições impostas pela pandemia da covid-19, desde que esta chegou a Cabo Verde, em Abril de 2020. Portanto, quase dois anos a lutar contra essa nova adversidade, que veio agravar a situação daqueles que, antes, já se encontravam em situação aflitiva.
As piores situações, segundo a responsável da Fundação Donana, registam-se nos subúrbios da
Praia. Acredita, porém, que o problema é generalizado, estende-se a outras ilhas e concelhos.
Por exemplo, com a seca e com a covid-19, “as três comunidades de São Martinho Pequeno”, no concelho da Praia, “têm-se queixado bastante, assim como os moradores de Casa Lata, no Palmarejo e Fundo Cobom, entre outros bairros”, disse, realçando a presença do Banco Alimentar nas ilhas de São Vicente, Sal, Fogo e Brava.
“A falta de recursos não nos permite estar em todas as ilhas, mas estamos cada vez mais perto, através de parceiros locais e não só. Estamos a criar as condições para ir à Boa Vista, uma ilha que já conta com a solidariedade da Fundação Dona Ana, sobretudo no Bairro de Boa Esperança, mas que precisa também do Banco Alimentar”.
Cáritas acciona emergência
Por sua vez, a Cáritas Cabo-verdiana, ligada à Igreja Católica, diz que também registou nos últimos anos um aumento expressivo de procura de ajuda, tanto de forma directa como indirecta.
“Uma das maiores preocupações colocadas pelas nossas ‘antenas’, pessoas que nos representam nas comunidades, é que há cada vez mais gente em dificuldades, que precisam entrar nas nossas listas para receberem cestas básicas. Isto, para além daqueles que preferem procurar a Cáritas directamente, por desespero, dizendo que não tem nada para comer. É uma situação triste de se ver”, diz Ronice Duarte, directora executiva da Cáritas Diocesana de Santiago, para quem “responder” a este tipo de demanda, num país marcado pela pobreza, “não tem sido fácil”.
“Temos estado a mobilizar os recursos junto de alguns parceiros e da Cáritas a nível nacional para atribuição de sestas básicas, mas não tem sido suficiente”, admitiu.
O quadro existente é também uma preocupação desta entidade, da Igreja Católica, a nível nacional que chama atenção aos novos desafios que se colocam na solidariedade aos mais pobres.
“São custos de vida que aumentaram sabendo nós que o salário não acompanhou esta subida. Pessoas que perderam o emprego, na pandemia, e que ainda não voltaram ao mercado de trabalho e outras cujos rendimentos são tão baixos que não cobrem as despesas da família. Estas não conseguem mais pagar as facturas da eletricidade nem encher as botijas de gás. Neste último caso, veem como solução cozinhar à lenha, que tem também as suas consequências, a desflorestação e os problemas de saúde. Há que se fazer alguma coisa”, alerta, por seu turno, Marina Almeida, secretária geral da Cáritas Caboverdiana,
realçando que estas questões estão em cima da mesa para momentos oportunos serem colocadas ao Governo e à Cáritas Internacional, para juntos obterem melhores respostas para quem precisa em Cabo Verde.
A Cáritas, com presença em todas as ilhas através de Cáritas paroquiais, afirma que a ilha de Santiago, por ser a maior do país, onde população é também ela maior, acaba por ser a que mais carências apresenta em termos de ajuda ou apoio alimentar.
“Santiago, sobretudo na Praia, nas zonas periféricas. Isto sem contar que muitas pessoas que estavam nas ilhas e com a covid-19 voltaram e ficaram desempregadas, a viver em condições habitacionais preocupantes, para além de questões de alimentação. Outros vieram do interior com o mau ano agrícola procurando soluções também na Praia”, explicou Marina Almeida.
Entretanto, essa fonte alerta que a situação de Santo Antão é também “bastante difícil”, a exigir uma atenção particular, dadas as características sociais e económicas dessa ilha. “Há bem pouco tempo, a nossa representante na ilha disse que a situação que se vê agora há muito que não se via. Ela disse que se vê nos olhos das crianças de que elas têm fome. A Cáritas não consegue ficar indiferente a esta situação, uma das mais difíceis que enfrenta”, conclui.