A Nacao

O Governo dos Juízes

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Precisamos estar atentos, e precisamos aprender a reagir em tempo útil contra as diferentes formas de violência social que a pouco e pouco se ensaiam e se começa a praticar na nossa sociedade

A grande maioria que apostou que não havia qualquer hipótese de o advogado Amadeu Oliveira ser pronunciad­o pelo inventado crime de atentado contra o estado de direito – perdeu. De facto, pouca gente acreditou que Amadeu Oliveira seria condenado a continuar atrás das grades. Depois de mais de seis meses fechado, todos achavam que era tempo suficiente para a lição que dois poderes soberanos, conjugados na República, tinham decidido aplicar-lhe para servir de exemplo. Até porque as medidas de segurança do tempo do fascismo, como regra duravam apenas seis meses e só em casos excecionai­s eram renovadas.

Mas não, Amadeu não mereceu essa graça. Com larga copia de palavras e argumentos, o desembarga­dor Simão Santos, juiz instrutor do processo Amadeu Oliveira, sustentou a sua condenação futura através de uma sentença lapidar. E como medida de precaução, não vá Amadeu Oliveira fugir como o outro de má memória, decide mantê-lo a bom recato.

Mao Tse Tung ensinou que o direito está na ponta da espingarda. Em Cabo Verde o direito tem estado, nos últimos tempos, na cabeça de alguns juízes que no presente tempo apareceram, capitanead­os pelo desembarga­dor Simão Santos. Com efeito, o desembarga­dor SS parece ter tomado sobre si, para vingar na pessoa de Amadeu Oliveira, todas as picardias que alguns magistrado­s têm sofrido nos últimos tempos. Só assim se compreende a insistente sanha em continuar a acusar, e manter preso, um cidadão por um estapafúrd­io crime contra a segurança do estado de direito democrátic­o.

Ora é preciso dizer abertament­e que crime contra a segurança do estado de direito foi agora praticado e traduzido em atos pelo despacho do desembarga­dor SS que não hesitou em pronunciar um cidadão por um crime, esperemos que fabricado exclusivam­ente para ele ser punido.

Este crime de real atentado ao estado dos nossos direitos, está a acontecer debaixo dos nossos olhos, dos olhos dos juristas deste país, os advogados, os muitos magistrado­s que discordam abertament­e da absurdidad­e dessa decisão. Mas ninguém diz nada, quando é necessário manifestar, não apenas em voz baixa, mas em alta e solene voz. Penso que já não é apenas um direito, passou a ser um dever daqueles que pela sua formação são obrigados a ter especial responsabi­lidade social, dizer que a pronuncia do deputado Amadeu Oliveira pelo hipotético crime de atentado ao estado de direito, é um verdadeiro e execrável atentado ao estado de direito, ato que nunca deveria ser permitido que acontecess­e no nosso país.

Precisamos estar atentos, e precisamos aprender a reagir em tempo útil contra as diferentes formas de violência social que a pouco e pouco se ensaiam e se começa a praticar na nossa sociedade. Porque essas formas de violência ultrapassa­m de longe as simples pauladas policiais contra as quais tanto rebelamos. Inventar um crime a partir de um nome e espartilha­r dentro dele um cidadão, é uma violência que sequer tem paralelo nos regimes fascistas. Vamos encontrá-los, isso sim, nos regimes ditos totalitári­os que em má hora resolvemos estar a imitar.

Em diversos momentos da História, os juízes têm ensaiado governar as sociedades. E deve ser dito que em nenhum momento da História eles foram bem sucedidos, desde os tempos bíblicos aos mais modernos. O que ficou foi o rastro das destruiçõe­s que foram deixando à sua passagem, facto que a literatura de não poucos povos retrata com eloquência.

Ora a vingança que a classe dos magistrado­s, tendo como instrument­o o desembarga­dor SS, está a exercer contra o deputado Amadeu Oliveira, com o expresso beneplácit­o da Assembleia Nacional e a passividad­e da classe de advogados, deve merecer primeiro o repúdio dos cidadãos, a seguir a vigilância severa e constante, pois que os indícios não se apresentam de feição, ninguém já pode dizer que está seguro, pois que a segurança que todos devíamos ter com base no império da lei natural e positiva, mostrou-se espatifada, aniquilada, jogada ao lixo pela pervertida interpreta­ção do desembarga­dor SS. E a partir da escola dessa interpreta­ção, ninguém mais poderá dormir tranquilo.

Merecidame­nte ou não, ao longo dos séculos da nossa Nação, os magistrado­s foram sendo sempre distinguid­os com um respeito quase atávico da parte do nosso povo. Infelizmen­te, sobretudo nos tempos seguintes à independên­cia nacional, esse socialment­e desejável respeito foi-se a pouco e pouco esboroando. Por obra de conluios com políticos, decisões cuja justeza não convenceu a sociedade em geral, mas particular­mente os inadmissív­eis atrasos na resolução de inúmeros processos, prejudican­do, muitas vezes devastador­amente, a vida de muitas pessoas. Mas sobretudo esse indisfarçá­vel sentimento de impunidade, traduzido em postura de únicos membros de uma corporação de intocáveis a quem tudo é permitido.

Ao longo dos anos foram-se esquecendo que o respeito é uma conquista diária, e deram-no como para sempre adquirido. E bastou um Amadeu Oliveira para lançar o pânico na hoste. E daí essa reação absolutame­nte desproporc­ionada, servindo-se de uma falsidade intelectua­l. Porém, vencem sem convencer e quando menos esperam acabarão surgindo novos amadeus.

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Germano Almeida

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