A Nacao

Cabo-verdiana destaca-se na investigaç­ão científica em Portugal

- Gisela Coelho

Mónica Medina, natural de Santo Antão, está a sobressair na área da investigaç­ão científica em Portugal, onde concluiu com 20 valores, o mestrado em Biologia Humana e Ambiente, com uma tese de investigaç­ão sobre “Metodologi­as para o controlo da pandemia da Covid-19”, pela Faculdade de Ciências da Universida­de de Lisboa. Regressar a Cabo Verde é um plano “a longo prazo”, para colocar a sua expertise na área ao serviço do país.

Aos 34 anos, Mónica Medina realizou um sonho. Concluiu, no início deste mês, o seu mestrado em Biologia Humana e Ambiente, pela Faculdade de Ciências da Universida­de de Lisboa, com uma tese/ dissertaçã­o resultante de investigaç­ão científica em “Metodologi­as para o controlo da pandemia da Covid-19”.

“Para a minha dissertaçã­o de mestrado, decidi que queria trabalhar em projectos que tivessem como objectivo ajudar a compreende­r a biologia do novo coronavíru­s e da doença que causa a covid-19, devido ao meu interesse em explorar áreas da virologia e diagnóstic­o molecular de doenças infeciosas”.

Por isso, no último ano, enquanto trabalhava na sua tese, Mónica Medina esteve integrada no Laboratóri­o da Biologia da Infecção Viral, liderada pela virologist­a Maria João Amorim, e sediado no Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), em Oeiras. O estágio foi realizado no âmbito da Bolsa de Investigaç­ão António Coutinho, para a qual foi selecionad­a em 2020, juntamente com outros dois colegas de Moçambique.

“A bolsa António Coutinho é uma bolsa organizada pela Fundação Calouste Gulbenkian, a grande farmacêuti­ca Merck e a Câmara Municipal de Oeiras para dar oportunida­de a estudantes e profission­ais dos PALOP para fazerem investigaç­ão em institutos de referência, em Portugal”, atesta.

O trabalho final da tese, como veremos mais à frente, é parte integrante de um “trabalho maior” sobre questões ligadas ao novo coronavíru­s, que envolveu várias entidades de investigaç­ão e hospitais, em Portugal.

“A minha dissertaçã­o de mestrado foi elaborada no âmbito de dois projectos conceptual­izados pelo Laboratóri­o da Biologia da Infecção Viral no IGC, que exploraram questões pertinente­s e metodologi­as cruciais para o controlo da actual pandemia”, começa por explicar a investigad­ora.

No primeiro projecto, como diz, o objectivo era compreende­r o impacto das mutações adquiridas pelas variantes do novo coronavíru­s (SARS-CoV-2), na capacidade dos anticorpos gerados pela infecção natural, em neutraliza­r o vírus e evitar a infecção.

“Isto é importante principalm­ente para compreende­r o papel das mutações na proteína da espícula (ou spike em inglês - é a proteína responsáve­l pela ligação do vírus às células humanas) das várias variantes em causar reinfecçõe­s ou de diminuir a eficácia das vacinas e das terapias disponívei­s actualment­e”.

Com lembra, “a evolução do novo coronavíru­s tem sido marcada pelo aparecimen­to de diversas variantes, em diferentes países, alguns com rápida disseminaç­ão pelo mundo (a mais recente Ómicron), o que provocou, e tem provocado preocupaçõ­es no seio da comunidade científica internacio­nal devido ao seu potencial de maior transmissi­bilidade, evasão ao sistema imunitário e severidade da doença relativame­nte ao vírus original”, elucida sobre a pertinênci­a deste primeiro projecto.

Já no segundo, foram avaliadas as metodologi­as alternativ­as de diagnóstic­o da covid-19, em que analisaram a sensibilid­ade analítica da testagem molecular (utilizando a técnica de PCR), usando a saliva de crianças até aos 10 anos de idade, em vez do exsudado nasofaríng­eo.

“Compreende­mos que mé

todos de testagem fáceis que podem ser colhidos em casa por exemplo, constituem uma mais valia no combate à pandemia. Hoje em dia vemos como as escolas estão a contribuir para a transmissã­o do vírus SARS-CoV-2 e é importante haver metodologi­as fáceis e não invasivas para o diagnóstic­o de crianças, principalm­ente em contexto escolar.

Principais conclusões

O primeiro projecto, que tem a ver com as mutações do vírus, foi desenvolvi­do no IGC, em colaboraçã­o com as equipas lideradas por Cláudio M. Soares, do ITQB NOVA e Helena Soares do Centro de Estudos de Doenças Crónicas (CEDOC) da NOVA Medical School.

Mónica Medina explica que no primeiro projecto usaram uma metodologi­a em que determinar­am e confirmara­m resultados já descritos na literatura sobre as três variantes que começaram a circular com maior frequência, a partir do final de 2020. Ou seja, Alfa, identifica­da pela primeira vez no Reino Unido; Beta, identifica­da pela primeira vez na África do Sul e Gama, identifica­da pela primeira vez no Brasil.

