Avanço tecnológico
Dados recentes do INE indicam que cerca 76% da população em Cabo Verde tem acesso à Internet, metade (50,8%) tem acesso a revistas, jornais, e livros electrónicos. Contudo, de acordo com a mesma fonte, apenas 38,4 % dos cabo-verdianos têm o hábito de ler. Nessa equação, nem sempre fácil de resolver, há quem diga, até, que os números são menos optimistas.
No mar de dificuldades que é manter uma livraria, para sobreviver, diz Daniel Brito, para além das vendas no local, a Semente vem tentando, na medida do possível, acompanhar os avanços tecnológicos aproveitando algumas das suas facilidades. Realiza vendas através das redes sociais, nomeadamente no Facebook e no Instagram, embora não possua um site para “fomentar” o comércio electrónico. Ainda assim, os leitores mais curiosos e interessados, através dessas duas plataformas, vão vendo o que a Semente tem em carteira.
Diz Daniel Brito, a propósito: “A nossa venda online faz-se da seguinte forma: os clientes solicitam os livros através redes sociais (Facebook e Instagram), realizam a transferência bancária e a livraria, por sua vez, envia as encomendas pelos correios. Em breve disponibilizaremos um método de pagamento novo e mais prático que é o Easy link (serviço simples que permite aos comerciantes criarem links de pagamento de forma fácil)”.
Face ao avanço imparável das TIC, Brito diz-se ciente também desse perigo, uma vez que, por este mundo fora, “as pequenas livrarias físicas não conseguem competir em termos de preços com as grandes e nem com as Big Tech tal como Amazon (apesar de esse não ser o core Bussines da Amazon)”.
Em Cabo Verde, como refere, a sobrevivência das livrarias coloca-se num nível mais básico: “Há desafios sim, mas em Cabo Verde não se sente tanto, tal como nos outros países em que o digital pode ser considerado um adversário agressivo para as livrarias físicas. Quando muito, as duas formas de venda e leitura - livraria física como as online - vão conviver por muito e muito tempo, por serem modelos de negócios diferentes”.
Para este amante do livro e da leitura, “escolher um livro online ou entrar numa livraria pegar num livro e manuseá-lo, ter um livreiro disponível para se aconselhar acerca de uma obra, não acontece no digital, logo, são experiências completamente diferentes”. Por isso, acredita também, aconteça o que acontecer, “o livro físico terá sempre o seu lugar”.
Custos e dificuldades
Além disso, particularmente em São Vicente, que é a realidade que o nosso entrevistado melhor conhece, as TIC não estão longe de ser o principal desafio a ser considerado nesta equação pela sobrevivência, apontando outros. Nomeadamente, a pequenez do mercado, as tributações e a distribuição das obras nacionais, estas sim podem ser consideradas o calcanhar de Aquiles neste ramo de negócio.
“O mercado é muito pequeno e esta é uma limitação que coloca em risco não só a sobrevivência das livrarias como de vários outros negócios. Depois, há os custos alfandegários, os impostos que se tem de pagar, embora, quando abrimos, já sabíamos que haveríamos de nos confrontar com este tipo de dificuldades”.
O sector livreiro em Cabo Verde, ainda de acordo com o nosso entrevistado, enfrenta um outro grave problema, quase estrangulamento, o da distribuição e transporte, nomeadamente da ilha de Santiago para São Vicente, ou vice-versa, de obras de autores nacionais. Há, inclusivamente, organismos do Estado (a Biblioteca Nacional e a Imprensa Nacional) que não fornecem livros para particulares em outras ilhas, “o que é um entrave para quem não está na capital”.
Em consequência, há obras publicadas na Praia que não chegam ao Mindelo, e vice-versa, ou que, por causa disso, levam uma eternidade para chegar. Um exemplo flagrante e grave: até a Constituição da República chega a ser difícil de encontrar no Mindelo.
Por isso, o entrevistado do A NAÇÃO diz não ter dúvidas: “As melhorias do sector passam pela distribuição (inexistente ao nível das entidades públicas - Biblioteca Nacional, Imprensa Nacional, entre outras).
Mas também a organização de toda a cadeia do livro, constituição de associações e entidades representativas como, por exemplo, uma associação de editores e livreiros e, por que não também, “políticas de incentivo ao livro e à leitura”, a que se junta algum controlo nas fotocópias de obras inteiras.
Ademais, há também o Plano Nacional da Leitura, há muito anunciado, mas que, no dizer do nosso entrevistado, ainda não se conhece a “sua configuração”, não se sabendo ao certo o que se pretende com o mesmo.
“À partida, será algo positivo, desde que devidamente enquadrado por medidas e estratégias que envolvam as comunidades educativas. Algo que também deverá ser equacionado pelas Câmaras Municipais são os Planos Municipais de Leitura. Nós, na Semente, disponibilizamos muitas das obras que fazem parte do PNL de Portugal e que têm boa aceitação entre os nossos leitores”, sugere.
Para Daniel Brito, num país com graves problemas de leitura, onde as dificuldades são inúmeras, abrir e manter uma livraria, no Mindelo, está longe de ser coisa fácil. “Ainda assim, vamos sobrevivendo”, desabafa o dono da Semente.