A responsabilidade do homem na destruíção do meio ambiente e da biodiversidade
A história do nosso planeta, que se formou há cerca de 4,4 mil milhões de anos, é muito mais interessante do que os filmes de suspense de Hitchcock, e só recentemente é que começámos a entender esse mistério que é a vida na Terra numa narrativa coerente, e se descobriu poder haver vida sem oxigénio, sem luz e a pressões incríveis, na profundidade dos oceanos, nas fontes vulcânicas hidrotermais.
Inicialmente bombardeada por meteoritos, enquanto gases tóxicos eram libertados na atmosfera, a superfície da Terra foi estabilizada com a formação de continentes, a explosão de vulcões, o degelo e transformações dramáticas que deram origem a mundos perdidos que só agora estamos a começar a conhecer. E algures, neste longo e penoso processo, surgiu uma espécie que fala, pensa, cria e transforma novamente o planeta onde vivemos, como nos conta o geólogo e professor de História Natural da Universidade de Harvard, Andrew Knoll. É um pouco dessa história que vamos tentar apresentar aos leitores para responsabilizar o homem pelas desgraças ambientais que vem acontecendo no nosso planeta.
No rescaldo do cataclismo que pôs fim ao Período Cretácio (de 145 a 66 milhões de anos), com o desaparecimento dos dinossáurios, há cerca de 66 milhões de anos, provocado por um asteroide com cerca de dez Km de comprimento que embateu na Terra na região do Iucatão, no actual México, o nosso planeta entrou num novo Período e capítulo. As plantas e os animais sobreviventes começaram a diversificar-se quase de imediato, estabelecendo ecossistemas renovados em terra, num período de algumas centenas de milhares de anos. Já de clima mais ameno, a Terra aqueceu ao longo de quinze milhões de anos seguintes sob o efeito de estufa do dióxido de carbono (CO2) abundante na atmosfera, a ponto de haver palmeiras no Alasca e crocodilos no Ártico canadiano. Com o desaparecimento dos dinossáurios, os pequenos mamíferos puderam diversificar-se tomando novas formas, tornando-se elementos dominantes na comunidade terrestre. Surgiram criaturas interessantes que viviam nas árvores tropicais – os primeiros primatas, os nossos antepassados longínquos.
Ao longo do Período seguinte, Cenozoico (de 66 milhões de anos aos nossos dias), a vida e os ambientes transformaram-se de forma concertada, tendo-se dividido o supercontinente chamado Pangeia. Com essa divisão, o alargamento dos oceanos, a formação de montanhas pela movimentação das placas tectónicas, começou uma nova circulação das correntes de água dos oceanos e arrefecimento da Terra. Há 35 milhões de anos, os glaciares começaram a espalhar-se pela Antártida. Foi nesse cenário físico dinâmico que os primatas se diversificaram nas diferentes paisagens, dando origem aos grandes símios. Entre 6-7 milhões de anos houve um novo arrefecimento global, uma nova idade do gelo, implicando uma nova evolução dos símios. Com o nome de hominídeos eram diferentes dos grandes símios: conseguiam andar numa posição erecta, libertando os membros anteriores, que passaram a chamar-se superiores.
Conhecemos esses nossos antepassados através dos seus fósseis encontrados em rochas na Etiópia, rochas datadas de 4,4 milhões de anos (o primeiro chamado Ardi) e depois, em rochas datadas de 3,2 milhões de anos, outros fósseis (Lucy). Aos hominídeos dos últimos sete milhões de anos, os humanos são a única linhagem sobrevivente de um grupo outrora diversificado, desde os australopitecos aos hominídeos e humanos ou Homo. O Homo ancestral que conhecemos melhor é o Homo erectus, cujo fóssil foi encontrado em rochas com idades entre 1,9 e 2 milhões de anos. Os primeiros viveram em África e há um pouco mais de 100.000 anos iniciaram a sua migração para outros continentes. As pinturas rupestres encontradas em cavernas onde habitavam, de animais e outros motivos, são datadas de 44.ooo anos.
Há 20.000 anos um novo lençol de gelo cobriu a metade austral da América do Norte. Todos os animais aí existentes – mamutes, rinocerontes lanudos, lobos ferozes, leões, tigres-dentes-de-sabre, cavalos, camelos, etc. – desapareceram há 10.000 anos, o que intrigou muitos pesquisadores durante largo tempo, tendo, no entanto, vindo a descobrir-se que foram dizimados por humanos, apelidados de Clavis, que, entrementes, chegaram a essas paragens, vindos da Ásia, entre 16.000 e 16300 anos. Na Austrália, a chegada do homem, há cerca de 50.000-40.000 anos, também coincidiu com o desaparecimento de animais autóctones.
