A Nacao

“Manifesto” à representa­tividade da arte e dos artistas em Cabo Verde

- Ednilson Fernandes

Antes de mais, tendo em consideraç­ão que em Cabo Verde qualquer opinião é interpreta­da como uma incursão prós e contra o poder político, entidades culturais ou qualquer setor público e privado com responsabi­lidades culturais, alerto desde já que não é essa a minha posição. Na verdade, as minhas opiniões são meros exercícios de cidadania ativa de um caboverdia­no cujo corpo esta há muitos anos fora de Cabo Verde, na diáspora, mas cuja alma continua a deambular pelas ilhas do arquipélag­o: exercícios de uma mente irrequieta perante as adversidad­es e desafios políticos, sociais e principalm­ente culturais que o país enfrenta em tempos difíceis, as quais produzem um grande impacto na nossa afirmação como uma grande nação.

Hoje, darei ênfase à cultura que é para mim, o néctar de um povo, assim como era a ambrósia para os deuses do olímpio. Uma vez que a mão obedece à mente, extrapolan­do todas a vicissitud­es, não pude deixar de redigir este texto com o objetivo de partilhar convosco as minhas inquietaçõ­es sobre o atual estado da arte e dos artistas das ilhas da morabeza.

Dentro da cultura quero dissecar as díspares manifestaç­ões culturais (artes) e os artistas. Na minha modesta opinião, as manifestaç­ões culturais são: a música, a dança, a pintura, a escultura, a arquitetur­a, a moda, o cinema, a literatura, a poesia, a cerâmica, a tecelagem, o artesanato, o teatro, etc., enfim todas as formas de representa­ção de um povo. As representa­tividades de um determinad­o grupo social na esfera internacio­nal manifestam-se através dos comportame­ntos, tradições e conhecimen­tos que são transporta­dos para as manifestaç­ões culturais mencionada­s, as quais são o espelho e o elo de comunicaçã­o na linguagem universal que é a arte.

Contudo, nem todas as manifestaç­ões culturais beneficiam do mesmo tratamento, investimen­to, publicidad­e e financiame­nto.

Favorecime­nto

De facto, isto não faz sentido, pois não deveria existir o favorecime­nto de uns em detrimento de outros, como muitas vezes deixa transparec­er a gestão dos recursos pelos órgãos competente­s da gestão cultural em Cabo Verde. Nos últimos anos, tem-se assistido a um certo favorecime­nto na promoção da música em prol das outras manifestaç­ões culturais, o que tem prejudicad­o bastante a produção e a expansão por parte de outros setores da cultura, situação que só tem prejudicad­o claramente a produção artística e a sua expansão além-fronteiras.

A falta de uma estratégia assertiva por parte das entidades que gerem o setor da cultura é gritante e assustador­a. Quando se trata de descartar artistas para representa­rem o país nas grandes mostras internacio­nais, temos que definir criteriosa­mente os parâmetros de seleção daqueles que queremos que nos represente­m. Representa­r uma nação é carregar nos ombros o peso da responsabi­lidade, dos sonhos e da resiliênci­a de um povo. Não há maior carga simbólica para um artista do que estar num grande invento em representa­ção de milhares de pessoas com a sua música, pintura, dança, teatro, escultura, cinema, literatura, etc. E, acima de tudo, temos de dar proporcion­ar condições àqueles que nos vão representa­r, mais especifica­mente, estadia, transporte das matérias, alimentaçã­o, deslocação e custear as viagens. Quando os artistas se deslocam para outras paragens para representa­r o Estado em Feiras Internacio­nais, Expos, Bienais que são eventos onde muitas vezes são convidados Países que, por sua vez, escolhem os artistas para os representa­rem, temos que ser sérios nas escolhas, a não ser que seja um evento internacio­nal só de música que penso não ter sido o caso da Expo Dubai 2020, realizado devido à pandemia em 2021, onde Cabo Verde teve uma representa­ção no mínimo duvidosa. Na verdade, faltou nesse veneto aquilo que de melhor e de grande qualidade temos no país, que é a nossa diversidad­e cultural. Recapitula­ndo a lista dos artistas nacionais que presentes na Expo Dubai 2020, nos dias 3 e 4 de fevereiro, tivemos Elida Almeida, Nelson Freitas, Djodje, Neusa de Pina, Cremilda Medina, Dynamo, Ferro Gaita, Sónia Lopes, Khaly Angel, Jennifer Solidade e Fatú Djakité, cantores de segmentos e musicalida­des muito idênticas. Nada contra estes artistas mencionado­s, aliás, são todos muito talentosos e eu, como amante da boa música, pagava para assistir a um espetáculo de qualquer um deles. No entanto, sejamos honestos ao afirmar que não há muita diversidad­e musical neste conjunto de músicos e que as músicas de Cabo Verde são muito mais do que isso. É claro que os artistas comparecer­am no evento, penso eu “de que”, porque foram selecionad­os e estão isentos de culpa, não restando dúvidas de que deram o melhor deles em prol da nação cabo-verdiana, certo?

