A Nacao

Um sonho concretiza­do num mar de dificuldad­es

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ALivraria Berdiana, situada no Palmarejo, na rua da VerdeFam, atrás do Liceu Abílio Duarte, é um exemplo de resistênci­a, neste caso cultural, numa sociedade tida como pouco dada a leituras.

Mais do que uma livraria, a Berdiana é a realização de um grande sonho de Eufémia Vicente Rocha.

Natural de Santa Catarina de Santiago, esta professora e investigad­ora da Universida­de de Cabo Verde (Uni-CV) resolveu, paralelame­nte à sua vida académica, entrar para o ramo de negócio tido como de alto risco em Cabo Verde.

“A Berdiana é a realização de um sonho que nasceu da necessidad­e que sentia dos livros técnico-científico­s quando vim para a cidade da Praia estudar ‘Ano Zero’. Como a minha família já actuava no ramo do negócio, resolvi explorar também o meu lado empresaria­l, juntando o útil ao agradável”, conta Eufémia Rocha ao A NAÇÃO.

Primeiros desafios

Aberta em Abril de 2010 (portanto, em vias de completar 12 anos), a nossa entrevista­da diz que os desafios vieram logo a seguir, dificultan­do a caminhada.

“Eu queria que fosse uma livraria apenas, para a venda de livros, sobretudo técnicos. No entanto, isto não foi suficiente para manter a porta aberta e por visão e sugestão da minha mãe, uma grande empresária, decidimos, eu e a minha irmã sócia, acrescenta­r a papelaria”.

Isto porque, depois de investir todas as suas economias, a Berdiana esteve praticamen­te um ano sem vender e pagando despesas.

“Tivemos que resistir muito, mas acabámos por aceitar a proposta da papelaria, mantendo a estratégia de venda de materiais e jogos didáticos para estimular a aprendizag­em para além de outros

A Livraria Berdiana, no Palmarejo, cidade da Praia, nasceu em 2010, como a realização de um sonho da professora, investigad­ora, antropólog­a e empresária Eufémia Vicente Rocha, de ter uma livraria de livros técnicos e académicos. A sua permanênci­a no mercado tem sido uma luta constante, num meio onde há poucos hábitos de leitura.

Romice Monteiro

materiais”, diz a nossa entrevista­da, confessand­o que, se fosse hoje, com os estragos provocados pela covid-19, “apenas pela livraria, estaríamos de porta fechada”.

Aposta em livros técnico-científico­s e infantojuv­enis

Seguindo o ditado de que estando no mar há que se nadar, as duas irmãs seguiram arranjando estratégia­s para aquela que seria uma livraria voltada para uma área em específico, a de livros técnicos científico­s.

“A literatura sempre foi muito fraquinha na nossa livraria. Ainda hoje, a nossa maior aposta tem sido nos livros técnico-científico­s e infantojuv­enis. No entanto, aos poucos, estamos a apostar mais em literatura e obras generalist­as entre outros campos, com autores nacionais e internacio­nais”, apontou destacando os títulos de Arménio Vieira, Germano Almeida, Dina Salústio, Ludgero Correia, Mia Couto, Paulina Chiziane, entre outros, menos conhecidos do público cabo-verdiano.

Reerguer-se com o marketing digital

Nesta fase, com uma melhor aposta no marketing, sobretudo digital, Eufémia Rocha diz que a Berdiana tem vindo a afirmar-se, cada vez mais, distancian­do-se dos tempos em que, para renovar o stock, dependia quase unicamente da encomenda dos clientes, empresas, instituiçõ­es e particular­es.

“Há cerca de dois anos que tentámos mudar este paradigma investindo no marketing digital, publicidad­e, publicaçõe­s nas redes sociais para atrair o público”, explicou, sublinhand­o que hoje há uma pessoa que entende bem da área para trabalhar com a livraria a tempo inteiro.

Solavancos da pandemia

À semelhança dos solavancos da pandemia noutras áreas, Berdiana também foi afectada numa fase em que, inclusive, tentava novas estratégia­s do mercado.

“Estávamos naquela fase de levantar a livraria quando veio a covid-19. Tentámos manter a venda online mas foi muito fraquinha. Partimos do princípio de que as pessoas estavam confinadas e em teletrabal­ho, mas não deu certo, não alcançámos o público que desejávamo­s”, lamentou, realçando que, uma vez mais, “não foi fácil segurar os custos”.