A partir de 10.000 ano houve a descoberta da agricultura e a consequente sedentarização do homem, de que já falámos detidamente noutros artigos. Desapareceu a vida de caça e de recolha de raízes, cereais selvagens, tubérculos e menos necessidade de muita gente para a recolha de alimentos, o que libertou pessoas para se dedicarem à arte, invenções e ao comércio. Com o tempo, os homens aprenderam a explorar os recursos de energia escondidos debaixo da terra, as trajectórias do crescimento populacional, da inovação tecnológica, e, em menos de dois séculos, passaram do cavalo e do vapor para a gasolina e o gasoil. A população humana ultrapassou os mil milhões por volta de 1.800, dois biliões em 1930, os quatro biliões em 1975 e estamos à beira dos oito biliões nos nossos dias.
A Revolução Industrial, iniciada da Inglaterra no século XIX, é que abriu novas perspectivas à humanidade, embora de modo desigual em vários continentes e países, graças aos benefícios da saúde pública e da prosperidade, foi possível alimentar e vestir mais de sete biliões de pessoas. A pressão negativa chegou de dois lados – efeitos directos nos organismos e um impacto crescente no meio físico da Terra, pondo à prova os ecossistemas naturais em virtude da poluição que afectou o ar e a água, o solo e o mar.
O excesso da exploração da terra para a agricultura (cultura intensiva) com o uso e abuso de fertilizantes nos campos para aumentar a produção de cereais levou à formação das chamadas “zonas mortas”, sendo o exemplo típico o Golfo do México, entre outras zonas junto à costa, devido às substâncias químicas contidas nos adubos que, levadas pelas chuvas aos rios e aos oceanos, provocaram o crescimento de algas, as quais, quando poisam no fundo marinho, são decompostas por bactérias que consomem oxigénio da água envolvente, impedindo ou limitando a vida animal. Este facto foi detectado, pela primeira vez em 1988, no Golfo e tinha a área de 39 Km2; em 2017 cobria cerca de 27.700 Km2, o mesmo acontecendo noutras zonas costeiras de todo o mundo.
Muitas espécies animais foram extintas pelas alterações do seu nicho ecológico – poluição, destruição de florestas – consumo excessivo para uso humano ou animal ou por causa do marfim (elefantes, da pele ou do hipotético efeito afrodisíaco dos seus chifres (rinocerontes). Populações de bacalhau da Terra Nova que forneciam mais de 800.000 toneladas de pescado em 1958, foram declaradas comercialmente extintas em 1992, o que levou à proibição da sua pesca; decorridos três décadas, o bacalhau ainda não recuperou totalmente.
A poluição atmosférica, terrestre e marítima devida ao uso e abuso de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural), tem descontrolado o ciclo do carbono. No século XXI, os humanos lançaram na atmosfera 100 vezes mais CO2 do que todos os vulcões do mundo juntos, e isso vai aumentando porque muito pouco tem sido feitio para combater o seu efeito de estufa com a urgência exigida, sofrendo a humanidade e outros animais com tamanha incúria que tem levado ao aquecimento global com degelo de glaciares, alternância de períodos de seca com chuvas torrenciais e inundações, temporais e ciclones, subida do nível da água dos oceanos e acentuada diminuição da biodiversidade. De resto, o mal produzido à mãe-natura já não pode ser anulado, e mesmo que se suspendesse, hoje, toda a emissão de gases com efeito de estufa lançados na atmosfera, não evitaríamos as consequências do mal já provocado. Durante o século XX, o nível médio do mar aumentou 15 a 20 cm, e de forma mais rápida nos últimos anos. Apesar da incerteza em torno das estimativas para 2100, a maioria das previsões indica um aumento adicional de 50 a 100 cm. Talvez não pareça muito, mas mesmo essa subida irá ter efeitos catastróficos em Veneza, Bangladesh e em muitas ilhas do Pacífico e cidades costeiras. A água do mar quente contém menos oxigénio, sobretudo na profundidade, e a acidez da água do mar aumentada terá as suas consequências – mais libertação de CO2, destruição de corais, entre outros efeitos desfavoráveis aos seres vivos.
Com todas essas alterações climáticas provocadas pelo homem, nós, os nossos filhos, sobretudo com maior intensidade e gravidade os nossos netos, iremos sofrer, seguramente, muito mais incêndios, furacões, escassez de água doce, destruição de zonas de pesca, problemas com a migração de refugiados, mais doenças do tipo tropical. Tudo isso será uma consequência de haver gente com muito poder económico que dá maior importância e prioridade ao dinheiro em detrimento de um mundo melhor amanhã, sem falar na possibilidade da eliminação da humanidade e outros animais se houver a loucura do uso de armas nucleares.
Parede, Abril de 2022
*Pediatra e sócio-honorário da Adeco