“As variantes Beta e Gama possuem caracterís­ticas na proteína da spike que lhes conferem a capacidade de não ser reconhecid­as de forma eficiente pelos anticorpos que são gerados pela infecção natural ou pela vacinação. No entanto, as vacinas disponívei­s continuam a ser eficazes contra estas duas variantes (cuja prevalênci­a na população já não tem muita expressão devido à dominância mundial da variante Ómicron). Também identifica­mos dois pontos estruturai­s na proteína da proteína da spike que podem conferir ao vírus a capacidade de escapar à acção dos anticorpos gerados pela infecção ou pela vacinação”, elucida.

Também, foram identifica­das duas mutações na proteína da spike, E484K e S494P que são, como explica, mutações “preocupant­es” e “com potencial de evasão à acção dos anticorpos neutraliza­ntes”.

“Um resultado muito importante que obtivemos foi o facto de essas mutações (E484K e S494P) quando em combinação com as mutações N501Y e K417N que são conhecidas por estabelece­r uma melhor ligação com o receptor usado pelo vírus nas nossas células (a ACE2, Enzima Conversora da Angiotensi­na 2), possuem a capacidade de diminuir de forma acentuada a capacidade dos anticorpos em neutraliza­r o vírus, chamando a nossa atenção para o facto do vírus conseguir escapar aos anticorpos, mas mantendo uma ligação eficiente ao receptor celular de modo a infectar melhor as células”.

A monitoriza­ção do vírus e das suas variantes, explica a nossa entrevista­da, irá continuar de modo a gerar conhecimen­to e metodologi­as como as desenvolvi­das no seu estudo, “que permitam às autoridade­s de saúde tomar decisões informadas relativame­nte à eficácia das vacinas, terapias desenvolvi­das e/ou em ensaios clínicos, isolamento­s e próximos passos na gestão da pandemia”.

Já o segundo projecto foi desenvolvi­do, também no IGC, e em colaboraçã­o com o Hospital Dona Estefânia e Hospital Prof. Doutor Fernando da Fonseca, EPE (Amadora Sintra), está disponível num repositóri­o online e sob revisão na revista científica PLoS ONE com o título “Saliva molecular testing bypassing RNA extraction is suitable for monitoring and diagnosing SARS-CoV-2 infection in children”, na tradução, “A testagem molecular utilizando a saliva em que se omite a extracção de RNA é adequado para monitoriza­r e diagnostic­ar a infecção causado pelo SARS-CoV-2 em crianças”.

Neste caso, a investigad­ora explica que demonstram, tal como outros grupos de investigaç­ão, que é possível identifica­r o SARS-CoV-2 de forma “eficiente” na saliva.

“No nosso método usamos o método de PCR, mas com amostras de saliva, e podemos concluir que a testagem molecular usando a saliva em crianças e adultos (hospitaliz­ados nos Hospitais de Dona Estefânia e Amadora Sinta) é eficiente e muito comparável com o método de diagnóstic­o padrão em que se usa o exsudado nasofaríng­eo”.

A vantagem explica, é que a colheita da saliva pode ser feita em casa, com a ajuda dos pais ou encarregad­os de educação e, por ser uma colheita que não gera desconfort­o, pode ser usada para monitoriza­ção de crianças nas escolas mas também em adultos. “Este método está implementa­do desde 2021 no IGC, e é feito semanalmen­te para monitoriza­r os seus colaborado­res”.

O uso da saliva como amostra, para a detecção do SARS-CoV-2, já começa a ser mais aceite e reconhecid­o, tendo sido incluído como amostra biológica alternativ­a para testes de rastreio de contactos na actualizaç­ão de 24/01/2022 da Norma de rastreio de contactos da Direcção Geral de Saúde Portuguesa. Também já começa a ser feito em vários laboratóri­os Portuguese­s nomeadamen­te a UNILABS, Synlab e Germano de Sousa. A saliva, avança Mónica, está a ser usada, também, para monitoriza­ção de crianças do 1º ciclo e 2º ciclo nas escolas públicas do Munícipio de Oeiras.

“O estudo feito por nós, e por outros grupos de investigaç­ão, têm permitido reforçar as evidências do uso da saliva na detecção do SARS-CoV-2, que permitem diminuir a logística associada à colheita, por não precisar de profission­ais de saúde para fazer a colheita e equipament­o de protecção pessoal, e também por não ser necessário o uso de zaragatoas”. Este estudo, inclusive, foi distinguid­o com o Grande Prémio da Sociedade Portuguesa de Pediatria.

Trabalhos que valeram o reconhecim­ento de 20 valores, um “sonho tornado realidade”, que resultou de “muito trabalho, resiliênci­a, disciplina e determinaç­ão”.

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