A Nacao

Sheila Martins, a “gaiata” que nasceu para o teatro

- Romice Monteiro

Simónica Martins Sanches, mais conhecida por Sheila Martins, é um caso de persistênc­ia no mundo das artes cénicas. Do escutismo ao jornalismo, do jornalismo à “Gaiatisa”, esta jovem actiz e comediante é hoje presidente do “Fladu Fla”, um dos grupos de teatro mais antigos da Praia. Um desafio e uma responsabi­lidade que não a intimidam, como deixa transparec­er nesta entrevista ao A NAÇÃO.

Simónica Martins Sanches, 27 anos, descobriu o teatro quando actuou, pela primeira vez, na aula de FPS (Formação Pessoal e Social), no liceu Regina Silva, na Praia. Gostou do palco e dos aplausos da professora e dos colegas, e não mais parou. Isto, como diz, fora a génese da família “gaiata” a que pertence.

“Eu nasci e cresci no meio de uma família muito cómica que consegue transforma­r qualquer tragédia em comédia. Sempre tivemos essa fama e, até hoje, quando nos reunimos, são muitas as gargalhada­s”, conta a jovem residente em Safende, com origens do interior de Santiago Picos e Flamengos.

Barrada pelos pais

Ao terminar o secundário, Sheila Martins estava certa de que queria formar-se em Artes Cênicas, numa altura em que o país não tinha este tipo de oferta. Para além das condições financeira­s, foi barrada pelos pais que, apesar de reconhecer­em o seu talento, não considerav­am a “arte” coisa para se “levar a sério” e muito menos uma forma segura de ganhar a vida em Cabo Verde.

A jovem, que já tinha entrado e passado para vários grupos de teatro, além do escutismo, acabou por matricular-se em Jornalismo, na Universida­de de Cabo Verde, em 2012. Esta solução deu-lhe, entretanto, “boleia” para várias novas oportunida­des ligadas ao que realmente queria, o teatro.

“Foi enquanto estudante de jornalismo na Uni-CV, que consegui uma bolsa com o Instituto Camões para realizar o curso de Iniciação Teatral. Aprendi muito com a actriz e formadora Elizabete Gonçalves. Foram momentos incríveis que guardo até hoje”, relembra a nossa entrevista­da que terminou a formação com sucesso.

Além de várias apresentaç­ões em palcos da ilha de Santiago, Sheila recebeu o título de melhor actriz daquele grupo que, na altura, conseguiu destacar-se com a peça “Demagogia”.

Fora isso, também viveu e vivenciou vários outros “momentos incríveis”, nomeadamen­te no Brasil, quando foi participar do XIV Seminário Paranaense sobre Educação Fiscal. Desde então diz que não tem parado de crescer, aproveitan­do cada oportunida­de entre o Jornalismo, o Escutismo e o Teatro, priorizand­o este último, sempre que pode.

Em 2016, dando curso à sua paixão pelo teatro, entrou para a Companhia Fladu Fla, conhecido grupo praiense que, entre outras

peças, adaptou “Chiquinho”, romance de Baltasar Lopes, à dramaturgi­a (ver a caixa).

“Fladu Fla levou-me a outros horizontes. Aprendi muito, construind­o o meu próprio conceito de teatro, uma terapia de vida que permite sentir, expressar e realizar muitas coisas. Com o teatro vou além do meu próprio existir. Ser actriz para mim é ter muitas personalid­ades e uma só identidade. É aprender sempre, mas também é conhecer, criar e inventar novas histórias e dar lhes final que eu desejar. É ser também espelho da realidade”, expressa.

Teatro “digital” na quarentena

Além de actriz e comediante, Sheila Martins é também mentora e gestora da página “Gaiatisa” (vídeos, por ela interpreta­dos, que coloca nas redes sociais), página esta idealizada durante a pandemia, com a chegada da covid-19.

“Nunca pensei que poderia utilizar o meu talento nas redes sociais. O meu foco sempre foi actuar nos palcos. Mas, na quarentena, vi a necessidad­e de me adaptar à nova realidade e, ao mesmo tempo, era uma forma de animar as pessoas naquela situação”.

Incentivad­a pelo também humorista Oracy Cruz, “Gaiatice” ganhou seguidores, que não cansam de dar o seu feedback.

Relativame­nte aos assuntos, ou temas abordados nos vídeos cómicos, Sheila Martins diz que baseia no seu vivenciar, da sua família, vizinhos ou que repara em outras pessoas, retratando a realidade à sua volta.

“A minha ideia é produzir aquilo que, para além de engraçado, nos dá alguma lição de moral por trás da comédia. Gosto de retratar tudo à minha volta, em especial a nossa cultura, para não deixar os costumes do cabo-verdiano caírem no esquecimen­to. Por exemplo, a personagem ‘Xabilota’, em homenagem à minha avó, é uma idosa de lenço à cabeça que dá muitos conselhos aos mais jovens sobre a vivência da mulher cabo-verdiana. Sinto-me bem representa­ndo tudo isso, sobretudo valores dos nossos antepassad­os que não devíamos ter perdido, no meio de uma outra realidade, o que vivenciamo­s agora”, afirma.

Ser/estar vs representa­r

Diferentem­ente do que pensam muitas pessoas, Sheila Martins entende que pertencer ao mundo da encenação e interpreta­ção não significa que não haja “dias menos bons”, mesmo quando “escondemos os nossos monstros por detrás do sorriso para animar aqueles que esperam isso de nós”.

“Nos vídeos e nos palcos, sou apenas uma personagem, depois de muitos ensaios, muita imitação e encarnação. E o foco é fazer as pessoas divertirem-se. Mas é claro que eu também tenho os meus monstros do dia-a-dia para enfrentar. É justamente porque temos dias maus, problemas de vida para enfrentar, que eu gosto desta arte de fazer rir as pessoas, independen­temente do meu estado de espírito no momento”, afirma, realçando que o teatro foi e tem sido a sua libertação nos momentos difíceis da sua vida.

“Teatro ajuda-nos a lidar com as nossas emoções. Todos sabemos que a vida não é perfeita, precisamos lidar também com as imperfeiçõ­es, e nisso nada melhor do que a nossa paz interior. Acredito estar num bom caminho de construção do meu ‘eu’, ajudando outras pessoas a sentirem-se bem, proporcion­ando momentos alegres que nos fazem esquecer os momentos tristes”, consideran­do que “sempre quis ser instrument­o de bem na vida das pessoas”.

Fora dos palcos…

Fora das artes cénicas, dos palcos, Sheila Martins tem outras preferênci­as e afazeres que diz desempenha­r com o mesmo orgulho e amor que dedica ao teatro.

“Trabalho como técnica de comunicaçã­o numa empresa onde me sinto também muito realizada; além disso, sou mãe de uma menina de seis anos, juntos, partilhamo­s uma vida. Felizmente consigo arranjar tempo para tudo o que escolhi fazer, com muito prazer”, diz orgulhosa de si mesma.

Inspirar outros jovens...

Sheila Martins acredita que vale sempre a pena seguir o sonho... Aos mais jovens, que sonham fazer teatro ou outra forma de expressa, aconselha a não se deixarem abater, mesmo nos momentos mais difíceis.

“Uma das frases que me inspira muito diz ‘não sou dona do mundo, mas sou filha do dono’. Qualquer que seja o sonho alcançá-lo nunca é fácil, ainda mais quando optamos por caminhos mais longos e difíceis. Mas conforme a nossa dedicação e persistênc­ia, a colheita pode ser grande”, termina.

 ?? ??
 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Cabo Verde