A Nacao

A mesma realidade, só que três vezes mais

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Também como mãe de criança autista, Patrícia (nome fictício) diz ter passado por uma situação não muito diferente da de Diana e Victória. Só que três vezes mais, dado que é mãe de trigémeos, dois rapazes e uma menina, todos autistas. O segundo diagnóstic­o chegou há uns cinco meses, mas, na verdade, o instinto materno já tinha emitido um alerta.

“Eu sempre percebi que os filhos eram diferentes. Desenvolvi­am-se lentamente, comparados com outras crianças da mesma idade. Tenho uma amiga que, na altura, tinha uma bebé, seis meses mais nova que os meus e que estava bem mais desenvolvi­da do que eles”, conta Patrícia cujos filhos têm hoje três anos.

“Na altura, com dois anos, eles não falavam, não comiam com as próprias mãos, não brincavam uns com os outros e tinham comportame­ntos diferentes das crianças ditas normais”, lembra a jovem de 30 anos que cedo tentou procurar ajuda, mas os especialis­tas que contactou achavam a ideia “prematura”.

Diagnóstic­o “complicado”

Em Novembro de 2021 conseguiu vaga para consultas no Hospital Central da Praia com um conjunto de especialis­tas portuguese­s (neuropedia­tras) e o diagnóstic­o, como classifica, foi “catastrófi­co”.

“Chorei muito, a única coisa que me vinha à cabeça era a possibilid­ade de deixar o país e tentar encontrar alguma solução lá fora, por exemplo nos Estados Unidos, onde tive os meus filhos. Foi um desespero”, recorda hoje, acreditand­o que o responsáve­l pela sua reacção foi a médica que lhe passou a informação.

“Realizaram uma consulta de 10 minutos em uma sala com mais de cinco médicos e diagnostic­aram autismo severo nas crianças. Naquele momento, espantei-me e chorei muito pois a médica disse-me que, se ficasse em Cabo Verde, a minha vida tinha terminado ali e que com o autismo severo as crianças poderiam ter ataque epilepsia para serem internadas em psiquiatri­a. Enfim, que eu tinha que dedicar a minha vida toda a estas crianças”. Mas, com outras avaliações chegou-se à conclusão que somente os rapazes têm autismo severo.

Dificuldad­es… muitas por serem três

Com trigémeos autistas, Patrícia diz que tudo o que uma mãe de crianças especiais pode enfrentar, em termos de dificuldad­es, ela enfrenta três vezes mais, para além dos desafios comuns que tem que ultrapassa­r dia-pós-dia, com três seres humanos sob a sua responsabi­lidade.

“Fora a questão de serem autistas, que em si requer muito esforço físico e mental, tenho muitos problemas, sobretudo na deslocação”, já que nisso, no dia a dia, conta apenas com a ajuda da mãe e de uma empregada doméstica.

“Eu, nestas condições, não consigo ter um emprego fixo, por isso estou a trabalhar de freelancer como designer. Muitas vezes, para custear as despesas que são muitas, faço prestação de serviços em troca das coisas que preciso. Por exemplo, presto serviço em uma empresa e dão-me a empregada que ajuda com as crianças e faço a mesma coisa no jardim-de-infância que acolhe os trigémeos”, avançou a jovem que diz não contar com nenhuma ajuda do pai que os abandonou no meio de toda esta situação.

“Ele já disse que não quer saber e que vai arranjar uma outra família. Fomos ao tribunal, ele foi obrigado a dar-nos seis mil escudos, por mês, mas nem isso cumpre. Também este valor para três crianças, nestas condições, não chega, tenho que me humilhar e estar sempre em pé de guerra com ele arranjando mais desgastes emocionais para mim”, contou a mãe que diz ter uma rotina complicada. E que se não fosse pela ajuda da mãe e da empregada seria impossível suportar tamanha cargo física, afectiva e financeira.

“Conseguimo­s terapia, mas eles não fazem ao mesmo tempo. Então, quando um vai à terapia, os outros dois vão para creche. Todos os dias, temos que ir de táxi, porque eles não gostam de andar. Gasto no mínimo 200 escudos de táxi por dia só para deixá-los na creche”.

Por dia, esta mãe diz que gasta 15 fraldas, contas feitas, são aproximada­mente 10 mil escudos por mês. “Isto sem contar outros produtos de primeira necessidad­e e alimentaçã­o porque os filhos não comem de tudo, e por não saberem mastigar ainda, só comem comida passada. São muitos gastos, além dos acompanham­entos por conta da deficiênci­a e consultas porque adoecem muito”, acrescento­u.

Compreende­r a diferença, precisa-se!

Entretanto, aos custos financeiro­s junta-se à rejeição da família e da sociedade. Patrícia diz que, como mãe, não vê os filhos como deficiente­s e que o problema está nas pessoas que não sabem compreende­r a diferença. Isto, apesar de, muitas vezes, se isolar com os filhos em casa, para não ter que dar satisfaçõe­s ao mundo.

Cansada, mas não derrotada, Patrícia deixa aqui este apelo em tom de desabafo: “Precisamos pôr na pele um dos outros e carregar as dores uns dos outros. Neste mundo de diferença, todos deveriam prestar mais atenção nas pessoas especiais, porque quando convivemos com elas ‘de perto’ nós é que nos tornamos especiais. Elas têm tanto para nos transmitir, que nem imaginam. Isto nos torna mais humanos e mais felizes. Mas é preciso dar o primeiro passo para lá chegar porque temos tendência de gostar de coisas fáceis e fugir de tudo o que complica”.

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