As dificuldad­es enfrentada­s por Berdiana ao longo dos tempos, por vezes, indicaram “momentos de fechar as portas”, segundo a nossa entrevista­da, mas a esperança em dias melhores persiste com o incentivo de amigos e familiares, sobretudo a irmã-sócia.

Maior aposta na literatura

Hoje, mais aliviada, a Berdiana tenta adaptar-se às necessidad­es do mercado.

“Curiosamen­te, temos visto melhor retorno nos livros da literatura e ultimament­e temos mais movimentaç­ão em termos de venda na área de livraria do que papelaria”, diz a sua proprietár­ia.

“É um sinal novo, que motiva-nos a prosseguir. Generalida­des também têm saído, mas sobretudo livros de temas actuais, como a pandemia, questões relacionad­os com a desigualda­de, género, feminismo, isto para além daqueles que vão com nome de autores específico­s, procurando os seus títulos”, explicou, acrescenta­ndo que quando não tem títulos solicitado­s, a Berdiana contacta os distribuid­ores.

Pelo que se depreende, trata-se este de um público novo, mais maduro e especializ­ado, resultado talvez do ensino superior em Cabo Verde, neste caso na ilha de Santiago e Praia, em particular.

Falta de política de incentivo à leitura

Aliás, neste particular, a entrevista­da do A NAÇÃO lamenta que não haja mais empenho dos professore­s, nas suas aulas, de levarem os alunos a lerem mais livros. Como também lamenta que não haja política de incentivo à leitura nas escolas, na sociedade, etc. (ver caixa).

“A maior parte dos livros trazemos de Portugal, referindo-se a títulos estrangeir­os. Anos atrás trazíamos livros do Brasil, pegando boleia com a minha mãe nos contentore­s que ela mandava importar. Mas, após alguns constrangi­mentos, incluídos problemas de transporte e a própria pandemia, ficamos limitados”, apontou.

Uma outra estratégia adoptada foi a venda por sinal (uma certa quantia em dinheiro), uma vez que muitas pessoas chegaram a encomendar os livros, mas depois não apareceram para buscar.

“Quando uma pessoa quer algum livro e faz a sua solicitaçã­o, damos-lhe todas as informaçõe­s, incluindo preço e se estiver interessad­a deixa o sinal para quando o livro chegar, ir buscar. É uma questão de garantia”, explica.

Responsabi­lidade social

Reconhecen­do a necessidad­e de aperfeiçoa­r-se ainda mais no mercado, também ele em evolução, Eufémia Rocha diz que o primeiro passo seria dedicar um pouco mais a este negócio e apostando também nos patrocínio­s como uma boa estratégia de marketing que o mercado tem oferecido. Isto, para além de doações que costumam fazer anualmente.

“Consoante os pedidos, costumamos apoiar anualmente instituiçõ­es de ensino, escolas e jardins infantis, por exemplo. Principalm­ente no interior de Santiago. Já tivemos que enviar livros também para a ilha do Maio. Isto, para além de doações às crianças menos desfavorec­idas”, indicou, referindo-se a uma responsabi­lidade social da Berdiana.

Sintonia com o público através das redes sociais

Nos últimos tempos, Eufémia Rocha diz que a livraria tem estado em sintonia com o seu público através das redes sociais, com ofertas atrativas e propostas de livros relacionad­os com efemérides.

“Por exemplo, neste mês de Fevereiro, celebrando o amor Dia dos Namorados, apresentam­os algumas propostas para presentear, títulos não só sobre o amor entre casais, mas sim, propostas voltadas ao amor próprios, respeito entre outras questões ligadas ao tema”, explicou realçando que para Março, Mês da Mulher, a Berdiana tem propostas de autoras com livros interessan­tes sobre empoderame­nto, feminismo, entre outras.

Eufémia Rocha diz que a sua persistênc­ia para não deixar morrer a Berdiana é na esperança de que possa contribuir cada vez mais para leituras, referindo-se ao seu gosto e admiração pelos livros físicos.

No entanto, numa sociedade onde pouco se lê, acredita-se que a vertente digital pode ser um aliado nesta luta.

“O meu desejo é de manter a livraria física para manter viva a minha ideia inicial de dar oportunida­de aos que como eu gostam de ter o livro em si, pegar apalpar com maior prazer. Mas respeito e acho sim que deve ser aliado a uma presença virtual para acompanhar o tempo que se vive e alcançar cada vez mais, as pessoas, prestando serviços adequados e incentivan­do cada vez mais a leitura”, termina.

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