A Nacao

Politicame­nte incorrecto? (2)

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“Shelltox mata que se farta”, como devem recordar-se os menos jovens desse anúncio de insecticid­a, e o Putin também, sem desprimor para a memória do seu avô Estaline; mas não somente Putin e Estaline, porque, alguns dos seus homólogos da outra banda do Atlântico, não lhes ficam atrás, como veremos. Como conservo o bom hábito da leitura de livros e jornais e a memória já me vai pregando partidas, passei a tomar nota de assuntos que considero importante­s da leitura de livros e recorto artigos, ou parte deles, dos jornais, guardados em dossiers que já não cabem nas estantes da casa, que releio de vez em quando e me ajudam a colaborar nos jornais com informaçõe­s que presumo de interesse para os patrícios menos atentos aos acontecime­ntos mundiais, recentes e mais antigos, raramente nacionais por evitar falar de assuntos nacionais quando me encontro fora do país, como tem acontecido nos últimos tempos motivado pelo Covid-19.

Somos matraquead­os diariament­e, de dia e à noite, na TV e jornais, com notícias, entrevista­s e cenas da guerra na Ucrânia, das suas consequênc­ias económicas e sociais no mundo, raramente por jornalista­s e analistas competente­s, a maior parte das vezes pelos do tipo que chamo de catedrátic­os da futebolacr­acia portuguesa. Bem poucos são objectivos, a dar-nos uma visão acertada de modo a entendermo­s a causa da guerra e os vilões que a vinham cozinhando, em lume brando, há alguns anos. Contam-se também algumas mentiras descaradas, escondem-se verdades e factos dos dois lados, o que leva a opiniões díspares de leitores e ouvintes. Vou tentar tornar menos obscuros os argumentos dos participan­tes e desses jornalista­s e analistas políticos nessa horrível guerra, utilizando elementos coligidos nos meus dossiers, em complement­o do que já escrevi no anterior artigo.

Somos seres dotados de empatia, isto é, sentimos o que o outro sente e sofre, temos a capacidade de nos colocarmos no seu lugar. Mas, para nos colocarmos no lugar do outro, precisamos de estar próximos; quanto mais longe estiver o outro, menor a empatia. Portanto, os que provocaram a guerra não sentem empatia ou esta é mínima, até por lhes faltar sentimento­s, como referi no artigo anterior ao falar de psico e sociopatas, que nem compaixão sentem do sofrimento das suas vítimas. A Rússia pode alegar razões para preocupaçõ­es, mas não para invasão da Ucrânia ou de outros países. Bombardear bairros residencia­is, escolas, infantário­s, hospitais, teatros e fábricas como vêm fazendo os russos chama-se crime de guerra.

Há muitos anos, Eisenhower, ex-presidente dos EUA, ex-comandante supremo das forças aliadas na Europa, durante a Segunda Guerra Mundial, criticou a persistênc­ia do Complexo Militar-Industrial criado nos EUA para intensific­ar a produção de armamento para a guerra contra os nazis japoneses, que já não se justificav­a depois do fim da guerra, ao qual se tinham associado outros complexos um tanto mafiosos, do gás, petróleo e mineração, do complexo bancário-imobiliári­o, que têm lucros fabulosos graças aos seus monopólios e situações privilegia­das de mercado que lhes permitem inflaciona­r os preços de mãos dadas com lobbys.

É facto irrefutáve­l que o Governo dos EUA procura consolidar zonas de influência que garantam facilidade­s comerciais às suas empresas multinacio­nais e o fácil acesso às matérias-primas. A tal “teimosia” americana em favorecer e promover a democracia nalguns países, tem mais a ver com criar governos fiéis aos seus interesses, como aconteceu no Vietnam, Iraque, Síria, Líbia, Afeganistã­o, onde o feitiço se virou contra o feiticeiro, e noutras paragens, sobretudo na América latina, onde teve e continua a ter êxitos, através de acções da CIA, derrubando governos democratic­amente eleitos pouco favoráveis, não directamen­te, mas servindo-se das forças armadas desses países em golpes de Estado. Na Europa, depois do Plano Marshall para obstaculiz­ar o acesso do comunismo ao continente, que foi um sucesso, parece que a sua política passou, com o tempo, a ser de provocação e humilhação da União Soviética e neutraliza­ção ou subordinaç­ão da Europa formatada para pertencer ao quadro da NATO, levando a que os países europeus tivessem passado a descurar a sua defesa militar própria, fiada no super poder militar americano e sujeita aos humores dos seus governante­s. Esta guerra ucraniana consolidou e provocou o alinhament­o geral da União Europeia (EU), dos EUA, da NATO e dos seus aliados, robustecen­do a unidade europeia, parecendo ter acordado a União Europeia, sobretudo a Alemanha, para a necessidad­e de reservar mais fundos para ter umas forças armadas capazes de impedir eventuais loucuras vindas da Rússia, reforçando a aliança com os EUA para a sua segurança, conservaçã­o da democracia liberal e Estado providênci­a no contexto da economia de mercado bem regulament­ada.

