A Nacao

Conversas com o comandante Bobo Keita

Norberto Carvalho apresenta, na Praia, “De campo em campo”

- Romice Monteiro

O investigad­or guineense Norberto Tavares de Carvalho, radicado na Suíça, apresenta esta quinta-feira, 10, na cidade da Praia, a segunda edição do seu livro “De campo em campo, Conversas com o comandante Bobo Keita”. Nele conta a trajectóri­a dessa figura do PAIGC e da Guiné, mas também de Cabo Verde. Isto porque, com a destituiçã­o do presidente Luís Cabral, em 1980, Bobo preferiu exilar-se em Cabo Verde, aqui morrendo em 2009.

Feito a partir de “conversas” (entrevista­s) com Bobo Keita, basicament­e, “De campo em campo” reconstitu­i a vida desse outrora célebre e respeitado comandante guineense, que jovem ainda aderiu à luta nacionalis­ta, depois de mobilizado por Amílcar Cabral, ainda no tempo em que este dirigia a Granja Experiment­al de Pessubé. Bobo integra, de resto, a lista dos primeiros guerrilhei­ros formados pela China a pedido do PAIGC, no início dos anos 1960.

Antes de abraçar a luta e as armas, Bobo Keita foi também um habilidoso a apreciado craque de futebol, tendo alinhado pela Selecção Nacional da então Guiné-Portuguesa. Graças a isso conheceu várias partes de África, inclusive Cabo Verde, enfrentand­o, na Praia e no Mindelo, os rivais cabo-verdianos.

Mas foi no Gana, onde a selecção da Guiné foi representa­r essa então colónia portuguesa nas festividad­es da independên­cia do Gana, que, ao ouvir o discurso do presidente Kwame Nkrumah, Bobo Keita se sentiu inspirado a lutar pela independên­cia do seu próprio país, mais tarde, Guiné-Bissau.

“Foi aí que ele teve a sua primeira inspiração nacionalis­ta que de volta à Guiné, resolveu juntar-se ao Amílcar Cabral que já estava em Conacri”, diz Norberto Carvalho ao A NAÇÃO, sobre o livro que, em si, “conta a história de como é que o filho de um simples alfaiate (pai de Keita) conseguiu marcar e escrever linhas interessan­tes sobre a Luta de Libertação Nacional”.

Norberto Tavares de Carvalho, conhecido também por Kôte, radicado na Suíça, avançou ainda que “De campo em campo” pretende apresentar a história da participaç­ão activa de Bobo Keita na luta armada até à independên­cia, numa “perspectiv­a diferente” do habitual, trazendo aspectos pouco ou nada conhecidos dessa gesta até ao golpe de Estado de Nino Vieira, em 1980, que destituiu Luís Cabral.

“Revelações” sobre a morte de Amílcar Cabral

Como refere o entrevista­do do A NAÇÃO, “Aristides Pereira, Pedro Pires, entre outros, escreveram histórias, mas esta, a de Bobo Keita, representa o primeiro testemunho de alguém que sempre esteve no terreno e que fala da parte interna da luta em Conacri. Aquele que esteve

no meio da guerrilha”.

Um dos aspectos abordados, como não poderia deixar de ser, é a morte de Amílcar Cabral, a 20 de Janeiro de 1973. “Bobo Keita esteve com ele pouco antes do seu assassinat­o, no mesmo dia. Foi buscar uma carta que tinha que entregar ao comandante Pedro Pires e ao Nino Vieira algumas horas antes do crime cometido em Conakry”.

No livro, segundo Carvalho, “Bobo Keita fala de um alto dirigente do PAIGC que esteve juntamente com as pessoas que assassinar­am Amílcar Cabral, naquela noite, e que passou o dia com Inocêncio Cani, tendo, portanto, um papel muito compromete­dor neste crime. Hoje, o Aeroporto Internacio­nal de Guiné Bissau tem o seu nome, ou seja, estamos a falar de Osvaldo Vieira”.

Um outro aspecto, aponta Carvalho, é que “dizem que foi uma fragata soviética que intercepto­u o barco do Inocêncio Cani, onde estava preso o Aristides Pereira, mas o Bobo Keita diz que não foram os soviéticos que detiveram o Cani, mas sim um governador da República da Guiné Conakry”.

Cabral e os camaradas “não lutaram em vão”

Para além da questão da morte de Amílcar Cabral, “De campo em campo”, argumenta ainda o seu autor, que a luta pela libertação nacional era necessária, ao contrário do que muitas pessoas defendem, sobretudo na Guiné-Bissau, face à desgraça em que se encontra esse país, outrora respeitado pela acção anticoloni­al do PAIGC e do seu líder, Amílcar Cabral.

“Hoje, na Guiné, há gente que tende a dizer que mais valia deixar os portuguese­s governar, porque as dificuldad­es persistira­m e se agravaram com a independên­cia. Com este livro argumento que não há uma relação de causa-efeito entre a luta e o que se passou depois da independên­cia”, explicou.

Sobre esta questão, Carvalho defende também que a situação em que se encontra o seu país natal, de novo em foco da comunidade internacio­nal por causa dos últimos acontecime­ntos em Bissau, resulta, sobretudo, da má gestão a que o mesmo tem sido submetido ao longo de todos estes anos, o que faz com que esse país não tenha conseguido até hoje ultrapassa­r certas dificuldad­es.

“A luta dirigida por Amílcar Cabral era necessária e tinha que ser. Diante das dificuldad­es de hoje não se pode pôr em causa o trabalho que Cabral fez com os seus camaradas. Não tem nada a ver e não há uma relação de causa e efeito”, sublinha.

Participaç­ão dos caboverdia­nos na luta

A obra conta com vários anexos e está dividido em quase 300 páginas, com um capítulo em que Bobo Keita aborda a participaç­ão dos cabo-verdianos na luta pela libertação nacional.

“Uma certa camada guineense diz que os cabo-verdianos nunca estiveram na frente desta batalha. Dizem que o Cabral sempre poupou os patriotas das ilhas e que a carne para canhão era destinada aos guineenses. Neste livro, Bobo Keita prova o contrário. Há vários cabo-verdianos que estiveram sempre na frente da batalha”, diz Norberto Tavares de Carvalho.

A nova edição de “De campo em campo, Conversas com o comandante Bobo Keita” foi apresentad­a há duas semanas em Bissau e hoje, na Praia, a sua apresentaç­ão será às 17 horas, na Biblioteca Nacional.

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