AJOC quer queda do artigo 113º do Código do Processo Penal por ser inconstitucional
Amanifestação de sexta-feira teve lugar, na Praia, perto da sede da Procuradoria Geral da República, à mesma hora em que foram ouvidos o jornalista Daniel Almeida e o director do A NAÇÃO, Alexandre Semedo.
No Mindelo, os colegas de profissão concentraram-se também, em solidariedade, em frente ao Palácio da Justiça.
Com palavras de ordem como “jornalismo não é crime”, “não nos vão calar”, “não queremos retrocesso”, entre outras, na capital, jornalistas e cidadãos pediram a revisão da lei, especificamente do artigo 113º, do Código do Processo Penal (CPP), que não exclui os jornalistas da criminalização, por desobediência qualificada, em caso de divulgação de partes processuais, em segredo de justiça.
“Estamos aqui a manifestar contra aquilo que consideramos ser ataques à liberdade de imprensa em Cabo Verde, com a constituição de arguidos do jornal Santiago Magazine, Jornal A NAÇÃO e os jornalistas Hermínio Silves e Daniel Almeida”, disse o presidente da AJOC, Geremias Furtado.
Lacuna na lei para perseguir jornalistas
O jornalista e antigo presidente da AJOC, Carlos Santos, pontuou que, no seu percurso profissional, não tem memória de ver jornalistas indiciados e constituídos arguidos, apenas pelo facto de estarem a fazer o seu trabalho e de terem divulgado uma informação que é de interesse público.
Para esse profissional, existe uma incongruência na lei, que está a ser explorada pelo Procurador Geral da República, para perseguir jornalistas.
A AJOC defende a revogação do artigo 113º do Código do Processo Penal, considerado inconstitucional por vários juristas, ao imputar responsabilidade criminal ao jornalista no que toca à violação do segredo de justiça. Jornalistas e profissionais do sector da comunicação social protestaram, na sexta-feira, 04, na Praia e no Mindelo, contra o que consideram ser ataques à liberdade de imprensa no país.
Natalina Andrade
O que acontece hoje, reforçou a jornalista Rosana Almeida, são sinais preocupantes, que podem vir a constituir algum retrocesso em ganhos já conseguidos.
Em São Vicente, o jornalista Nuno Andrade Ferreira disse acreditar que há princípios e valores intocáveis que devem ser salvaguardados, para que haja o funcionamento da liberdade de imprensa, num Estado de direito democrático.
Advogado confiante no arquivamento
À saída da Procuradoria Geral da República, onde foram ouvidos Daniel Almeida e Alexandre Semedo, indiciados pela prática do crime de desobediência qualificada, por divulgar partes de um processo em segredo de justiça no caso relativo à morte do cidadão José Lopes Cabral, também conhecido por Zezito Denti D’Oru, por agentes da Polícia Judiciária, em 2014, o advogado de defesa mostrou-se confiante no arquivamento do processo.
“O meu cliente está seguro, tranquilo e de consciência serena de que não cometeu nenhuma ilegalidade ao fazer aquela notícia”, disse Mário Marques, explicando que o processo está ainda na fase de instrução, destinada à recolha de indícios e que, só depois, o Ministério Público “poderá fomentar uma acusação ou então um arquivamento”.
Entretanto, para aquele advogado, ainda que o proces
so venha a ser arquivado, a situação por que passa a comunicação social neste momento acaba por criar, tanto nos seus clientes, como em outros jornalistas, “o sentimento de medo, uma vez que têm contra si a máquina do Estado”.
Quanto à inconstitucionalidade do artigo 113º do CPP, Mário Marques diz que “não se pode dar com uma mão e tirar com a outra”, apontando, por isso, os artigos 112º e 113º como incoerentes.
Inconstitucionalidade
No entendimento do também advogado Hélio Sanches e candidato à Presidência da República nas eleições passadas, o artigo 113º é inconstitucional, tendo em conta que os jornalistas em questão não são parte processual, e tendo em conta, também, “o bem jurídico principal, que é a liberdade de imprensa e a liberdade de informação, previstas no artigo 60º da Constituição da República”.
“No meu entendimento, quando o jornalista é arguido ou testemunha em um processo, ele, de facto, está vinculado ao segredo de justiça, e pode ser criminalizado, por desobediência, nos termos do artigo 113º. Todavia, o jornalista que não está vinculado ao segredo de justiça, ou seja, que não é nenhum interveniente processual, se ele tiver acesso a informação relevante e de interesse público, e divulgar essa informação, ele não pode ser criminalizado”, explicou, em declarações ao A NAÇÃO.
Neste caso, continua, a criminalização com base no artigo 113º “não faz nenhum sentido”.
Do seu ponto de vista, sendo o referido artigo inconstitucional, “nenhum magistrado é obrigado a aplicar a norma, se entender que ela é efectivamente inconstitucional, assim como determina a Constituição da República”.