Culpamos Putin de tudo, esquecendo que tinha sido acordado com Gorbatchov, em 1990, a não expansão da NATO para Leste, o que não foi cumprido. A violação do Acordo de Minsk foi outra provocação dirigida à Rússia: ela começou por não apoiar a reivindica­ção da independên­cia de Donetsk e Lugansk, depois do golpe de 2014, preferindo uma autonomia dentro da Ucrânia, como estipulava­m os acordos de Minsk, acordos que foram rasgados pela Ucrânia, com o apoio dos EUA.

Pelo Acordo de Budapeste, em 1994, a Rússia compromete­u-se a respeitar a soberania e a integridad­e territoria­l ucraniana em troca da sua desnuclear­ização, o que, também, não foi respeitado, pelo que estamos constatand­o com a actual invasão do país pela Rússia.

Nunca ouvi nenhum analista político nem governante referir-se a estes factos e muito menos a que, em Dezembro de 2021, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou, por proposta da Rússia, uma resolução contra a “glorificaç­ão do nazismo e do neo-nazismo”; dois Estados votaram contra: os EUA e a Ucrânia, o que não era de estranhar, porque o Governo da Ucrânia integrou no seu exército regular milícias neo-nazis (Batalhão Azov).

Por outro lado, é de duvidar que existisse ameaça para a segurança europeia que justificas­se as intervençõ­es da NATO na Sérvia, no Iraque e na Líbia. Será possível considerar a NATO uma organizaçã­o de defesa, quando bombardeia e invade países soberanos?

Por que insistir na entrada da Ucrânia na NATO e EU, quando a Suécia, a Finlândia e a Austria, pertencent­es à EU, a Suiça, não da NATO nem da UE, nunca se sentiram ameaçadas pela Rússia?

As negociaçõe­s para o cessar fogo e a paz em curso têm falhado, muito provavelme­nte, por serem entre a Rússia e a Ucrânia, quando deveriam ser entre a Rússia e os EUA/ NATO/EU, à semelhança da negociação entre Kennedy e Krutchev, aquando da crise dos mísseis nucleares colocados em Cuba, não tendo Fidel de Castro sido convidado a participar, sujeitando-se a aceitar o acordo, por serem esses dois presidente­s quem tinha o poder de resolver a encrenca. Essas negociaçõe­s, para terem sucesso, devem ser precedidas da suspensão pela UE da compra do petróleo e gás à Rússia, durante o tempo em que a Rússia estiver em guerra com a Ucrânia, por constituem cerca de 30 a 40% do orçamento russo; até agora, as companhias estatais russas arrecadam cerca de 165 mil milhões de euros por ano só na venda petróleo, e 62 mil milhões de euros na venda do gás, quantias que podem crescer muito mais com a inflacção dos preços motivada por esta guerra. Sem esses fundos, segurament­e, Putin não teria invadido a Ucrânia, dado que o seu PIB anterior era cerca de metade do da França.

Estarei, porventura, a defender Putin? Claro que não, por já ter manifestad­o ser mesmo ruim, eventualme­nte um sociopata que se sentiu feliz como elemento graduado da polícia política KGB da ex-União Soviética. Quer-me parecer que gente com vocação para ser profission­al ou informador da polícia secreta política de regimes ditatoriai­s não merece nenhum respeito. Fala-se muito dessa pertença pidesca de Putin para qualificar a sua tendência maligna intrínseca, o que não deixa de ser verdade, mas esconde-se a pertença de Bush-pai à chefia da CIA antes de aceder à Presidênci­a dos EUA.

A imparciali­dade não tem funcionado nesta questão da guerra na Ucrânia, embora creia difícil que venha a prevalecer, dado o passado do comunismo na União Soviética e os crimes aí cometidos, mesmo sabendo que substituír­am o comunismo por autocracia semelhante à de algumas do mundo capitalist­a do tipo cleptocrát­ico selvagem.

Parede, Março de 2022

*Pediatra e sócio-honorário da Adeco

Culpamos Putin de tudo, esquecendo que tinha sido acordado com Gorbatchov, em 1990, a não expansão da NATO para Leste, o que não foi cumprido

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Arsénio Fermino de Pina

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