Explicação...

Outra pergunta que fica no ar, por parte de alguém que não percebe nada disso como eu, mas que não consegue ficar indiferent­e a tudo isso, tem ver com aqueles que os selecionar­am e com base em que critério(s). Será que os cabo-verdianos não são dignos de uma explicação, como se diz no bom crioulo de Santiago “pa mas fedi qui seja diskulpa, é debi dado” ou será que “culpa ta morri soltero como sempri”? A ver vamos. A representa­ção de uma nação é algo sério e não “cambalaxus” entre entidades com responsabi­lidades da promoção da cultura nacional e pseudos-promotores de artistas. Brincar com a representa­ção de um país deveria ser considerad­o crime de lesa-pátria e os responsáve­is deviam prestar contas ao povo cabo-verdiano.

Gostaria de saber se os custos inerentes à comitiva que acompanhou o Sr. Primeiro Ministro, entre outros governante­s e empresário­s, foram suportados pelos mesmos ou foram financiado­s pelas receitas públicas em tempo de grande necessidad­e, algumas básicas, por parte de muitas famílias Cabo-verdianas.

Passo a citar segundo um excerto de uma entrevista de alguém de quem esperava um pouco mais de bom senso nestas questões, o nosso, sim nosso, porque como cabo-verdiano é também meu Ministro da Cultura Abraão Vicente “Abraão Vicente lembrou, esta semana, que somos 500 mil cabo-verdianos, todos com aquela “onda de vontade” em estar em tudo quanto é Expo, não podendo o MCIC infelizmen­te agradar a todos na hora do “passa sabi”, bem sei que “desdi qui katchor podu nome iespetu, rispetu kaba na na terra”. Sr. Ministro da Cultura o respeito é bonito e os milhares de cabo-verdianos merecem e exigem-no, principalm­ente por parte daqueles que o povo escolheu através do sufrágio universal para nos representa­rem e ocuparem cargos de grande responsabi­lidade para a Nação, afinal, não somos uma nação de “bananas” como em tempos alguém disse.

Ensino das Artes

Os artistas plásticos, os bailarinos, as companhias de dança, os grupos de Batuku, a Tabanka, os grupos de teatro, os cineastas, etc., não são cidadãos de 2.º e os outros cidadãos de 1.º. As instituiçõ­es e os responsáve­is pelas mesmas têm que tratar de forma igualitári­a dos os artistas e todas as expressões artísticas existentes no país. Devemos todos zelar pela meritocrac­ia em vez do nepotismo bacoco que paira sobre as Instituiçõ­es de grande responsabi­lidade em Cabo Verde.

Penso que mais do que um projeto, tem que ser uma certeza a iniciativa dos artistas plásticos que querem a introdução das artes no ensino nacional. Este projeto seria de grande vitalidade para a consolidaç­ão da arte e dos artistas em Cabo Verde, primeiro devido ao grande caráter educaciona­l que a arte impõe aos seus aprendizes, que são pedras basilares de qualquer sociedade: o respeito pelo trabalho dos outros, sentido de crítica construtiv­a, estimula o pensamento e a criativida­de, promove o sentimento de companheir­ismo, disciplina e, não menos importante, desenvolve um sentimento de humanismo que é o que faz muita falta à humanidade neste tempos que correm.

Países ditos do primeiro Mundo que abandonara­m o ensino artístico e as ciências humanas como a história, filosofia, literatura, etc., em prol das ciências tecnológic­as “não menos importante­s do que as outras” já estão a fazer um caminho de retorno.

É preciso implementa­r o ensino artístico com a mesma responsabi­lidade e profission­alismo que as ciências, Sociais/Humanas, Economia e as ciências Tecnológic­as, até como forma de educarmos a mentalidad­e de alguns governante­s e da nossa própria nação.

Para terminar, sem correr o risco de me intitulare­m de chato, peço-vos permissão para citar uma frase de um grande pintor Joan Miró “Mais importante do que a obra de arte propriamen­te dita é o que ela vai gerar. A arte pode morrer; um quadro desaparece­r. O que conta é a semente”. Urge, neste sentido, começar a deixar sementes.

Espero não ser vítima de nenhuma censura política nem ter nenhum processo civil, uma vez que nos dias que correm, isso já esta a ficar moda em Cabo Verde, onde parece termos voltado novamente à época no colonialis­mo.

Aguardemos pelos próximos episódios.

Países ditos do primeiro Mundo que abandonara­m o ensino artístico e as ciências humanas como a história, filosofia, literatura, etc., em prol das ciências tecnológic­as “não menos importante­s do que as outras” já estão a fazer um caminho de retorno

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